quinta-feira, 28 de julho de 2011

Festivais


Festival de Teatro da Língua Portuguesa


Unidade de Idioma e Babel de Linguagem

Novecentos: tradução lusa de obra italiana
O Festival da Língua Portuguesa, que se realiza esta semana, chega à quarta edição, trazendo ao Rio espetáculos dos países de língua oficial portuguesa e da Galícia. Demonstração de obstinada e persistente intenção em manter  mostra internacional, que reúne identidade linguística da produção cênica de países, muitas vezes, ligados apenas pelo idioma comum, o Festlip confirma seus bons propósitos. O que nem sempre o livra das dificuldades que o seu  conceito propõe. A permanência da mostra, que a cada ano encorpa com a participação de grupos oriundos de todos os países lusófonos, como aconteceu na terceira edição, não sustenta o fôlego da programação. Este ano, países como Timor Leste, São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau não puderam vir ao Rio apresentar a sua modesta produção em artes cênicas, não só por falta de recursos, como pela quase inexistência de grupos, minimamente estabelecidos em culturas sem tradição teatral. O que se pode ver, nesta e nas anteriores edições, são montagens africanas, algumas delas mais voltadas para a dança, fincadas em bases folclóricas. E tantas outras com elementos teatrais um tanto rudimentares e de temática ingenuamente social. O Feslip tem promovido, através de oficinas e encontros, tentativas de colaborar no estabelecimento de grupos em Cabo Verde e Moçambique. Há dois anos, veio à mostra um exemplar deste país, bastante primário em sua concepção, mas que tentava traduzir, a seu modo algo canhestro, a oralidade da ficção de Mia Couto. De mesma origem, este ano podem ser vistos espetáculos que tratam da questão da mulher e da miséria na sociedade de Moçambique. O teatro angolano, a julgar pelas demonstrações trazidos ao festival, ainda está num estágio amadorístico, com dramaturgia hesitante entre o realismo de situações cotidianas e interpretações pouco elaboradas. Se no ano passado, o grupo português A Barraca fez inventário cênico sobre a diáspora portuguesa em Agosto – Contos da Emigração, agora da mesma nacionalidade pode ser vista Novecentos – O Pianista do Oceano, da companhia Peripécia, que tenta traduzir, de maneira um tanto frustrada, a obra do italiano Alessandro Baricco. A representação brasileira, de certo modo, desenha o espírito da curadoria do festival. Cor do Brasil, “teatro-imagem, coreografia e músicas ilustram situações cotidianas da luta do homem negro pelo direito de ser reconhecido e respeitado”, em produção do Centro do Teatro do Oprimido. E  Ana e o Tenente, da Íntima Companhia de Teatro, procura “investigar de forma bem humorada a ânsia humana por comandar as circunstâncias externas”.     
   

Cenas Curtas

De 3 a 28 de agosto  se realiza, pela primeira vez, o Festival Bahia em Cena, que distribui por oito teatros de Salvador espetáculos produzidos na cidade, acompanhados de debates e palestras. Entre as montagens está a estréia de Sargento Getúlio, baseado no livro de João Ubaldo Ribeiro escrito e dirigido por Gil Vicente Tavares e interpretado por Carlos Betão. Entre as peças que participam estão as premiadas Sebastião, Uma Vez Nada Mais, As Velhas, Pólvora e Poesia, O Melhor do Homem, Os Sonhos de Segismundo. Após a apresentação dos espetáculos em Salvador, o Festival Bahia Em Cena promoverá a circulação dos espetáculos por outras capitais. Em setembro, o projeto traz Pólvora e Poesia ao Rio; O Melhor do Homem irá a São Paulo e Sargento Getúlio a Fortaleza.

No dia 5 de agosto começa a primeira fase do festival Tempo, a mostra carioca com curadoria vigorosa, que resulta em programação sempre instigante. O espetáculo que abre esse primeiro tempo é Trabalhos de Amor Quase Perdidos,  de Pedro Brício, além da apresentação dos processos de trabalho do diretor Aderbal Freire-Filho e da companhia Teatro Inominável, com a montagem Como Cavalgar um Dragão, texto e direção de Diogo Liberano. A segunda fase acontece em setembro com vários espetáculos, nacionais e internacionais, entre eles os vindos da Argentina, Espanha e França.

A 11ª edição do Festival Cena Contemporânea de Brasília, que acontece de 23 de agosto a 4 de setembro, selecionou 31 atrações internacionais, nacionais e locais. O Teatro Línea de Sombra apresentará Amarillo que trata da travessia ilegal da fronteira que separa o México dos Estados Unidos. O Hermanos Oligor, da Espanha, mostrará Las Tribulaciones de Virginia, enquanto o Teatret Om da Dinamarca trará 79’Fjord – Expedição ao Desconhecido

O 18ª Festival de Teatro do Rio, promovido pelo Centro Cultural Veiga de Almeida, que a partir de 9 de agosto ocupa o Teatro Laura Alvim, este ano homenageia o ator Pedro Paulo Rangel. Reunindo sete montagens de grupos do Rio, Mato Grosso, São Luís, Brasilia e Angra dos Reis, a mostra programou, após cada apresentacão, debates com diretores e atores profissionais. Todas as apresentações têm entrada franca.    


                                                         macksenr@gmail.com


sexta-feira, 22 de julho de 2011

29ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Ponto de Fuga

Palavras em busca da grandeza dos sentimentos
Rodrigo Nogueira, autor e diretor de Ponto de Fuga, em cartaz no Teatro do Planetário, que foi considerado o melhor auutor da temporada de 2010 pelos jurados do Prêmio APTR, trata seus textos, sejam pessoais ou de encomenda, como Play, essencialmente como uma questão de linguagem. Ao explorar formas narrativas, ou modos de “desarrumá-las, Rodrigo integra cotidiano geracional a uma dramaturgia que procura se fazer como cena, explicar-se na sua própria feitura no palco. Essa apropriação dos meios expressivos que o teatro fornece, se transformam em material, eles mesmos, na seiva da ação. Em Ponto de Fuga não é diferente. Uma vez mais, e ainda com maior segurança, estabelece diálogo entre dois núcleos dramáticos. Um, que projeta prosaico almoço dominical de casal com uma amiga, e outro, com os conflitos de personagem-músico. Os liames que se criam como correspondência entre a realidade e a ficção, resultam na área exploratória em que navega o autor. O som ruidoso que compõe a sinfonia cerebral que atormenta a mulher, participante do almoço ao lado do marido e da amiga, nada mais é do que a ressonância das angústias do músico-personagem, que mergulha em sono inesgotável para que possa sonhar. O som, portanto, é muito mais do que música.É a possibilidade de sentir a vida através do onírico, de filtrá-la pela palavra teatral. Na procura da língua que aproxime os dois mundos, a memória dos provérbios de uma avó, se confundem com as eventuais semelhanças, de origem e de sonoridade, do português com o caribenho papiamento. Na música, com suas variações, da partida do silêncio do que falta ainda compor à execução nunca terminada num sarau pianístico, são perseguidos os pontos de fuga, o da chegada, e o do final, que se conclui no teatro. Espectadora (“eu só sinto no palco”) e personagem (“eu só ouço no sonho”) terminam a partitura vital com o desalento de que as palavras não alcançam a grandeza dos sentimentos ou da falta deles. Numa montagem despojada, Rodrigo Nogueira conduz o elenco com a justeza com que cada ator reveste seu personagem. Lilian Rovaris imprime humor ácido às pausas bem sacadas. Luisa Friese, inquietante como a silenciosa empregada, se expande na falante irmã. Lucas Gouvêa cria a ponte identitária entre as atitudes ordinárias do marido e do garoto de programa. Michel Blois projeta o escapismo da existência paralela do compositor. Cristina Flores marca com intensidade contida e tensão interiorizada


Crítica/ As Regras da Arte de Bem Viver na Sociedade Moderna

Aula de platitudes hipócritas
Este monólogo de Jean-Luc Lagarce, escrito em 1994, um ano antes de sua morte, é espelho da dramaturgia deste autor francês, pela prodigalidade na manipulação da palavra e na apropriação de referências literárias da cultura francesa. Em As Regras da Arte de Bem Viver na Sociedade Moderna, Lagarce vai buscar numa publicação do final do século XIX, com o mesmo título de sua peça, reproduzir a imagem atualizada de obscura baronesa que, no original, ditava conselhos sobre a arte da convivência social. Em irônica transposição Lagarce traduz absurdas regras desta não menos improvável conselheira de boas maneiras sobre a arte de viver, do parto à sepultura. Desenrola platitudes sobre a existência, na qual a superficialidade da aparência assume valor absoluto como atitude. Os vários ritos sociais que determinam a coletânea de gestos pré-estabelecidos, independentes das reações, verdadeiramente governadas pelos sentimentos, são expostos pelo ridículo das prescrições que aconselha. Nas entrelinhas desse relatório de atos hipócritas está contida a certeza “de que não se pode iludir as palavras”. É neste desvão que Lagarce expõe o patético que conduz a conferencista em sua preleção. O diretor Miguel Vellinho lança a atriz num espaço branco, que vagamente lembra um estúdio fotográico, dominado por um único objeto, uma cadeira estilosa. Como a área do bar do Espaço Sesc é pequena, os poucos espectadores ficam, intimamente, próximos da intérprete, que deste modo estabelece relação de cumplicidade, ainda que só parcialmente projetada. Lorena da Silva compõe com critério a orientadora de comportamento, transmitindo a dubiedade intencional de seus conselhos, ainda que a atriz se mostre um tanto rígida em interpretação que poderia dar à personagem, talvez, um tom mais dubiamente cruel.     


Cenas Curtas

Depois de quase sete anos fechado, e praticamente em ruínas, o tradicional Teatro Dulcina, sede por mais de 50 anos da Cia. Dulcina-Odilon, volta a fazer parte do circuito teatral da cidade. Reformado pela Funarte, reabre dia 2 de agosto, iniciando programação inaugural que se estende até a primeira quinzena de setembro. Com a participação de Nathalia Timberg, Bibi Ferreira e Marília Pêra, a festa de abertura é uma homenagem à patrona da casa de espetáculos da Rua Alcindo Guanabara, na Cinelândia, Dulcina de Moraes. Ao longo do mês se apresentarão espetáculos como Bibi in Concert, Viver em Tempos Mortos, com Fernanda Montenegro, Uma Festa Privilegiada, que comemora os 20 anos do grupo F...Privilegiados, encerrando-se, de 5 a 9 de setembro, com Flauta Mágica, montagem de Peter Brook.

O Teatro Caleidoscópio e a Editora Dulcina, ambos de Brasília, anunciam dois lançamento que seguem a linha editorial de divulgação e pesquisa em artes cênicas. Avec Grotowski, de Peter Brook, reúne artigos, cartas, entrevistas e apresentações que revelam o convívio do diretor inglês com o diretor e teórico polonês Jerzy Grotowski, e que chegará às livrarias no final de agosto. Para dezembro está previsto Para Um Teatro Pobre, de Grotowski, fora de catálogo há décadas, um clássico da teoria teatral do século XX. Na sua estante, as editoras registram títulos como A Canoa de Papel – Tratado de Antropologia Teatral, de Eugenio Barba, diretor do Odin Teatret; Pedras D’Água – Bloco de Notas de Uma Atriz do Odin Teatret, de Julia Varley, e Teatro: Solidão, Ofício, Revolta, também de Eugenio Barba.

Na sequência de programas de revitalização da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), se inclui o Fórum de Dramaturgia, que se realizará, a partir de 26 de julho, na sua sede, sempre das 15h às 17h. Com a participação de autores, diretores, ensaístas  e roteiristas, entre eles, Naum Alves de Souza, Alcione Araújo, Tânia Brandão, Moacyr Goes, Aderbal Freire-Filho, Renata Mizrahi e Henrique Tavares, serão expostas questões em torno da criação dramatúrgica. No dia 26, A Nova SBAT Debate: Profissão Autor; dia 27, Dramaturgia e Encenação: Discutindo a Relação; 28/7, Ibsen, Tchecov, Pirandello, Brecht, Beckett: O Caminho de Volta a Shakespeare e ao Teatro Ilimitado; 2/8, Como e Porque Uma Casa de 100 anos, Reformada, Pode Ser o Melhor Lugar Para Morar.   

Está em circulação pela Europa a produção do Young Vic, de Londres, em parceria com o Thèâtre de la Ville, de Paris, I Am The Wind (Eu Sou o Vento), a primeira encenação do diretor francês Patrice Chéreau em inglês. Neste texto, o autor norueguês Jon Fosse confronta dois personagens que  se lançam numa odisséia através do oceano, em irônico e poético confronto de sentimentos, criando fábula suicida sobre a vida em nosso tempo. Chéreau, que já esteve no Brasil, mas apenas em Porto Alegre e São Paulo, dirigiu na temporada parisiense de 2010, outro texto de Fosse Rêve d’Automme (Sonho de Outono). É mais do que tempo do Rio conhecer a qualidade deste diretor. I Am The Wind parece ser, pelas críticas publicadas na Inglaterra, mais do que somente uma ótima realizacão, mas uma obra de maturidade criativa.     
 


    
                                               macksenr@ gmail.com

quinta-feira, 14 de julho de 2011

28ª Semana da Temporada 2011



Dostoiévski e Bowie no Jardim Botânico


Crítica/ O Idiota
Sugestões visuais para capturar novelão caudaloso
É um desafio tão grande como a de ler o romance de Fiódor Dostoievski, a transposição para o teatro de O Idiota. A abrangência da narrativa literária, com seu caudal descritivo e minúcia detalhista das angustias de personagens assaltados por tormentosos episódios, propõe aos leitores percursos diversos de recepção, capazes de os conduzir a mergulhos no psicologismo da trama e à negação dos múltiplos atalhos que parecem desviar a unidade da trama. Para chegar ao palco, a adaptação precisa centralizar-se em algum aspecto definido pelo qual se pretenda desenhar a cena. Se no romance, de origem folhetinesca, o fluxo narrativo se mostra, aparentemente, desviante do centro dramático pela profusão de detalhes e descrições, na versão cênica, o adaptador Aury Porto não poderia fugir à síntese, senão redutora, pelo menos funcional. Mesmo com esta contenção em 12 cenas, a montagem de Cibele Forjaz, dividida em três partes, alcança seis horas de duração, que pode ser assistida em duas sessões, separadamente e em dias alternados, ou numa única e contínua apresentação. Esse caudal, romanesco e teatral, se encorpa na medida em que se procure imprimir interpretação àquilo que se lê e vê. Além do volume de informações contido no literário, há que encontrar a densidade do material produzido pelo autor russso. A encenadora persegue esse painel avassalador através do exercício da linguagem cênica como meio de encontrar significações para sua estrutura e realização em palco. Como diz um dos personagens da saga do pateticamente lúcido Míchkin, “as coisas não cabem nos nomes”. Intentar dar nome à sua construção teatral, Cibele Forjaz procura tirar a “névoa dos olhos” do espectador, para lançá-lo numa sequência de quadros, que nascem uns dos outros, jogando com o olhar para direções e formalizações diversas, em peripatético jorro de imagens. É identificável a intimidade da diretora, que por anos foi iluminadora dos espetáculos do Oficina, com a teatralidade de José Celso Martinez Corrêa. Mas diante deste desafio e das soluções que buscou para traduzir o romance, percebe-se a autonomia que conquista ao longo do espetáculo. Lá estão as citações carnavalizantes de Zé Celso, ao mesmo tempo em que os apelos, bem mais sutis, é verdade, à participação da plateia, e a circulação da montagem por várias áreas do Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim e seu exterior, tão ao estilo do encenador paulista. Por outro lado, cria-se em muitas cenas uma poética que remete à uma sensibilidade bastante próxima das nossas emoções, seja pela trilha eclética de Otávio Ortega, seja pela diferenciação estilística (melodramática, farsesca, dramática) do elenco. Cada cena se insinua como possibilidade do inesperado, independente da leitura anterior do romance, em que a platéia é levada a ser capturada pela sua disponibilidade de se integrar à corrente das sugestões dramáticas. Há belas e impactantes cenas que se desenrolam no invólucro cenográfico de Laura Vinci, de inegável força expressiva. A gare do início, que dá a partida para a viagem com o idiota, cria envolvência, sonorizada por repertório brasileiríssimo, e atinge culminância no encontro dos casais desavindos num hotel-cubo-brinquedo infantil trepa-trepa. Nesta trajetória, de estímulos múltiplos e aguçamento de percepções para o público, os atores demonstram integral participação na arquitetura da montagem. Aury Porto, Fredy Allan, Luah Guimarãez, Lúcia Romano, Luís Mármora, Sérgio Restiffe, Sylvia Prado e Vanderlei Bernardino são os acólitos desta celebração para encenar um suculento novelão.     


Crítica/ Outside
Na mira da cultura pop com muito som e pouca fúria
Com o aposto explicativo de “um musical noir, livremente inspirado no universo artístico de David Bowie”, Pedro Kosovski empreende a recriação teatral de história estampada no encarte do disco Outside, de 1995, do cantor e compositor inglês David Bowie. Lá estava dito que a morte de uma garota de 14 anos seria uma maneira de se imolar pela arte. O paralelismo entre a produção fonográfica de Bowie e o texto em cartaz no Espaço Tom Jobim se estabeleça, talvez melhor, se for possível ter acesso ao encarte que deu partida à escrita teatral, e ouvir, com atenção, as faixas do disco. Do contrário, resta ao espectador desinformado, a trama intrigante, a manipulação banal de gêneros e as alusões referenciais sem correspondência na sua materialização dramática. No uso do corpo como meio artístico, comercializado como body art, analisado por críticos oportunistas à serviço de modismos, e com a pressão de proprietária de galeria que financia a descoberta de crime para torná-lo comercialmente rentável, o autor explora a arte como veículo de criação e de mercantiiização. E a ação tem como cenário a cultura pop, revista sob a perspectiva de consumo imediatista e de superficialidade de sua nomenclatura e visualidade feérica. Kosovski recorre à estética de show de rock e a entrecho de novela policial para que personagens tipificados, que adotam nomes identificáveis – Peggy Guggenheim, Norma Jean Baker (como se chamava Marilyn Monroe) e Teodoro Adorno - cantem a fragilidade da arte nesses tempos de impermanência. A discussão proposta e a sua realização parecem em conflito como  meios expressivos que se negam mutuamente. O diretor Marco André Nunes adotou o formato de show de rock, dispersando ainda mais, na horizontalidade do palco do Tom Jobim, os espaços narrativos dramáticos já esgarçados de origem. Com direção musical e música de Felipe Storino, iluminação de Renato Machado, cenário e figurino de Flavio Graff, a montagem demonstra esforço e empenho, que se estende ao elenco, que canta, dança, sapateia, mas mantém linha interpretativa um tanto oscilante. Outside  é uma proposta pop, com muito som e pouca fúria. 


O Que Há (de melhor) Para Ver

Crônica da Casa AssassinadaNesta saga de danações, adaptada com a mesma densidade narrativa do romance de Lúcio Cardoso, o diretor Gabriel Villela revigora a sua imagística mineiro-mística com cenário arrebatador na reprodução de portal de igreja barroca e figurinos que envolvem os personagens em lençóis-mortalhas. Montagem de beleza rascante tem elenco que se harmoniza com vigor a esse culto à putrefação do prazer. Teatro Maison de France.

Um Violinista no Telhado – Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma  aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande.

macksenr@gmail.com

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Outros Palcos

Porto Alegre

Mineiros em Temporada Sulista
 Em sua 11ª edição, o Festival do Teatro Brasileiro leva aos estados sulistas grupos mineiros, em intercâmbio que já contabilizou companhias baianas, cearenses e pernambucanas em temporadas por cidades de Minas, Rio, Espírito Santo e Nordeste. A seleção de montagens de Belo Horizonte que circula por regiões distantes de sua origem e se exibe para plateias de cidades paulistas, paranaenses e gaúchas, até meados deste mês, é uma amostragem da produção e da diversidade teatral mineiras. Na etapa de Porto Alegre, a plateia local pôde avaliar Tio Vânia, o mais recente espetáculo do Grupo Galpão, que estreou nacionalmente no Festival de Curitiba, em abril. A encenação de Yara de Novaes para o texto de Anton Tchecov mantém a alternância do repertório e de diretores, no momento em que o Galpão completa 30 anos. A entrada na idade do amadurecimento, registra o tempo e a inexorabilidade de sua passagem, matérias tão sensíveis ao autor russo, não por acaso escolhido para marcar o aniversário do grupo. Uma tentativa de viragem, de ampliar possibilidades, de tocar indefinições futuras. Mas a versão de Tio Vânia reflete mais a tensão  pela passagem do tempo do que transição que aponte para além das referências passadas. Há nesta investida na “monotonia cinza” tchecoviana, nos diálogos amargos e na desesperança da imobilidade que ecoa nas vidas dos personagens, um esvaziamento da carga emocional que conduz à inação em que patinam essas figuras desgarradas. O temperamento interpretativo do elenco se mostra um tanto inadequado ao tom “exuberante” e expositivo da poética popular que o elenco traz da trajetória dos espetáculos de rua. Pouco sensibilizados para o universo do qual se aproximam sem convicção, com incompatibilidade física com os personagens, os atores de Tio Vânia confirmam que a encenação pode ser vista como pausa para repensar o já realizado, avaliar o já conquistado, e lançar-se, com ousadia, ao desconhecido do que ainda pode vir. A Cia Luna Lunera levou ao Sul duas das suas montagens: Cortiços, baseado no romance de Aluísio de Azevedo, um exemplar da literatura naturalista do século 19, e Nesta Data Querida, criação coletiva do grupo. A projeção nacional do Luna Lunera com o bem-sucedido Aqueles Dois, conto do gaúcho Caio Fernando Abreu, encenado em inventiva integração dos atores, parece ter sido o ponto de inflexão na sua trajetória. A partir das duas montagens apresentadas em Porto Alegre, ambas anteriores a Aqueles Dois, pecebe-se a inquietação por desvendar alternativas, mas demonstram os relativos descaminhos deste percurso. Em Cortiços  se aproximam do naturalismo através do coreográfico, o que esvazia as duas linguagens. Ao fornecer as informações e os perfis de personagens tão marcadamente delineados, o Luna recorre até a um aviso, em meio ao espetáculo, para explicar o que se passa no palco. É o reconhecimento da perda do domínio dramatúrgico em plena cena. Nesta Data Querida se mostra como jogo improvisado, que surge na sala de ensaios, mas de identidade anêmica no palco. 
Com a autoridade de anos de exercício de teatro de rua, Eduardo Moreira, um dos fundadores do Galpão, assina a direção e a colaboração na dramaturgia de Próxima Edição, da Companhia Malarrumada. Essa reunião de três esquetes, de inspiração inegável em textos de Nelson Rodrigues, capturados no estilo do autor de Beijo no Asfalto, utiliza os mecanismos de espetáculos ao ar livre (uso de instrumentos musicais, interpretações farsescas, mascaras e truques de sensibilização dos espectadores). As historietas, com sabor novelesco e trama ingênua, ainda que com alguns toques bem maliciosos, atraem a atenção de plateia variada e popular. Na semana passada, numa das praças do centro de Novo Hamburgo, cidade a 40 minutos de Porto Alegre, Próxima Edição manteve, em pouco mais de uma hora, numa manhã fria, o interesse de público reduzido, mas atento, que ficou satisfeito com o que assistiu. A julgar pelo silêncio atencioso, pelos risos e aplausos com os quais manifestou a boa recepção para a montagem simples e direta, atingindo, despretensiosamente, o que pretendia.

                                                      macksenr@gmail.com 

segunda-feira, 4 de julho de 2011

27ª Semana da Temporada 2011


Dramaturgia anglo-saxã em cartaz


CríticaO Bosque

Dueto entre a surdina e a eclosão em diálogos ácidos
A dramaturgia do americano David Mamet se desvia, apenas na aparência, do realismo psicológico que marca tão decisivamente a produção dramática dos Estados Unidos, a partir da década de 50 do século passado. De geração mais recente, mas com forte influência dos seus compatriotas antecessores na escrita teatral, Mamet se caracteriza por universo em que os sentimentos dos personagens emanam de uma América emocional profunda. São casais à procura de sustentar o encontro afetivo, ou encerrar desencontros amorosos ácidos, se digladiando em diálogos de sonoridade curta e intencionalidade surda. Em O Bosque, que pode ser visto no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil, Mamet dimensiona essas tendências em tom de crueza dissimulada por naturalismo desconcertante. O casal, que se refugia numa casa afastada para a reavaliação de vida a dois, vai desvendando neste ambiente de solidão e de lembranças, o quanto é fraturado aquilo que cada um ensaia como unidade. Em frases rápidas, os dois desestruturam, progressivamente, os liames frágeis que os ligam, e abrem espaço para a ruptura do que nunca se integrou. Esse cara a cara, em que as frases se enredam em comentários carregados de disfarces e ocultas sombras de mútuo desalento, o casal atinge o ponto de inflexão desse afastamento. Esse é o momento menos resolvido do texto, já que o autor ao explicar, procura dar justificativa para o comportamento de ambos, demonstrando com o desfecho, fidelidade aos cânones do realismo psicológico: coerência e verismo. Mesmo avançando para além de alguns dos condicionantes do estilo, Mamet derrapa nesta reiteração, esvaziando o ar volátil que os diálogos tão detalhadamente projetam. O diretor Alvise Camozzi revestiu a encenação de clima melancólico e declinante, ainda que interiormente tenso e fluído. Em cenário de William Zarella Jr., com amplo espaço negro, coadjuvado pelo iluminação, e a ausência completa de luz em alguns momentos, de Guilherme Bonfanti, o diretor conduz o par de atores como um dueto do qual extrai a música, entre a surdina e a eclosão. A luz, que evidencia e se apaga, está no centro do que se deixa entrever, e esta é a linha diretorial, que embala essa sonata outonal do esfacelamento de relação até à finitude. Bruno Kott e Cristine Perón se apropriam, na exata medida da intensidade verbal e do ritmo interior dos diálogos, deste sensível exemplar da dramaturgia de David Mamet.
      

Crítica/ Outros Tempos
Os vértices de um triângulo entre o silêncio e a lacuna
O lugar do realismo para o teatro do inglês Harold Pinter está no deslocamento do real para a lacuna. É neste movimento que se instalam os silêncios, ressonâncias tão características de sua escrita, e as situações quase corriqueiras, verdadeiras armadilhas narrativas para sua apreensão, como peças de encaixe de quebra-cabeças dramático. Neste jogo, Pinter desfaz assertivas e desenrola trama aparentemente contínua, em que o tempo atua com lógica desestruturada. Em Outros Tempos ( Old Times, no original), cartaz no Espaço Sesc, a contingência temporal se acentua na sua decomposição como impulso dramático. A visita de amiga a casal, que desencadeia mistérios da visitante e da mulher quando jovens, provoca no homem o incômodo de ser desconhecido neste passado e estranho no presente. As lembranças do acontecido e a peças do triângulo que se movimentam corroendo os vários ângulos, provocam, em meio a longas pausas e a atalhos de possibilidades, fricções que impelem os deslocamentos de suas posições nos vértices do geométrico diálogo. Não é fácil encontrar a sintonia para tantos firulas, como  se o autor estivesse propondo a captura de sutil oscilação pendular. O estreante diretor Pedro Freire demonstra que, ainda que sem outro registro no currículo teatral, é alguém que se aproxima da dramaturgia de Pinter com intimidade. O despojamento da direção, que avança a passos bem marcados por esse balé de intenções encobertas, cria, efetivamente, a ambientação crescentemente dúbia que comanda as atitudes dos personagens. Em volteios, que movem a simples cenografia de Domingos de Alcântara, e fazem circular a iluminação de Paulo César Medeiros, Pedro Freire aciona a circulação desta roda dentada em torno de um eixo não inteiramente cerebral. Abre brechas para um leve toque de humor, para maior distensão das pausas e para o ajustamento à juventude dos atores. E provavelmente à sua própria juventude como diretor. Desta forma, imprimiu assinatura à sua primeira encenação. O elenco, talvez seja o maior prejudicado nesta empreitada, por mais contraditório que a afirmação possa parecer. Cristina Flores, uma atriz inteligente cenicamente e inquieta nas suas investidas profissionais; Otto Jr., um ator que estende suas atuações a variantes gêneros; e Paula Braun, atriz com presença e máscara diáfana, se mostram corretos nas suas interpretações, mas inadequados (seriam jovens demais? demonstram carga emocional de menos?) à intrigante manipulação das palavras lançadas no tempo que toca o absurdo.                


Crítica/ Grito D’Alma
Retórico mergulho em obsessões neuróticas
O americano Tennesee Williams é o mais significativo representante do realismo psicológico, com suas peças fortemente baseadas em sua biografia e obsessões familiares. Em Grito D’Alma (Out Cry, no original), escrita em 1973, dez anos antes de sua morte, e em cena no Solar de Botafogo, mantém suas características mais destacáveis. Na confinada relação de irmãos, atores de decadente companhia itinerante, que fazem a encenação de seus doentios e neuróticos traumas, Williams revisa velhos temas sem o mesmo vigor de seus textos mais consistentes. Em excessivo derramamento autocomplacente, repleto de referências a outras de suas peças, retórica (ele próprio, através de um personagem, menciona essa efusão verbal) e com indisfarçável dificuldade em arrematá-lo, Grito D’Alma é um dos textos menos expressivos de Tennessee Williams. E qualquer montagem deverá considerar tantas limitações. Não é o que acontece na versão de Diogo Salles. Sem construir mínima atmosfera que se desvie da monótona angustia verbosa dos irmãos, o diretor se entrega ao caudal das palavras e a imobilidade da trama, sem conseguir dar vigor ao medo infantil dos personagens. Os atores Glauce Guima e Marcelo Pio contribuem com interpretações empenhadas, mas inconvincentes, para o longo e decepcionante mergulho de Tennessee Williams nas suas recorrentes obsessões.       


Cenas Curtas

 A diretora Christiane Jathay está, duplamente, em cartaz: no teatro e no cinema. A encenadora reestréia, no Teatro Sérgio Porto, o monólogo de Newton Moreno, O Livro, com Eduardo Moscovis, transformando a narrativa em capítulos existenciais que se traduzem em escrita arrojada na cena. Na transferência do palco para a tela, A Falta Que Nos Move, Christiane ampliou o jogo entre realidade e encenação em nova dinâmica, mais contundente. Vale uma ida ao cinema.

O ator, diretor e autor Rodrigo Nogueira, que levou o troféu de melhor autor na última edição do Prêmio da Associação dos Produtores Teatrais do Rio por Ponto de Fuga, traz seu texto de volta ao cartaz. Agora, no Teatro do Planetário, a peça, que estabelece contrapontos de sentimentos, mantém o elenco da temporada original. A próxima etapa do texto é a sua transposição para o cinema. O filme, que começa a ser rodado, em Curitiba, ainda este ano, será dirigido por Rodrigo Nogueira, marcando sua estréia neste novo meio.
  

O Que Há (de melhor) Para Ver

Crônica da Casa Assassinada – Nesta saga de danações, adaptada com a mesma densidade narrativa do romance de Lúcio Cardoso, o diretor Gabriel Villela revigora a sua imagística mineiro-mística com cenário arrebatador na reprodução de portal de igreja barroca e figurinos que envolvem os personagens em lençóis-mortalhas. Montagem de beleza rascante, tem elenco que se harmoniza com vigor a esse culto à putrefação do prazer. Teatro Maison de France.

Um Violinista no Telhado – Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma  aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande.

                                                 
                                                          macksenr@gmail.com