domingo, 29 de abril de 2012

Outros Palcos


São Paulo

Musicais Domimam o Mercado

Tanto no Rio quanto em São Paulo, os musicais são os produtos teatrais da vez. Com indiscutível sucesso de bilheteria, tornaram fiel o público brasileiro, até há algumas décadas refratário ao gênero, que apenas o consumia em viagens a Nova Iorque e a Londres. Com a profissionalização dos elencos, a capacitação dos técnicos e o depuramento das traduções, os musicais se aclimataram por aqui, consolidando empresas de produção que lançam mais de uma montagem por ano em cada uma duas cidades. Além da importação crescente, o número de musicais nacionais cresce quase no mesmo ritmo, tanto os de viés biográfico, quanto os de outras temáticas. Essa avalanche, não só corresponde à procura do público, como reflete a necessidade de manter o mercado abastecido. Atualmente em São Paulo estão em cartaz quatro, dois levados do Rio, e já se anunciam para os próximos meses e temporadas, O Mágico de Oz, Fame, O Rei Leão, Shreek, A Pequena Sereia e Mary Poppins. Com maior público, a capital paulista dispõe de casas de espetáculos adequadas para receber comédias musicais, com pelo menos três teatros com ótimas condições para os atores e a platéia: Teatro Abril, com 1530 lugares; Teatro Bradesco, com 1457 lugares e Teatro Alfa, com 1100 lugares.


Crítica/ A Família Addams
Planejamento familiar enquadra o politicamente correto
Essa comédia musical, baseada em seriado de televisão dos anos 60, que sobreviveu por três décadas, guarda dessa origem os elementos que fixaram o sucesso duradouro desta família bizarra. Na transcrição para a Broadway, os personagens centrais são mantidos e os bordões que a série divulgou (o ritmo com o estalar de dedos, A Coisa ) ganham trilha, que ainda não seja brilhante, pelo menos segue convenção musical, ajustada ao espírito do texto. O convencionalismo também é o que marca a trama, na qual a historieta familiar entre estranhos e caretas, converge para a constatação de que as diferenças são de forma, e não de conteúdo. No primeiro ato, quando se expõem as características incomuns dos Addams e se brinca com  humor um pouco mais crítico ao politicamente correto, o musical se torna divertido. Já no segundo, quando esse humor fica em plano secundário e quase desaparece (os autores não deixam esquecer que o musical é dirigido a toda a família), a brincadeira perde a graça. A versão brasileira de Claudio Botelho, em cartaz no Teatro Abril, mantém a competência de suas traduções e adaptações anteriores de material mais ambicioso. Os seus achados verbais e as referências nacionais são sempre bem transpostas. A competência de Botelho se transmite a toda a montagem, que como não se pretende original ou avançar para além do que efetivamente é, reproduz o caderno de encargos original. A parte técnica, a cenografia, os bonecos, os efeitos especiais, o desenho das perucas, a maquiagem, a orquestração, o figurino e o elenco, correspondem àquilo que foi planejado e executado no teatro da Broadway. O mérito está em que se faz por aqui, tão bem como se faz lá. Canta-se bem, compõem-se as figuras com precisão, o espetáculo decorre sem qualquer falha técnica, atendendo ao que se propõe: divertir a família. O planejamento comercial enquadra o artístico. O circuito virtuoso se completa.      


Crítica/ Priscilla – Rainha do Deserto
Decoração festiva ao som de dance music
O musical Priscilla é uma reprodução cênica do filme australiano com o mesmo titulo, de 1995, sem maiores acréscimos e bastante fiel ao roteiro do cinema. Com trilha de hits da dance music dos anos 80 e sucessão de quadros de figurinos e cenários delirantes, Priscilla se constrói como um show em que prevalece o clima disco e sua discutível estética. Não há qualquer preocupação em criar uma trama, a não ser aquela que atenda a esses aspectos decorativos, levados, propositadamente, ao paroxismo do mau gosto. Exatamente como foi concebido em 2006, na mesma Austrália do filme, o musical é repetido em São Paulo, no Teatro Bradesco, como cópia sem possibilidade de quaisquer reinvenções nativas. Tudo se faz segundo os preceitos importados. É contratual. Se confirma, nessa realização engessada,  a capacitação de atores brasileiros às exigências do gênero, que se mostram tão hábeis quanto elencos nova-iorquinos e londrinos há muito preparados para o desempenho em musicais. Mas dos mais de 20 atores e bailarinos, que interpretam, cantam e dançam com precisa funcionalidade, integrando-se, sem deslizes, ao que pede a montagem original, o destaque é Ruben Gabira, que se faz notar em meio à correção geral. Como não há muito compromisso com a história, as músicas são tão circunstanciais quanto a sua banalidade, ao ponto de sequer merecerem tradução no espetáculo brasileiro, pela certeza dos produtores de que só completam sonoramente o visual. E este é tão absurdamente delirante, que se torna bizarro em sua cafonice e exagero, o que se demonstra bem adequado ao espírito desta cena- show de uma festa gay. O clima festivo é confirmado pelo quadro final, quando na única contribuição nacional, o palco se transforma numa discoteca, com direito a globo de espelhos, queda de balões e música das Frenéticas.                   

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domingo, 22 de abril de 2012

16ª Semana da Temporada 2012


Ecos do Festival de Curitiba

Três montagens que estrearam na mostra paranaense chegam ao Rio

Crítica/ A Peça do Casamento
Arena, sem entrelinhas, dos escombros de uma relação
A dramaturgia realista de Edward Albee estabelece através de diálogos ferinos, perscrutadoramente irônicos e sutilmente cruéis, os descaminhos da convivência. Sentimentos são expostos como consequência de relações em declínio, mas que se mantêm apoiadas no histórico da vida em comum e sem qualquer perspectiva de revigorar-se como futuro. Neste texto escrito na década de 80 e em cartaz no Teatro Laura Alvim, Albee conserva essas características autorais com indisfarçável desdobramento de sua mais destacada peça, Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, escrita há duas dezenas de anos antes. Como em Virginia Woolf, o casal já esgotou suas possibilidades de se ouvir mutuamente, ainda que tenha criado fantasias de permanência. Não há para onde fugir, e quem dá a partida para que, pelo menos aparentemente, se chegue a uma solução é o marido. Vindo do trabalho, como em qualquer outro dia, anuncia que está abandonando a mulher. Esse golpe de teatro, deflagra a discussão sobre o casamento, seus escombros e o que, possivelmente, resta de afeição. Nesta arena, que se instala, ora com um atacando e o outro se defendendo, sobram despojos para ambos, como se quisessem demonstrar que, mais do que a provável ruptura depois de anos, as fraturas foram sendo expostas e construídas ao longo de todo esse tempo. Esta versão, traduzida por Marcos Ribas de Faria e dirigida por Pedro Brício, caminha, de certo modo, num desvio do texto. Há nos diálogos de Albee, mais do que na ação, contundência que se verbaliza em entrelinhas, por entre aquilo que, explícita e naturalisticamente, está sendo dito. O drama se localiza neste espaço subjetivo, no subterrâneo dos sentimentos revelados e nos desvãos das emoções exibidas. Brício explorou essa subjetividade como uma fotografia hiper-realista, em que o substrato se transforma em comentário (critica?) e linearidade (humor?). Não deixa de ser uma aproximação possível, mas sem dúvida um tanto redutora e dispersiva da atmosfera de virulência. O cenário de Aurora dos Campos sugere mais do que reproduz e a iluminação de Tomás Ribas se impõe pelas intervenções
discretas, assim como os adequados figurinos de Rita Murtinho. O casal de atores – Dudu Sandroni e Guida Vianna – se ressente da linha da direção. Em muitos momentos parece se estar diante de uma comédia, alta comédia, poderia até se considerar, mas que joga as interpretações para a zona perigosa de um humor deslocado. Guida, mais do que Dudu, sobrecarrega a interpretação de piscadelas para a platéia, como se buscasse criar conivência para que o público percebesse o quanto aquela mulher é identificável. Dudu se mostra mais interiorizado, ainda que não descure do aspecto naturalista que empresta ao papel.     


Crítica/ De Verdade - A Mulher Certa
À procura de fazer teatro, esquecendo o livro
A primeira fala desta adaptação do romance De Verdade – A Mulher Certa, do húngaro Sándor Márai, que pode ser vista no Espaço Sesc, menciona como é difícil contar, em especial quando se fala do nada. Esse desabafo inicial, mesmo que diga muito em sua crueza, parece ser o parâmetro a partir do qual o casal se debate em hesitações emocionais. Os desejos não se expressam como possibilidades de se realizarem, mas como formas de dizer algo sobre si, mirando o outro. É desta interpenetração de vontades frustradas, que nunca se transformam em sinceros sentimentos de que trata essa exposição de afetos atrofiados. A transposição para o palco de um texto que em papel chega a quase 500 páginas, apresenta dificuldades visíveis, a tal ponto que o que surge em cena é uma condensação de menos do que se dizer, e mais do modo de fazê-lo. A intervenção do diretor Márcio Abreu é decisiva e coerente com a sua trajetória como encenador para fazer “do nada”, narrativa teatral. A intensidade com que cria superestrutura cênica que aborda o texto como fluxo, processo e meio, reaviva a narrativa que, de outro modo e a julgar pela adaptação, se revela pouco maleável ao movimento da literatura para o teatro. Abreu introduz música como pontuação (parênteses) ao rarefeito choque de sentimentos, acrescentando a reiteração de falas e a repetição de imagens. Para além da tradução hábil das dificuldades apresentadas pela origem literária, o diretor insufla dinâmica teatral que detalha o que não se pôde abarcar. A cenografia despojada de Fernando Marés de Castilho e a música de Antonio Saraiva se ajustam à proposta do espetáculo. Kika Kalache estabelece tom quase tão somente expositivo, distanciando-se da emoção, se avizinhando das dissonâncias da personagem. Guilherme Piva mais hesitante em embarcar na mesma sintonia, se fixa em atuação mais linear, enfatizando com viés dramáticos, as poucas modulações que confere ao personagem.


Crítica/ Eclipse
Falta de rumos em direção a Tchecov
O Grupo Galpão continua na sua frustrada busca de encontrar-se com Tchecov. Se no ano passado, o desencontro aconteceu através de encenação inexpressiva e desajustada de Tio Vânia, agora a inadequação do coletivo mineiro ao autor russo se aprofundou em Eclipse, em temporada no Teatro Ginástico. Desta vez, importaram até um diretor russo, que a princípio se imagina ter intimidade com a obra tchecoviana, mas a julgar por essa coletânea de contos envelopada por claudicante e disfuncional dramaturgia, não aplicou os conhecimentos por aqui. Sob o escuro de um eclipse solar, cinco atores se fecham na sala-palco para aguardar o reaparecimento da luz e o fim do ensombramento. Na espera, diversos aspectos da existência humana, tão acuradamente tratados por Tchecov, vão se apresentando à platéia numa encenação que trata cada um dos contos selecionados como recitativos. À espera de que se faça ilação entre o que é dito e o comum, o vivenciado, aquilo que precisa ser ouvido, quebra-se a solenidade com gadgets cênicos de aparente ruptura. Critica-se a própria inação, interrompem-se atmosferas para negá-las, ridiculariza-se a exaltação para referendá-la. As vias transversas, através das quais o diretor Jurij Alschitz se enreda, se assemelham à constatação de que o grupo disponível de trabalho está voltado a formas interpretativas coletivizadas, com limites para se impregnar das minudências tchecovianas. Eclipse se perde nos seus próprios descaminhos, descolorindo a palavra, dita como se fosse um manual de auto-ajuda, sentenciosa e artificialmente. Em Tchecov, seja no seu teatro, seja nos contos, subsiste clima de derrisão e de melancolia, de vontade enfraquecida e cínica esperança, absolutamente ausentes em mais esta investida do Galpão no autor de As Três Irmãs. O impactante cenário, pelo menos de início, com sua imensa porta em diagonal com o nome de Tchecov inscrito como uma marca, e as cadeiras em desenho que remetem ao construtivismo russo do início do século XX, são complementados por projeções nem sempre bem ajustadas. Os figurinos, que usam o vermelho como contraponto cromático, se equivocam nos detalhes. Mas é no elenco, que o descompasso se revela mais acentuado. Sem uma regência mais sensível dos atores, o elenco deixa a certeza de que cada um caminha por trilhas que desbravou para si, e apens para si.

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domingo, 15 de abril de 2012

15ª Semana da Temporada 2012

Passadismo no Solar de Botafogo

Crítica/ Amor e Ódio em Sonetos
Velha cartilha para plateias veteranas
Leonardo Talarico é responsável pelo texto e direção desta montagem que pode ser vista aos sábados e domingos no Solar de Botafogo. As mulheres da vida de Leon Tólstoi, a esposa Sônia e a filha Sasha, se entrechocam por divergir das posições ideológicas e da cessão de direitos autorais do autor de Guerra e Paz. Ao traçar as características emocionais de cada uma delas, tendo como referência a biografia do homem de suas vidas, Talarico escolheu o melodrama, com muitos solilóquios e perceptível pesquisa, com ganchos folhetinescos e oportunidade de brilho para uma atriz. Tudo como manda a velha cartilha de uma escritura para induzir emoção na plateia. O resultado é recompensado pela aceitação do público, em especial o mais veterano, que reconhece no texto e na montagem, gêneros teatrais cada vez mais raros no mercado. O espetáculo segue o mesmo enquadramento tradicional, do cenário à interpretação. É um mergulho no passado, como se assistíssemos a encenação de há décadas, com cuidados no figurino, na iluminação, e nas atuações. Tanto Juliana Weinem quanto Amandha se conduzem com empenho que posssibilita que suas personagens se tornem credíveis. Auxiliadas pelos truques do texto, manipulam os fios narrativos, puxando-os nos momentos que sabem poder agarrar a plateia. Conseguem impressionar os que se deixam levar por bravatas.    


Crítica/ Uma Sociedade
Perdidas no tempo e soltas no espaço cênico
Esta adaptação para conto de Virginia Woolf vem de Florianópolis e chega ao Rio para apresentações às quartas e quintas no Solar de Botafogo. A montagem faz temporada carioca, ao que parece, como vitrine do teatro realizado fora do eixo, pretendendo por aqui, mais do que avaliação de suas qualidades e eventuais defeitos, sanção para avalizar próximas produções na cidade de origem. É difícil compreender, para além deste objetivo, as razões que trouxeram o grupo para tão longa ocupação – a estréia foi no final de fevereiro, terminando na próxima quinta-feira, dia 19 – do teatro de Botafogo. Afinal, se o espetáculo pode ser analisado a partir da realidade da produção local, ao se deslocar para outra geografia parecerá, tão somente, anacrônico.  A começar pela transcrição teatral de conto inexpressivo e fora do tempo, incapaz de se tornar plausível nos dias atuais. No início do século passado, grupo de seis mulheres inglesas se reúne para fundar sociedade doméstica de “fazer perguntas”, em que entre chávenas de chá, briguinhas feminis e platitudes variadas, procuram justificativas para se encontrarem. As perguntas que se propõem e os objetivos que se traçam ficam perdidos em diálogos improváveis e desejos mal esboçados. Nada do que dizem se assemelha à atitudes passíveis de ser reconhecidas como verdadeiras, muito menos como mulheres com reais inquietudes, como superficialmente se apresentam. Montar tal texto é desprender-se de seu tempo e mimetizar uma forma de teatro que ficou em algum lugar na história do espetáculo.   

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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Cena Curta


Bob Wilson Fora do Rio

De sábado até o dia 22, no Sesc Belenzinho, em São Paulo, Bob Wilson apresenta A Última Gravação de Krapp, texto de Samuel Beckett, que no ano passado foi visto no festival Porto Alegre em Cena. Primeiro de uma série de espetáculos de Wilson que o Sesc de São Paulo traz ao Brasil, Krapp inicia mostra do diretor americano, um dos mais fulgurantes nomes do teatro do século 20, criador de linguagem em que a iluminação, o minimalismo interpretativo e a quebra do dramático compõem instigante universo cênico. Em novembro, estréia mundialmente no Brasil a ópera de Verdi, Macbeth, além de duas montagens que assinou para o Berliner Ensemble: A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht, fundador do grupo alemão, e Lulu, de Frank Wedekind, com música de Lou Reed. Em 2013, será a vez de Sonetos de Shakespeare, e em 2014 encena espetáculo original no Brasil. Essa presença extensa nas nossas fronteiras não inclui o Rio, cidade que, uma vez mais, fica de fora do circuito dos visitantes internacionais. Bob Wilson aporta por aqui desde os anos 70, quando criou polêmica com A Vida e a Época de Joseph Stalin, que em 1974 a censura obrigou a mudar de titulo para A Vida e a Época de Dave Clark. Em 1997, os cariocas assistiram a Timerocker, poderosa encenação com música de Lou Reed.  
Mímico niilista de emoções incertas
Com A Última Gravação de Krapp, Wilson retoma Beckett - do autor irlandês já montou Dias Felizes - mostrando-se fisicamente pesado, com aparência que registra marcas do tempo, aproximando-se, aos 71 anos, do velho personagem que interpreta neste monólogo. Há sempre algo de devastador e pessoal nos textos beckettianos, mesmo quando os sentimentos e as lembranças invadem a contínua exploração da palavra como reafirmação de que já não há mais nada a dizer. Até mesmo quando o humor se infiltra por esses despojos, um pouco antes ou logo depois de fins, Beckett não abandona a zona de sombras de vidas que ficaram no passado e sempre foram vividas com a consciência das fintudes e da inescapável incapacidade de transpor a certeza de permanentes impossibilidades. Não há na dramaturgia beckettiana áreas de escape, o mergulho é em direção ao escuro, à exumação de existências perdidas à partida, de volta a um ponto inicial que não tem chegada. Existir só é possível na contínua repetição do ato de viver, as vozes ou o silêncio prolongam o que já se deixou de escutar e a projeção da fala ou da mudez se transforma em pantomima indefinida. É a partir desta pantomina que Bob Wilson lança silêncios e ruídos à assepsia de sua arquitetura cênica fria e de traços secos. Como um Marcel Marceau pós-dramático, o ator-diretor de rosto pintado de branco, luvas cirúrgicas e movimentos e máscara expandidos, se transfigura em mímico niilista, funâmbulo de imagens derrisórias e emoções incertas. Bob Wilson não será o melhor ator do mundo, mas sua encenação é fiel à estética teatral em que o intérprete é a marionete-pertormer da interminável pantomina da vida.

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sexta-feira, 6 de abril de 2012

Festivais


Curitiba

Pela 21ª vez, o Festival de Teatro de Curitiba se realiza, mantendo a coerência de seus fundamentos estabelecidos no já longínguo ano de 1992. Daquela época, guarda o papel de “vitrine do teatro brasileiro”, acrescido das mostras paralelas Fringe – mais de 300 espetáculos que se distribuem pelos 13 dias de programação – Novos Repertórios e Teatro Para Ver de Perto – Grupos de BH. A mostra oficial, que reúne, majoritariamente a produção do Rio e São Paulo, com algumas montagens fora deste eixo, é mais um dos critérios mantidos desde a sua criação. Este ano dos 29 espetáculos  da grade, 12 são originários do Rio, 11 de São Paulo, 2 de Recife, 1 de Salvador, 1 de Curitiba, 1 de Belo Horizonte e 1 da Espanha, abrangendo musical, circo, teatrão, monólogo, e algum experimentalismo. Vitrine ou retrato? A dúvida persiste em mais esta edição, repetindo-se ao longo de todos esses anos, como julgamento ou contestatação das escolhas da curadoria. Mas qualquer resposta se esvazia diante da fixação do festival pela sua abrangência, gigantismo e exposição. Entre os vários que se espalham pelo Brasil, Curitiba é o primeiro do ano (revelando espetáculos para os demais), o maior em tamanho (o Fringe é avassaladoramente volumoso, ainda que parcamente consistente em qualidade), e o que alia, com habilidade, teatro ao marketing.

A programação 2012, tem em Gerald Thomas uma presença dupla. Gargólios, originalmente estreado em Londres ano passado, e Licht + Licht do núcleo paulista da Cia. Ópera Seca, dirigido por Caetano Vilela, responsável pela sobrevivência no Brasil do grupo criado por Thomas. Gargólios, primeiro espetáculo do diretor de Quatro Vezes Beckett, depois de lançar carta aberta sobre a sua desistência do teatro, dá continuidade à sua dramaturgia cênica, recorrendo ao cronista, que cada vez mais pretende encenar o colapso contemporâneo, acionando a sua maquinária de som, luz e fumaça. Com o ataque às Torres do World Trade Centre como cenário, os super-heróis com poderes enfraquecidos, vão em busca de sobrevoar o entendimento de um mundo em queda. Não se compreende o que se passa. O que se vê, não interessa. Não se sabe o que faz sentido. A perplexidade continua instalada no teatro de Gerald Thomas. Esta visão geraldiana pós-desistência do palco, revive o desejo de ir atrás daquilo que se tem a dizer sobre o que ecoa em cada um, restando a advertiência de que “depois que a peça acaba, a vida continua”. E vamos, então, à vida. 

Licht + Licht (Luz + Luz) é um filhote deste universo friccionado de Thomas, acrescido de muita ironia e auto-deboche. Os métodos de encenação e os meios de produção do teatro, triturados por Caetanto Villela, jogam em cena Fausto, Mephisco, Meister, Hamlet, numa salada luminosa que explode, a partir de zonas sombrias. Villela parece se divertir, provocando a plateia com o que poderá intrigá-la até a irritação. Por meios transversos atinge a acomodação de quem assiste e de quem faz teatro, e detona o melhor que o Festival de Curitiba mostrou este ano. 
            
Na diversidade estilística da mostra, espetáculos como O Libertino, do francês Eric-Emmanuel Schmitt, direção de Jô Soares, cumpre o papel de popularizar a programação. Talvez preencha esse espaço, mas ficam incertezas sobre a justeza da escolha da comédia, quase um vaudeville, sobre as pulsões sexuais do filósofo Denis Diderot. O texto, que trata de sexo e do pensamento de Diderot, em dosagens que, ora pendem para um, ora para outro lado, recebeu da direção tratamento muito próximo do humorístico, como se a montagem perseguisse apenas a piada. A peça de Schimitt não chega a ter maior relevância, a não ser a de dar envólucro aparentemente refinado à trama de abrir e fechar portas, entre observações filosóficas e toques de cinismo. Jô Soares transforma o ator que interpreta Diderot, Cássio Scapin, num saltitante e inconvincente  amante, num comediante à procura do riso. Esforço digno, mas frustrado.
Equus, que tanta repercussão alcançou quando de sua estréia na década de 70, e que fez de seu autor, o inglês Peter Shaffer um nome reconhecido como dramaturgo, foi visto no festival, com direção de Alexandre Reinecke, antes de iniciar temporada em São Paulo. O texto, muito bem construído, seguindo códigos de playwriting, o que explica o êxito que, ao longo do tempo, não escapa ao envelhecimento. O tempo é responsável pela diminuição do impacto da narrativa do garoto que cegou vários cavalos. A aura psicanalítica do caso se diluiu, e elementos da montagem original, como a iluminação mais ágil, a nudez e a dramatização de um caso psiquiátrico, são, atualmente, bem menos atraentes. Hoje, Equus é somente uma peça bem escrita. A atual versão paulista, reproduz o que foi feito há décadas. Mesmo que se tente inovar como o cenário high tec de André Cortez, e que Leonardo Miggiorin faça um bravo esforço para capturar o jovem Alan, a direção não revitaliza o que o avanço do tempo imobiliza, fazendo de qualidades, lembrança.                 

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terça-feira, 3 de abril de 2012

14ª Semana da Temporada 2012


Experimento e Tradição

Crítica/ Farnese de Saudade
Instalação performática sobre os tormentos de um artista
Vandré Silveira, autor, cenógrafo e intérprete desse monólogo em cartaz Espaço Cultural Sérgio Porto, por força da concentração de funções faz do espetáculo um projeto de completa pessoalidade. Mesmo que a direção seja assinada por Celina Sodré, a investida de Silveira na vida e obra do atormentado artista plástico Farnese de Andrade se mostra como um mergulho de alguém profundamente envolvido no universo do artífice de bonecas queimadas, gamelas toscas, ex-votos e caixas-oratórios. A origem mineira e o permanente entrechoque do real com o imponderável da criação, o caráter quase metafísico de um artista incapaz de sobreviver sem o apóio da evasão e atalhos emocionais, percorrem a dramaturgia dessa performance-instalação, em que a composição visual se sobrepõe à atuação. A estrutura aramada, construída como uma cruz com fragmentos de ícones religiosos e objetos profanos contém os labirínticos sentimentos do artista, em atrito consigo mesmo e com um mundo ao qual não se sentia pertencer, a não ser pela escape da loucura interior. Essa delirante pulsação de vida e de criação está, em parte, teatralizada por Vandré Silveira, que refaz o trajeto existencial de Farnese, referenciando-o à sua obra e representando-a como culto religioso. A multiplicidade de intenções – plásticas, performáticas, teatrais, coreográficas, ritualísticas – distorce o eixo da dramaturgia, que não se consolida textual e cenicamente. A sequência de movimentos, que constroem a cenografia e a trilha tonitroante, procuram preencher a suprir a desestrutura da dramaturgia. Se visto do ponto de vista de performance, falta a Farnese de Saudade adotar mais vigorosamente o estilo. Se visto do ponto de vista puramente teatral, falta maior incorporação da palavra. Se visto do ponto de vista plástico, falta à arquitetura  cênica instalar-se autonomamente. Vandré Silveira compõe em pouco mais de 50 minutos, celebração de contornos religiosos, em constante movimentação, que ao longo desse tempo, arma e desarma a instalação, sem chegar a alcançar força dramática que retrate, para além do visual, a tormentosa existência de Farnese Andrade. 

Crítica/ Em Nome do Jogo
Papéis trocados em contracena de mistérios
Neste texto do inglês Anthony Shaffer, que envolve trama policialesca, tão cara à dramaturgia anglo-saxã, os ingredientes são modulados ao gosto de platéias fieis às histórias de jogos de gato e rato, com doses bem medidas dos diálogos. Tão importante quanto a ação, é a coerência com a qual o autor conduz a narrativa, neste caso com menos do “quem matou” e mais de “como descobrir o mistério do jogo”. Na década de 70, quando Em Nome do Jogo foi sucesso em todo o  mundo, inclusive no Brasil, e no cinema, com o título de Jogo Mortal, com Laurence Olivier e Michael Caine, reforçou o alcance do gênero no teatro. Os anos e as mudanças nas preferências do público deixaram marcas no estilo e na recepção deste thriller, que sobrevive como lembrança de fórmula que atendia a um certo tipo de expectativa de um teatro comercial. A versão de Gustavo Paso, que pode ser vista no Teatro da Maison de France, intenta traduzir o formato original e impostar os atores  em interpretações mais técnicas. O cenário de Ana Paula Cardoso e Carla Berri estabelece com realismo a ficção do suspense, com alguma eficácia, a mesma com que o diretor conduz a encenação. Paso não consegue, no entanto, resolver, satisfatoriamente, o final, que se conclui sem tenha havido, anteriormente, avanço da história num crescendo. A urdida da trama apoiada nas mudanças de posições alternadas entre algoz e vítima, nem sempre atinge o ritmo necessário para que a troca de papéis se torne credível. A dupla de atores demonstra alguma distância do que o gênero convencionou que seja mordaz e levemente cínico. Marco Caruso, ator de características bem marcadas por humor solto, brasileiro, sobrecarrega o escritor de histórias policiais tão inglês, com jeito bonachão. Emílio de Mello, ator com registro mais experimental, compõe o personagem com contornos que se afastam do seu temperamento de intérprete, o que esvazia a sua atuação.

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