Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (29/7/2015)
Crítica/ “O campo
de batalha”
Guerra cênica com diálogo de mudos |
No texto de Aldri Anunciação, dois soldados, em trégua
na batalha por falta de armamento, discutem
as razões de serem inimigos. Se de um lado, há motivações econômicas, de
outro, o patriotismo parece prevalecer. No front
, temporariamente sem munição, resta aos dois combatentes uma única bala,
aquela capaz de exterminar o inimigo de quem a detenha. Ter o artefato torna seu
possuidor tão poderoso no domínio enganoso desta guerra a dois, deslocando os
oponentes para falsa refrega no campo das ideias e para o fracasso no embate
com o absurdo. A atualização das referências fica por conta do roubo da água do
rio Amazonas por potências estrangeiras (a crise hídrica fica contemplada), e da
voz em off que divulga os comandos e
das imagens que reproduzem as escaramuças (conexões circunstanciais com os
jogos de guerra digitais). Qualquer que seja a inspiração direta do autor, e a lembrança
à espetacularização da guerra é inevitável, pouco se avança na sua exploração
dramática. Marcada pelo movimento pendular de afirmação e contestação,
superioridade e submissão, a narrativa
se atrela à redundância de um entrechoque sem contrastes. O diálogo se
estabelece distante de qualquer tensão, física ou emocional, na guerra suspensa
de vozes de dissonância apenas aparente. O que as unifica é a sucessão de
imagens banalizadas por observações sentenciosas e inspirações requentadas. A
explosão que provoca a perda sucessiva dos membros dos combatentes, restando
apenas as cabeças, deixa a incômoda sensação de um Beckett tardio. A surpresa fica por
conta da direção distribuída por três: Marcio Meirelles, Lázaro Ramos e
Fernando Philbert. Essa profusão de nomes talvez tenha contribuído para que a montagem
não tenha identidade, apenas conseguida, e muito precariamente, na fidelidade de
sua realização com a ingenuidade da dramaturgia. A gangorra do cenário de Nello
Marrese traduz a oscilante disputa e alternância da força argumentativa dos
oponentes, numa composição visual complementada pelos paraquedas presos aos
seus corpos. Se a luz de Jorginho de Carvalho reforça o impacto agressivo da
ambientação, pelo menos no início, a projeção de vídeos é, não só tecnicamente
precária, como se revela um elemento ineficiente ao contrapor imagens de guerra
ao esfacelamento corporal dos duelantes. Rodrigo dos Santos e Aldri Anunciação desempenham
o sobe e desce do poder circunstancial com vigor físico e recursos bem menores
para driblar os tempos mortos dos diálogos.