Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia
(Fiac)
Condenação dos sentimentos a um estado terminal |
Salvador – O
Fiac chega à sexta edição como uma pausa para respirar e manter o fôlego. E não
apenas por questões de orçamento, que afligem a maioria das mostras de teatro
nacionais, mas para revisão, parcialmente voluntária, da curadoria. Na sua
curta, mas ascendente carreira, o Fiac tem demonstrado afinada perspectiva de
programação, levando a Salvador grupos internacionais e brasileiros em
criteriosas escolhas. Tendências variadas têm aportado nos teatros da capital
baiana nos últimos seis anos, revelando, algumas vezes, surpreendentes olhares
para o teatro contemporâneo e fina sensibilidade para experiências que buscam
mexer nos códigos cênicos. Este ano, por opção da equipe de curadores, o
festival se concentrou em espetáculos de dança e na produção do teatro baiano.
Tal decisão, deixou à margem espetáculos nacionais mais consistentes e retraiu
a vinda de obras mais ambiciosas do exterior. Ainda que na abertura se
apresentasse Preparatio Mortis, solo
de dança-teatro da performática Annabelle Chambon, na concepção do instigante
belga Jan Fabre – reafirmação a vida através da morte, com o palco soterrado
por milhares de flores –, o que se seguiu foi bem menos interessante. A
surpresa foi a companhia argentina El Silencio com versão renovada e inovadora
de À Margem da Vida (The Glass Menagerie), de Tenneessee Williams. Traduzida como El Tiempo Todo Entero, ganhou dinâmica
cênica a partir da apropriação do ritmo interno da narrativa. A adaptação se
concentra na situação básica do texto para rescrevê-lo com gramática própria,
mantendo a pulsão emocional da família condenada a estado afetivo terminal.
Referências a Frida Kahlo, a trechos de Moby
Dick e à música e à tragédia do compositor e cantor mexicano Marco Antonio Sólis
acrescentam sopro recondicionante à estrutura do drama psicológico, capaz de atualizar e dar caráter quase autônomo
ao texto original. O elenco, com três atores de grande força e inteligência interpretativa,
surpreendente pela sua extrema juventude, respira no tempo determinado pela
interioridade dos personagens, em que longas e precisas pausas, letras de
música e trechos de livro são ditos na mesma sintonia dos sentimentos que
embutem. Desta forma, os atores alcançam com simplicidade, rigor e intensidade,
atuações verdadeiramente contemporâneas para texto exemplar do realismo
psicológico.
macksenr@gmail.com