segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

9ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ O Bom Canário
Mergulho em negações insidiosamente engaioladas
Este texto do americano Zacharias Helm, em cartaz no Teatro Poeira, é um mergulho na negação. Já na primeira cena, fala-se em meio a muitos palavrões e imagens vulgares sobre a impossibilidade de existir verdadeiramente ( “A perspectiva existencial enxerga os bunda-moles como o resultado do fracasso em se agir com autenticidade.”). Para no final, concluir sobre a falta de saída para quem estrangula a palavra que precisa ser dita (“Eu caguei pra o que qualquer um possa dizer. Isso não importa. Ninguém nunca diz o que importa. Todo mundo só diz a merda que pensa que vai trazer aquilo que querem. Não o que devem dizer. Não o que querem dizer...”). É entre esses dois hemisférios de sentimentos que um casal, ele investido de escritor, ela dependente química, circula pela fatuidade daquilo de que se é, fugindo para a ilusão daquilo de que nunca se poderá ser. Numa trama em que identidades são apropriadas por outro e vozes críticas, interiores e sociais, se entrechocam, permanentemente, emerge complexo jogo de afetos radicais, incapazes de encontrar um pouso para depositar os despojos do que se perseguiu: a ilusão. Essa construção narrativa, na tradição do realismo psicológico da dramaturgia americana, trata do universo desse par de desajustados ao mundo à sua volta, tocando o negócio literário com seus editores, agentes e críticos e sua cadeia de vaidades, arrogância e infertilidade da criação. Os diretores Rafaela Amado e Leonardo Netto foram sensíveis à dureza poética do texto na encenação suavemente atritante. A dupla conduz o desencontro de alguém pelos meandros de si mesmo, em rascante evolução, entre o plano expositivo e o desvendamento de subterrâneos. Flávia Zillo interpreta a neurótica Annie com intensidade dosada e com vários bons momentos. Joelson Medeiros também dosa bem a necessária intensidade a emprestar ao marido. Érico Brás, Leandro Castilho, Marcos Ácher, Roberto Lobo e Sara Freitas completam o bem integrado elenco desta montagem insidiosamente provocante.

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

8ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ A Vingança do Espelho
Reconstituição teatral de uma imagem
Pode-se imaginar a dificuldade de Flávio Marinho para encontrar a forma de biografar a vida da atriz Zezé Macedo em A Vingança do Espelho. Como acontece, cada vez com mais frequência, a escolha de personagens populares, seja através do cinema (chanchadas) ou da televisão (humorísticos), para ter suas vidas, pessoais e profissionais, contadas no teatro, há que se inventar artifícios dramatúrgicos para não se cair na sequência de fatos ou na mera reprodução da imagem midiática. Neste gênero biográfico, o escolhido, por mais importância e sucesso que tenha obtido em suas carreiras, a construíram, praticamente, sob um único tipo. No caso de Zezé, sob a caricatura de características físicas, marcadamente acentuadas por trejeitos, voz e figurino. E é da transposição dessa imagem e da aceitação do público a tal tipologia que se imagina estabelecer a cena, ainda que os acontecimentos vividos pela personagem sejam apenas curiosidades desconhecidas da platéia. Marinho tentou escapar da armadilha do retrato falado, criando arcabouço narrativo no qual relaciona a própria encenação com o vai e vem da existência da humorista. Recorreu ao truque dramático de transformar o aspecto físico da atriz (ponto central do seu temperamento de intérprete) em material que alimenta a cena. Subterfúgio para fugir à mesmice deste gênero já banal na origem. O ambiente de ensaio teatral, que corre paralelo aos fatos ralos da biografada (os aspectos pessoais como a morte de um filho, a sua escrita poética e a insegurança na velhice não são suficientes para criar autonomia dramática), acaba por sustentar o elemento essencial destacado pelo autor: a imagem. O espelho, uma obsessão de Zezé, e as plásticas, um desejo de se reconstituir, compõem a estrutura do texto, procurando escapar do convencionalismo. Consegue, em parte, não somente pelas restrições que o material de pesquisa oferece, como também pela pouco inventiva direção. Amir Haddad conduz a montagem em cartaz no Teatro Laura Alvim alongando as cenas e impondo tom entre o melodramático e o humor festivo, evidenciando as fraturas básicas do projeto. Betty Gofman, sem fazer caricatura explícita de Zezé, carrega na voz e dribla a imitação. Marta Paret e Mouhamed Harfouch, em que pese os papéis esquemáticos, mostram boa presença. Tadeu Mello tem interpretação desmedida, enquanto Anrtonio Fragoso, vai em sentido contrário. Está apagado.

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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Um Renovador em Dois Volumes


Livros/ Ziembinski e o Teatro Brasileiro / Ziembinski – Mestre do Palco
Teatro sem ponto, cambista e claque
O ator e diretor polonês Zbigniev Ziembinski, responsável pelo ponto de partida do moderno teatro brasileiro, pode ser um pouco mais conhecido com dois livros que biografam e ilustram a sua carreira de 47 anos de teatro, 32 dos quais no Brasil. Ziembinski e o Teatro Brasileiro, de Yan Michalski (Hucitec), e Ziembinski – Mestre do Palco, de Antônio Gilberto, percorrem com fôlego e pretensões diversas a trajetória deste renovador do espetáculo nacional, que a classe teatral conhecia, abrasileiradamente, como Zimba. Foi ele que introduziu o conceito de encenação na prática teatral das companhias dos anos 40, até então dominadas por primeiros atores, prosódia portuguesa e meros ensaiadores. Yan mergulha na história pessoal do conterrâneo, da infância à vida teatral no seu país, até a fuga da Polônia, depois da invasão alemã em 1941, à chegada ao Brasil, aos 33 anos, onde viveu até a morte, em 1978. Destaca ainda o papel que desempenhou no teatro brasileiro ao longo de sua carreira. É um livro detalhado, com a autoridade de quem acompanhou como crítico as mudanças que Ziembinsk provocou e sofreu na nossa cena. São mais de 500 páginas que ampliam o conceito de biografia para se estender como reportagem analítica de uma existência e vida profissional. Já Antônio Gilberto reúne, cronologicamente, em fotos preciosas das montagens dirigidas por Ziembiski, a partir de sua estréia em Vestido de Noiva, em 1943, de sua passagem pelo Teatro Brasileiro de Comédia, Teatro Cacilda Becker e por outras em produções comerciais do fim da vida. As fotos são introduzidas pelos programas dos espetáculos e pelos textos do próprio Zimba, que se utiliza desde veículo para explicar suas concepções. Esses programas trazem informações, aparentemente secundárias, mas que registram as transformações que o encenador introduziu entre nós. No programa de A Rainha Morta, o clássico de Montherlant, que Ziembinski dirigiu em 1947, com cenário de Santa Rosa, há a advertência: “ No teatro de Os Comediantes não há ponto, não há cambista, não há claque”. Ziembinski está tão associado à modernidade do palco brasileiro, que seu nome é quase uma coautoria com o de Nelson Rodrigues na peça que inaugurou uma nova fase evolutiva da encenação e dramaturgia nacionais. Foi Ziembinski que insistiu para que Vestido de Noiva do então jornalista Nelson Rodrigues, chegasse ao palco do Teatro Municiapl em dezembro de 1943. A peça era, por todas as razões – e a maior delas, pela insuspeitada capacidade do autor de elaborar tão sofisticada estrutura narrativa – um desafio assustador a qualquer encenador de então. O escândalo da temática, que confrontava em níveis de realidade, inconsciência e onirismo, paixões de irmãs por um mesmo homem e fantasias com prostitutas, e a originalidade da escrita, alternando tempos e vozes narrativas em cortes bruscos e diálogos curtos e afiados, lançavam uma complexidade ao panorama teatral da época que, somente a firmeza de Ziembinski conseguiria sustentar. A compreensão por um polonês de peça de um brasileiro que provocou tanta estranheza nos seus contemporâneos se explica pela abordagem quase mítica que adotou. 
Os registros da encenação, que ele reproduziria numa cópia fiel à original em remontagem de 1975, mostram que Ziembinski desenvolveu adesão absoluta à mecânica da peça, de tal maneira que pode ser considerado um coautor de Vestido de Noiva. Não só pela inúmeras sugestões que apresentou a Nelson ao longo dos exaustivos e exigentes ensaios, como pela apropriação da então complexa intrincada estrutura do texto. Os ensaios se estendiam por mais de dez horas diárias, por intermináveis meses. A cenografia, que exigia concepção antirealista, foi laboriosamente desenhada por Santa Rosa, sob supervisão direta de Zimba. A iluminação, um ítem praticamente inexistente no teatro daquela década, conhece a novidade de 300 efeitos de luz criados pelo próprio Ziembinski. A repercussão histórica da montagem transcende às críticas de que Ziembinski traduziu, tardiamente, o expressionismo alemão para os palcos brasileiros e supera a contestação da teatralidade vigorosa da tradição cênica polonesa, além dos indefectíveis pausas longas que impunha aos atores. Mas histórico ou artístico, o fato é que Ziembinski tornou possível com Vestido de Noiva uma conjugação cultural que sacudiu o teatro brasileiro, derrubando uma estrutura envelhecida e revelando as possibilidades criativas nacionais. Ziembinski voltaria outras vezes a Nelson, com resultados de menor e nenhum impacto. Se a experiência do ator Ziembinski de interpretar um bicheiro em O Boca de Ouro adensou a distância cultural entre o polonês naturalizado (13 anos depois de sua chegada) que nunca perdeu o sotaque, e a tragédia carioca, o diretor Ziembinki foi, especialmente bem-sucedido em Toda Nudez Será Castigada com a colaboração de um elenco inesquecível: . encenação que trazia o espírito, mais solto e arrebatado do autor, filtrado pelo temepramento amadurecido do diretor.

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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Cenas Curtas


Prêmios 2011 e Revistas dos 50s
Calanga - Chico Rei: indicação pela música de Paulo César Pinheiro
Foram selecionados os finalistas da sexta edição do Prêmio APTR (Associação dos Produtores Teatrais do Rio de Janeiro), referente à temporada 2011. Os vencedores serão  conhecidos em festa no dia 27 de março ( Dia Mundial do Teatro) no Teatro Carlos Gomes. 
autor: Felipe Rocha (Ninguém Falou Que Seria Fácil), Pedro Kosovsky (Outside), Gregório Duvivier e Clarice Falcão (In Box) e Beatriz Sayad e Dani Barros (Estamira)  
direção: Christiane Jatahy (Julia), Gabriel Villela (Crônica da Casa Assassinada), José Wilker (Palácio do Fim), e João Fonseca (R & J de Shakespeare)
ator: Charles Fricks (O Filho Eterno), Gilberto Gawronski (Ato de Comunhão), José Mayer (Um Violinista no Telhado) e Thiago Abravanel (Tim Maia) e Rodrigo Pandolfo (R& J de Shakespeare)
atriz: Dani Barros (Estamira), Vera Holtz (Palácio do Fim), Cláudia Netto (Judy Garland O Fim do Arco-Íris) e Débora Olivieri (Rosa)
ator coadjuvante: Rafael Primot (Inverno da Luz Vermelha), Gracindo Jr. (Judy Garland O Fim do Arco-Íris), Jorge Caetano (Outside) e Pablo Sanábio (R&J de Shakespeare)
atriz coadjuvante: Analu Prestes (Um Dia Como Os Outros), e Fabiana Gugli (34 Degraus)
cenografia: Márcio Vinicius (Crônica da Casa Assassinada), Marcelo Lipiani (Julia), Daniela Thomas (Inverno da Luz Vermelha) e Flávio Graf (Outside)
figurino: Emília Duncan (A Escola do Escândalo), Flávio Graf (Outside), Marcelo Pies (Um Violinista no Telhado) e Gabriel Villela (Crônica da Casa Assassinada)
iluminação: Maneco Quinderé (Palácio do Fim), Domingos Quintiiano (Crônica da Casa Assassinada), Fernanda Mantovani (Breve Encontro) e Paulo César Medeiros (Um Violinista no Telhado)
música: Liliane Secco (direção musical de 4 Faces do Amor), Paulo César Pinheiro (Calanga – Chico Rei), Marcelo Alonso Neves (Palácio do Fim) e Felipe Storino (Outside)
categoria especial: 60 Anos de O Tablado, Sérgio Fonta, autor do livro Rubens Corrêa - Um Salto Para Dentro da Luz,, e Márcia Rubin conjunto de trabalhos de preparação corporal , e o projeto Gamboa à Vista.
espetáculos: R&J de Shakespeare, Palácio do Fim, Um Violinista no Telhado e Estamira

Oscarito
Muié Macho Sim Sinhô (1951)
Programa da Cia Walter Pinto
A Funarte está lançando o livro Iconografia Teatral de Walter Pinto e Eugénio Salvador, de Filomena Chiaradia, que reúne em fotografias, reprodução de programas e páginas de publicações semanais, acervo de produções do inovador da revista à brasileira nos anos 50, e da companhia do ator português. Concentrando nesta década e em algumas montagens que ocuparam os teatros Recreio, na Praça Tiradentes, no Rio, e do Parque Meyer, em Lisboa, no período, a autora estuda a iconografia das revistas, não registrando somente as cenas de apoteose e os cenários grandiosos, como também os bastidores, com fotos do trabalho dos cenotécnicos, e até mesmo planta das salas de espetáculos. É possível, também, encontrar Oscarito cercado por girls, reportagem de O Cruzeiro, de 1950, noticiando a ameaça de incêndio ao Recreio, e Virginia Lane exibindo suas jóias. Filomena Chiaradia utiliza como abertura do primeiro capítulo do livro, citação de Susan Sontag, que resume o espírito da obra: “Fotos que transformam o passado em objeto de consumo configuram atalho. Qualquer coleção de fotos é um exercício de montagem surrealista e a sinopse surrealista da história.”

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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

7ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Música Para Cortar os Pulsos
Como iluminar o discurso amoroso de jovens amantes 
O grupo se intitula Empório de Teatro Sortido. É de São Paulo, e chega ao Rio sem informação prévia que nos faça saber de sua origem, formação ou qualquer outra característica. Traz apenas Música Para Cortar os Pulsos ao Mezzanino do Espaço Sesc, em curtíssima temporada, como cartão de apresentação, o que é suficiente para surpreender, agradavelmente, como um coletivo de sagacidade cênica e sopro de juventude. O texto assinado pelo diretor Rafael Gomes é uma pequena caixa de surpresas pela forma como fala do amor entre os que o descobrem nos seus 20 anos, embalado por trilha sonora sem compromisso com o pernóstico bom-gosto, e que se ilumina com inteligência dramatúrgica. A encenação dosa esses elementos vividos no palco como sensações amorosas, renovadas por movimentos de reverência ao clichê e ao melodrama, como exigem e se expressam as relações sentimentais. Entre os sentimentos genuínos e os pulsos cortados de amores frustrados, existem nomes, gestos, palavras, surpresas, decepções, e tantas outras cenas, além das dez do espetáculo no interminável jogo da atração e desencontro. Ele ama o outro, que fica com ela, que por sua vez vive o conforto da amizade por aquele que é apaixonado por quem ela não ama. Na ciranda das emoções que rondam os três personagens, cada um aponta o que os demais representam para si. E são as dúvidas e inseguranças que regulam a escalada das emoções. O despojamento com que o diretor aciona esse carrossel adquire ritmo, levado por palavras que circulam por citações de Shakespeare e por musicalidade que evoca a ópera Manon Lescaut, a canção Três da Madrugada, e os compositores Cazuza e Roberto Carlos. O cenário de André Cortez reproduz, em imagens, a triplicidade do tabuleiro afetivo. A utilização luminosa dos microfones é mais um dos achados bem humorados de  montagem na qual o trio de atores – Fábio Lucindo, Mayara Constantino e Victor Gomes – se comporta como porta-voz de impressões vividas como perplexidade da iniciação. Mayara Constatino tem saborosa cena como a apresentadora de televisão, enquanto Fábio Lucindo interpreta com sinceridade juvenil as dores  de descobrir um lugar emocional. Victor Mendes desfia com frontalidade até onde uma paixão pode levar. Num diálogo em que os três atores não se confrontam, somente expõem, e em que a música faz dueto com as palavras, emerge um concerto teatral, de vigor jovem e surpreendentes meios expressivos.        

Cenas Curtas
O projeto Mambembão, que nas décadas de 70 e 80 trazia ao público carioca produções de outros Estados, está de volta. Atualizado como Mostra Nacional Funarte de Dança e Teatro – Mambembão 2012, ocupará a partir do dia 23 e até 1˚de abril os teatros Cacilda Becker, Dulcina e Glauce Rocha. São 10 espetáculos teatrais, cada um com quatro apresentações, sempre às 19h e aos preços de R$ 5 e R$ 2,50. Da Bahia virá Pólvora e Poesia, direção de Fernando Guerreiro; do Paraná serão duas montagens: Isso Te Interessa?, da Companhia Brasileira de Teatro, direção de Márcio Abreu, e Árvores Abatidas ou Para Luís Mello, encenação de Marcos Damasceno; de Mato Grosso, Anjo Negro, versão de Sandro Lucose para o texto de Nelson Rodrigues; do Rio Grande do Sul, Dentro Fora, interpretação cênica de texto de Paul Auster; de Minas, o grupo Quatroloscinco apresenta duas montagens: Outro Lado e É Só Uma Formalidade, dois dias cada uma; de Brasília, também virão dois espetáculos: Cabaré das Donzelas Inocentes e Herós, O Caminho do Vento; e de Pernambuco, o grupo Coletivo Angu de Teatro apresenta Essa Febre Que Não Passa.  

Festival de Teatro de Curitiba , que acontece de 27 de março a 8 de abril, definiu a programação da mostra principal desta 21ª edição. Buscando um equilíbrio entre gêneros e origens, a mostra reúne musical (Judy Garland – O Fim do Arco-Íris), teatrão (O Libertino, Equus), pesquisa (O Idiota, Gargólios, Licht+ Licht), cariocas (Estamira, Palácio do Fim, A Peça do Casamento, Escravas do Amor, Obituário Ideal), paulistas (Hécuba, O Jardim, Luís Antônio Gabriela, Fausto ComPacto), pernambucano (Essa Febre Que Não Passa), curitibano ( De Verdade), entre outras, completando 29 espetáculos no total. Acrescente-se o farto Fringe – este ano serão 368 espetáculos do Brasil e do exterior – e inclua-se ainda exibições paralelas, como a de Grupos de BH – Teatro Para Ver de Perto, com a produção recente de grupos da capital mineira, e se poderá ter a medida da ambição do festival. E há ainda mais, como a Mostra Novos Repertórios, que  reúne o quadro contemporâneo das produções curitibanas, e a estréia da Mostra XXX, que selecionou montagens de conteúdo erótico, como Satyricon Delírio, do grupo curitibano Delírio Cia baseado em obra de Petrônio, a mesma inspiração para o Satyros paulista encenar o mesmo texto com direção de Rodolfo Garcia Vázquez. Gilberto Gawronski participa do XXX com Ato de Comunhão.

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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

6ª Semana da Temporada 2012



Autores Brasileiros em Cena no CCBB


Crítica/ A Mecânica das Borboletas
Rômulo e Remo na fundação de lutas familiares 
Walter Daguerre, autor deste texto em cartaz no Teatro I, iniciou a desenhar seu universo dramatúrgico através de adaptações e obras de encomenda, que sempre realizou com bom artesanato. Mas sua expressão própria está em pleno processo de construção, e A Mecânica das Borboletas é resultado e fixação de vôos mais autônomos. Num estância sulista, família mostra a sua desagregação depois da partida do inquieto filho, que vai em busca de material e vivência para sua literatura, o que lhe parece impossível adquirir no solitário rincão. O seu irmão gêmeo, também com ideais (sair de moto pela América Latina, reproduzindo o percurso de Guevara), permanece junto aos pais, e esquece seus planos, para acompanhar a decadência paterna, a demência da mãe, e casar com a ex-namorada daquele que partiu. Responsável por atingir cada membro do clã com seu desejo de liberdade, Rômulo, o irmão fundador das mortes familiares, volta depois de anos para reencontrar, na origem, o que lhe falta como sustentação para prosseguir a escrever. Com a volta atinge cada um dos sobreviventes à sua partida, acionando a mecânica de um lirismo psicológico. No intento de desenvolver situação básica com contornos de veracidade, Daguerre estrutura a narrativa com coerência fabular, ainda que os personagens que gravitam em torno do irmão que abandona a família, nem sempre guardam evolução que justifique suas atitudes. A ex-namorada e a mãe preparam a chegada do agora forasteiro, para em seguida se esvaziarem. O outro irmão sofre mudança muito brusca, após repetidas sequências de confronto com o recém-chegado. Paulo de Moraes reforçou as cenas de embate, não investindo nos aspectos poéticos e enlevados desse enfretamento. O diretor, ao lado de Carla Berri, assina o cenário, que exibe potente motocicleta, que desaparece com ruidoso efeito. Mas a cenografia é menos feliz no canteirinho de flores, de pobreza melancólica. Suzana Faini defende, com suave alheamento, a mãe. Ana Kutner se defronta com personagem esboçado, que parece estar a serviço de discurso único (a cooperativa de artesanato), e função secundária. Otto Jr cria imagem de virulência e ressentimento que se ajusta ao Remo, mas o ator não tem como sustentar a transformação sem lastro por que passa o personagem. Eriberto Leão empresta ar misterioso, de início, a Rômulo, mas não equilibra a intensidade interpretativa nos momentos de revelações .  


Crítica/ Breu
Ensaio sobre a solidão do escuro total
Pedro Brício, que já tem um bom número de textos encenados, se mostra autor de linguagem mutável, impulsionada, ora por nostalgia de um passado não vivido, ora por visitas a gêneros e questões geracionais. Esta multiplicidade de caminhos demonstra que as tentativas de Brício na escrita teatral são tão variados quanto a largueza dos estilos. Os textos do autor surpreendem pela variante temática e manipulação dos meios narrativos. Breu, em cena no Teatro III, remete à época da ditadura e utiliza recursos demarcados de fabulação. Em perspectiva realista se vai iluminando os mistérios dentro do qual vive uma mulher, despojada da visão, ameaçada pelo mundo repressor à sua volta. O que vem de fora e a faz temer é acentuado pela cegueira, mesmo tendo estabelecido código de movimentos que a permite sobreviver na solidão do escuro total. A vinda de uma jovem, para ajudá-la no preparo de cachorros-quentes para a venda, cria relação que vai se delineando pela percepção mútua, uma e outra conscientes da onipresença do exterior. O desvendamento do que se esconde nas trevas, se inicia com black-out total, iluminando aos poucos os meandros de como as duas mulheres percebem a si mesmas e aquilo que as inquieta. Muito bem construída, com diálogos sem desvios da linha narrativa, com clima de tensão interna dosado por domínio dramático, o texto retrata a crescente segurança da dramaturgia de Pedro Brício. A direção dupla de Maria Silvia Siqueira Campos e Miwa Yanagizawa  sintonizada com o ambiente emocional difuso, opõe a doméstica desproteção à violência surda que o ronda permanentemente. O cenário, assinado pelas diretoras e Aurora dos Campos, reproduz com envolvência a ensombrada casa-refúgio. A iluminação de Tomás Ribas percorre da escuridão à luminosidade explodida, em tempos e movimentos precisos. Andréa Horta projeta a presença vaga da moça que aos poucos vai se integrando a um mundo que, a princípio, lhe é indiferente. Kelzy Ecard desenha com sensibilidade a solitária e ameaçada  personagem. Com consistente composição física como deficiente visual (é registrável a maneira como a atriz corta o legume) e sem dramatismo, Kelzy conduz a platéia pela jornada da personagem, detalhando sua força e fragilidade.  

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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Outros Palcos



São Paulo

Crítica/ 12 Homens e uma Sentença
Emoção e razão num julgamento de argumentos 
A origem é um roteiro escrito na década de 50 para teleteatro da CBS americana, e que foi levado em 1957 para o cinema com direção de Sidney Lumet. O autor, Reginald Rose, ficou esquecido, mas esta obra, perfeita expressão de um certo tipo de dramaturgia, realista, comunicativa e repleta de ganchos dramáticos, sobrevive a seu desaparecimento. A construção desta narrativa obedece a regras bem definidas de playwriting, às quais se acrescentam segurança e domínio da narrativa, e diálogos ajustados às características bem definidas dos personagens. A trama reúne grupo de jurados para decidir absolver ou executar o réu, que é acusado de assassinar o pai. A decisão deve ser por unanimidade, e 11 dos jurados decidem condená-lo, e apenas um questiona a decisão da maioria. O texto acompanha os diversos argumentos que esse dissonante jurado lança para introduzir a desconfiança no apressado veredicto, e modular  as opiniões definitivas de cada um. Em paralelo a esse desdobrar de dúvidas, se desenha, através das atitudes de cada um, o caráter social de suas vidas. Conduzindo o espectador pelos meandros das personalidades, e costurando os argumentos para confrontar as certezas levianas, Reginald Rose arquiteta envolvente caminhada até a verdadeira unanimidade, que é atingida, não pela emocionalidade das sensações, mas pela racionalidade do pensamento. Eduardo Tolentino de Araújo, que dirige esta versão teatral em cartaz no Tucarena, orquestra com elenco ajustadíssimo aos contornos realistas do texto, os traços exatos que o gênero solicita. Tolentino cria movimento circular na cena, que acompanha as transformações por que passam os jurados com ritmo que segura a platéia nos 110 minutos do espetáculo. Os atores – não há destaques no grupo em que os intérpretes projetam os personagens de forma tão adequadamente elaborada – girando em torno de uma grande mesa, fixam posições que deixam ainda mais envolvente a montagem. Excelente exemplar de montagem inteligente e bem executada, que merece ser vista pelo público do Rio.  
       
Crítica/ Cabaret
Show feérico sem lastro dramático
A onda dos musicais, que está longe de baixar a sua força nas nossas praias, não deixa escapar títulos tradicionais, como este Cabaret, de 1966, que depois de versão cinematográfica, de 1972, pode ser considerado, de certa maneira, um clássico do gênero. Na adaptação de Miguel Falabella e direção de José Possi Netto, em cena no Teatro Procópio Ferreira, a distância do tempo da estréia na Broadway e da produção no cinema se mostra bem visível no relativo desgaste do libreto e da música. O que cada um deles conserva, como qualidades (a urdidura da trama e algumas melodias), não ficam comprometidas pela passagem dos anos. Mas o que este musical provocava de impacto, se perdeu irremediavelmente. Nesta montagem paulista se evidenciam ainda mais as perdas, já que a direção torna um tanto secundária a ação dramática (a ascensão do nazismo e o clima de decadência da Berlim dos anos 30), em favor de moldura de show, de féerie. O clima sombrio que envolve o musical, ficou em plano secundário,. Mas este é somente um detalhe, em meio a essa avalanche de musicais no mercado brasileiro, que além de responder à bilheteria, consolida a qualidade artística dos elencos. Cabaret se inclui nesta corrente, e por maiores que sejam as discordâncias são creditadas a considerações de estilo. Claudia Raia, por exemplo como Sally Bowles, ultrapassa a personagem com interpretação próxima a de seu temperamento de show woman. A atriz se baseia numa composição exibida, em busca de brilhar, mais do que agarrar a personagem. Os demais atores têm desempenhos que se enquadram nas exigências do gênero, se destacando Jarbas Homem de Melo, como mestre de cerimônias, Liane Maya e Guilherme Magon.            


Crítica/ Hécuba
Carga dramática sobre tragicidade visual
O diretor Gabriel Villela investe na tragédia de Eurípedes com os meios visuais e dramáticos que são inseparáveis em suas encenações. Com adaptação extremamente concisa, na qual a vingança de uma mãe submetida a questões de poder é tratada, menos com rigor trágico, e mais como modulação estética. A montagem em cartaz no Teatro Vivo, se impõe, fundamentalmente, pela riqueza dos figurinos. A palavra, o eixo em torno do qual o trágico se estrutura, fica por demais envolto por esta visualidade impositiva, que parece se renovar a cada cena. A beleza das máscaras e o colorido das vestimentas sufocam a fruição da palavra, distanciada pela construção da figura, oposta à pontencialidade do trágico. De certo modo, a encenação do diretor mineiro se afoga no quadro, não perimitindo que se avalie a sua real intenção de trazer Hécuba à cena nos dias atuais. A condensação aponta para mergulho raso, em que não se atinge o centro daquilo que se poderia considerar como tragicidade contemporânea. A teatralidade demarcada por esse substrato cenográfico, faz desaparecer a força da voz trágica para deixá-la apenas esboçada. Walderez de Barros tenta manter uma Hécuba sintética em plano interpretativo denso, consegue apenas levá-la num tom marcadamente dramático.

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