segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Outros Palcos


São Paulo

Crítica/ Um Inimigo do Povo
Questões dos anos 2000 com estética da década de 90
Neste fim de semana, no Sesc Pinheiro, e a uma semana de estrear no Festival Internacional de Teatro de Buenos Aires, Um Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen, com direção de Thomas Ostermeier do Schaubühne Berlin deixou a certeza de que a trupe alemã domina tecnicamente os desafios da encenação. Ao entrar na sala, painel à frente do palco exibe trecho do texto que evidencia a proposta do diretor. Na adaptação do original, que aproxima a trama de Ibsen a questões de intensa atualidade, surge cadente libelo contra as verdades do liberalismo e as mentiras da democracia. O espaço vazio entre as essências, aquela zona na qual se confundem, pelos desvios dos falsos estímulos (consumo, desejos artificiais, idealizações induzidas), as vacuidades da vida contemporânea, é onde se instala a atualidade de Ibsen na visão de Ostermeier. É neste lugar em que prospera o esvaziamento dos conceitos e a razão duvidosa da realidade que o diretor confronta a subjetividade do personagem Stockmann com a perversidade do sistema ético-social sujeito à funcionalidade econômica. A adaptação e direção imprimem esse cenário político-social como provocativa tomada de posição, que se estende à plateia, solicitada a debater os argumentos expostos por Stockmann na cena em que enfrenta a oposição dos habitantes da estação termal. Há visível intenção de aproximar o texto a este arcabouço quase agit-prop, seja no estilo adotado na interpretação do elenco ou no visual-performático, identificado com a estética de há duas décadas. As atuações parecem, estranhamente naturalistas, a princípio, até se mostrarem arrebatadamente nervosas na última hora. O cenário, uma parede negra em que desenhos a giz traçam o doméstico e o exterior, se transforma em grande mural pintado de tinta branca, revertendo a exposição do ato inicial em explosão do cerco final. A montagem tem a solidez de construção cênica medida ao pormenor, carregada de indignação brechtniana, que se demonstra como palanque teatral de oratória ardente. Uma possibilidade de atualizar texto clássico? Reprodução de estética datada dos anos 90? Pretexto para reinterpretar, politicamente, a obra de Ibsen? Todas essas perguntas cabem no espetáculo de Ostermeier. As respostas, no entanto, convergem para a depurada técnica e a para a precisão com que ideias são transformada em cena.
                                                              macksenr@gmail.com       

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Festivais


Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (Fiac)
Condenação dos sentimentos a um estado terminal
Salvador – O Fiac chega à sexta edição como uma pausa para respirar e manter o fôlego. E não apenas por questões de orçamento, que afligem a maioria das mostras de teatro nacionais, mas para revisão, parcialmente voluntária, da curadoria. Na sua curta, mas ascendente carreira, o Fiac tem demonstrado afinada perspectiva de programação, levando a Salvador grupos internacionais e brasileiros em criteriosas escolhas. Tendências variadas têm aportado nos teatros da capital baiana nos últimos seis anos, revelando, algumas vezes, surpreendentes olhares para o teatro contemporâneo e fina sensibilidade para experiências que buscam mexer nos códigos cênicos. Este ano, por opção da equipe de curadores, o festival se concentrou em espetáculos de dança e na produção do teatro baiano. Tal decisão, deixou à margem espetáculos nacionais mais consistentes e retraiu a vinda de obras mais ambiciosas do exterior. Ainda que na abertura  se apresentasse Preparatio Mortis, solo de dança-teatro da performática Annabelle Chambon, na concepção do instigante belga Jan Fabre – reafirmação a vida através da morte, com o palco soterrado por milhares de flores –, o que se seguiu foi bem menos interessante. A surpresa foi a companhia argentina El Silencio com versão renovada e inovadora de À Margem da Vida (The Glass Menagerie), de Tenneessee Williams. Traduzida como El Tiempo Todo Entero, ganhou dinâmica cênica a partir da apropriação do ritmo interno da narrativa. A adaptação se concentra na situação básica do texto para rescrevê-lo com gramática própria, mantendo a pulsão  emocional da família condenada a estado afetivo terminal. Referências a Frida Kahlo, a trechos de Moby Dick e à música e à tragédia do compositor e cantor mexicano Marco Antonio Sólis acrescentam sopro recondicionante à estrutura do drama psicológico, capaz de atualizar e dar caráter quase autônomo ao texto original. O elenco, com três atores de grande força e inteligência interpretativa, surpreendente pela sua extrema juventude, respira no tempo determinado pela interioridade dos personagens, em que longas e precisas pausas, letras de música e trechos de livro são ditos na mesma sintonia dos sentimentos que embutem. Desta forma, os atores alcançam com simplicidade, rigor e intensidade, atuações verdadeiramente contemporâneas para texto exemplar do realismo psicológico.
                                         Jogos e brincadeiras interativas para suavizar a crítica

Da Espanha, se apresentou duo performático com Diari d’ Accions, em que recortes com títulos de reportagens e artigos projetados em telas, servem de pretextos para cenas em que atores-performers-dançarinos comentam, ora suavemente crítica, ora ludicamente adolescente, um certo quadro politico-social europeu. Muito jovens, sem muita consistência em explorar a boa idéia inicial, Iñaki Alvarez e Pere Faura, no entanto, agradaram à plateia da mostra, conquistada pelo jogo e brincadeiras interativas. Num ano em que a programação do Fiac teve tão poucas atrações, Diari d’Acess é apenas um espetáculo festivaleiro que cumpre a função de completar a grade dos espetáculos. Entre os espetáculos da Bahia, Nunca Nade Sozinho, texto do canadense Daniel MacIvor, o mesmo de In on It e Cine-Monstro, com direção de Nadja Turenko é destaque, mais pela escolha de encenar fascinante aventura dramatúrgica, do que propriamente pelo que se assiste no palco. Ao decompor situação dramática em múltiplas possibilidades de a sentir e narrá-la, MacIvor oferece ao espectador a co-autoria do jogo descritivo, um puzzle desfeito a partir do todo. A diretora foi capaz de acrescentar à essencialidade da escrita do autor, elementos de efeitos supérfluos, como cenário e figurino de convenção deslocada, e movimentos de dança de código ilustrativo. Joelma, monólogo de Fábio Vidal foi buscar em cidade do interior da Bahia o percurso de transexual pela afirmação, pessoal e social para sua feminilização. Com video sobre a personagem real em contracena, Fábio atua como espelho das imagens projetadas, fazendo dos entrechoques de realidades vividas, material para construção da figura de palco. Por algum exibicionismo, o ator deixa escapar o que de melhor constrói como intérprete: a ritualização da imagem dramática. Participaram ainda da mostra, o grupo Lume de Campinas com a caudalosa montagem de Os Bem-Intencionados, que propõe a platéia o papel de “ ver aquilo que se quer ver” . E Ficção, do grupo Hiato de Sao Paulo, que através de relatos pessoais dos atores, estabelece área expressiva que revela zonas emocionais ficcionadas em cenas independentes.        
                                                  macksenr@gmail.com                     

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

33ª Semana da Temporada 2013


Cena Múltipla do Espaço Sesc

Crítica/ Elefante
Todos os homens são mortais
A ideia é de Igor Angelkorte e o texto final de Walter Daguerre desta montagem em cartaz na Arena, em que a artificialidade da vida, mantida à margem do envelhecimento, lembra bastante o romance de Simone de Beauvoir, Todos os Homens São Mortais. Mas ao contrário da obra da escritora francesa, a estagnação do tempo é garantido pelo consumo de uma pílula, numa sociedade estratificada, dominada por cientificismo social. De outro lado, existe uma ilha na qual a natureza vital permanece e seus habitantes continuam submetidos ao fluxo do tempo e à inexorabilidade da morte. Quando um dos homens, medicadamente conservado, decide emigrar, e em consequência envelhece, ao voltar se defronta com a imutável aparência da mulher e dos pais. Deste conflito, Daguerre extrai algumas reflexões sobre sociedades centralizadoras, eternização da juventude e falsificação da imagem. A estranheza inicial provocada pelo deslocamento entre o que a imagem mostra e a idade registra é sustentada com efeito dramático, ao mesmo tempo em que a evolução da trama leva a um final, senão surpreendente, pelo menos inesperado (o autor usa de truque ao conduzir o espectador a acreditar na morte de um e não de outra personagem). Igor Angelkorte mostra sensibilidade na direção, afinal a ideia da narrativa é sua, e talvez por esta razão, o tratamento que dá à montagem está envolvido numa aura emocional. Algumas cenas têm cravado desenho poético, como a de movimentos de dança, a do quase negror da iluminação quando se menciona a perda da visão (a luz é de Renato Machado) e na do desvendamento da nudez. O cenário de André Sanches, com poucos elementos, incorre no problema que tem surgido na ambientação da Arena do Espaço Sesc  em recentes espetáculos. Parte da plateia, na cena em que um cartaz é desenrolado no piso, deixa de o ver, obstruído por objeto do cenário.  Os atores – Pedro Nercessian, Lívia Paiva, Samuel Toledo e Julia Lunnd – se compõem com certa harmonização interpretativa, num conjunto que demonstra mais uma orientação diretorial do que individualizações na forma de executá-la.
       
Crítica/ Todas As Coisas Essa Viagem
Humor em musical de circunstância
Pedro Brício, autor deste texto em cartaz no Mezzanino, tem se revelado um dramaturgo com obra em crescente ampliação temática e exploração formal, além de ter o mérito de manter pelo menos uma de suas peças em cena a cada temporada. Em Todas As Coisas Essa Viagem se volta para uma mulher, de partida para aventura existencial, cansada da vida rotineira de casal, filha e mãe, mas que diante deste spleen generalizado é confrontada com o passado e o presente, deixando levar pela incógnita do futuro. Essa trama é desenvolvida, integrando os vários tempos numa narrativa desarmada sequencialmente, incidindo sobre o próprio instante em que o espetáculo está se realizando, e pontuando com alguma intervenção musical. Pode parecer que tantos elementos combinados possam camuflar a simplicidade de um história suavemente desenrolada, e é, parcialmente, o que acontece. A utilização da música, uma brincadeira que já se anuncia no prólogo, acaba por se tornar um efeito sem lastro, independente da qualidade das composições de João Callado. Cristina Moura dá um tratamento múltiplo a essa trama de crise existencial, aproveitando-se dos indícios (humor melancólico, musical de circunstância, dança dramática) do texto para recorrer a essas variadas possibilidades com alguma destreza. A dupla de atores – Soraya Ravenle com maior oportunidade, e Guilherme Piva – desfila com desenvoltura os sentimentos hesitantes do casal personagem.       

Crítica/ O Príncipe
Luta animal ilumina a racionalidade da palavra
A exposição do pensamento político de Maquiavel, através de sua obra O Príncipe, ganha versão teatral adaptada pelo ator Henrique Guimarães e Ana Vitória Monteiro e em cartaz na Sala Multiuso, se distendendo até a fronteira em que se confundem a prática da conquista e sustentação do poder como valor intrínseco do exercício do mando. A estratégia de sua reflexão conduz à cínica e realista perspectiva de que o caráter ético da ação política se condiciona pelos meios para que se alcance os fins, estes os imperiais motivo, razão e pragmatismo para a ascensão e manutenção do poder. Transformar tão complexo e arrebatador pensamento, mais sensível à ciência política que à poética cênica, é uma corajosa e desafiante tradução que exige ser absorvido pelo novo meio expressivo. Na maior parte, o monólogo dirigido por Leona Cavalli atinge vida teatral autônoma, com a introdução de vivências de Maquiavel, referências e personagens históricos e integração da plateia na forma como são propostas assertivas e dúvidas, que levam o espectador a inconclusões, justamente o que o faz pensar. Leona Cavalli equilibra o sólido apoio corporal demonstrado pelo ator, com a necessidade de clareza e autoridade exigidas pela palavra de Maquiavel. Numa concepção em que o figurino (uma grande capa que é manipulada como mais um elemento da ação física) e os adereços (uma mala da qual se retiram objetos) algumas vezes dramatizam em excesso, é visível a intenção de ativar, permanentemente, a cena, o que faz oscilar os tempos interpretativos do ator. Henrique Guimarães tem momentos, densamente construídos em que ressalta a candente sonoridade da escrita, e outros em que a habilidade corporal se sobrepõe à voz. Uma das cenas mais bonitas é aquela em que Guimarães, delimitado por um filete de iluminação, integra voz e corpo em luta animal.

Crítica/ Antes da Chuva
Exercício de afetos nos tempos do cólera
A montagem do texto do diretor Rodrigo Portella, que está em cartaz na Sala Multiuso, é oriunda de Três Rios, cidade que abriga a Cia Cortejo e onde o diretor desenvolve a sua interessante carreira de encenador. Como no espetáculo anterior, Uma História Oficial, já apresentado no Rio, também Antes da Chuva é baseado em texto de Gabriel Gárcia Márquez, aproximando o realismo fantástico do autor colombiano à realidade interiorana da sede do grupo, estabelecendo integração de universos. A realização não poderia ser mais despojada, com o palco desprovido de qualquer adereço, iluminação buscando diálogo com os atores e a dupla de intérpretes como o traço definidor da cena. Portella fatia o texto para traduzi-lo como ação e movimento, numa forma narrativa que evita a mera ilustração para deixar que aflore o jogo dos afetos nos tempos do cólera. O confronto entre sentimentos mantidos por anos como razão única para continuar e a estreiteza de um mundo que se justifica pelos seus limites, circula por constante balé de corpos que se movimentam ao ritmo das aproximações e rejeições. Os atores e seus corpos são únicas e complementares presenças, cenário de seus diálogos, iluminação de seus gestos e figurino de suas interpretações. Bruna Portella e Luan Vieira demonstram integral apropriação das propostas da direção, compartilhada por Rodrigo Portella e Leo Marvet, sustentando nos 60 minutos da encenação, intensa reverberação de embate emocional, solidamente construído na sala de ensaio e trazido ao palco com a integridade do exercício bem desenvolvido.       

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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

32ª Semana da Temporada 2013


Musicais na Ponte Aérea

São Paulo

Crítica/ A Madrinha Embriagada
Nonsense de um vôo anacrônico aos anos 20
O Teatro Sesi da capital paulista decidiu se integrar à onda dos musicais e convidou Miguel Falabella para dirigir a sua produção no gênero nas últimas décadas. A escolha recaiu sobre um exemplar americano nostálgico e um tanto anacrônico e de prosaico e pouco atraente título. A historieta com apelos nonsense é comentada por narrador que ao situá-la, procura revelar os truques dos musicais, aproveitando os detalhes um tanto absurdos e implausíveis para brincar com os bastidores do espetáculo e os códigos da cena. Tudo com muitas reservas para não ultrapassar os limites dos preceitos do musical, e perseguindo o tom de humor entre malicioso e ingênuo. Falabella adaptou a trama ao teatro paulista dos anos 20, com citações a casa de espetáculo local e a lembrança de atrizes e empresários de nomes evocados. A estética do cenário e do figurino se aproxima tanto das obras de Tarsila do Amaral quanto do filme Voando para o Rio acompanhando épocas próximas nas roupas pinturas de parede dos casarões senhoriais e até em geladeira da década de 50. Essa liberdade de misturar estilos se segue na agilidade com que a direção impulsiona a tênue ação cômica e na agradável e descartável trilha sonora. Apesar do esforço de Ivan Parente, a sua presença como narrador se torna insinuante demais. Stella Miranda repete-se numa chave cômica, mas sustenta bem as canções. Kiara Sasso e Saulo Vasconcelos estão melhores como cantores do que como atores. Ivana Domenyco cria boa figura, enquanto Frederico Reuter é o típico galã. Os padeiros Rafael Machado e Daniel Monteiro fazem dupla divertida. Sara Sarres, além de sua bela figura, é ótima cantora e segura intérprete. Uma atriz com brilho. A montagem, que é oferecida gratuitamente ao público de São Paulo, tem previsão de permanecer em cartaz até junho do próximo ano. É uma grande aposta no sucesso de um musical de características um tanto anacrônicas.                              

Rio

Crítica/ Meu Amigo Bobby 
Sapateando na marolinha do modismo
A moda pegou. Atualmente, os musicais parecem atrair empresários e público com expectativas diferentes. Lançam-se montagens que tentam se aproveitar do fluxo de estréias (este ano, bem menor do que os anteriores) para disputar o mercado com subprodutos do gênero, ao que parece, unicamente para surfar na onda comercial. Meu Amigo Bobby é um bom exemplo desta estratégia fadada ao fracasso na origem. Essa marolinha musical é uma produção da Orquestra Brasileira de Sapateado, que reuniu alguns de seus componentes, utilizou roteiro de Tim Rescala e convidou para a direção Cininha de Paula, o que resultou na montagem em cartaz no Teatro do Fashion Mall. É difícil compreender a coragem de profissionais em assinar tão precária criação, na qual o fiapo de trama, a inexpressividade da trilha musical e a limitação dos atores-sapateadores evidenciam tão-somente relação constrangedora com a plateia. A impressão deixada por tal empreitada, é a de que Meu Amigo Bobby é um ato de voluntarismo artístico de quem deseja estar em cena a qualquer custo e risco, e oportunismo de aderir ao modismo dos musicais de olho no caixa da bilheteria. Será difícil alcançar, minimamente, qualquer dessas intenções.

                                                    macksenr@gmail.com