quinta-feira, 29 de novembro de 2012

42ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Jacinta
Prazeres e dores do teatro vividos como farsa
A intenção, ao que parece, de Newton Moreno ao escrever Jacinta, em cartaz no Teatro Poeira, foi de através de uma atriz portuguesa do século XVI, absolutamente desprovida de talento, homenagear o teatro. Na contramão da posse dos instrumentos que tornam possível a verdadeira realização da arte, o autor apresenta por meio da atriz medíocre as dificuldades e as limitações do exercício da cena. Utilizando o primeiro século da nossa colonização como cenário, o efeito metafórico da reverência se amplia como farsa. Degredada para o Brasil, depois de provocar a morte da rainha portuguesa após ter assistido a sua interpretação de poema de Gil Vicente, provocando a amputação de uma das mãos do escritor para que não mais pudesse escrever, reproduz por aqui a trilha de desacertos que a obrigou a abandonar a sua terra. Tangida de Portugal e sempre impulsionada pela fome, Jacinta percorre o Brasil em saga mambembe à procura de mitigar a sobrevivência e alimentar a vaidade. O tempo que abriga tanta insistência e seu rastro de enganos é o mesmo que Moreno e os parceiros Aderbal Freire-Filho, também diretor, e Branco Mello, responsável pela coautoria da música, pretendem aproximar da atividade teatral dos nossos dias. Jacinta como elo entre as épocas não será o melhor símbolo para figurar os atropelos da vida dos saltimbancos contemporâneos, já que sua canastrice demonstra apenas incapacidade para o palco. Nem mesmo a redenção final, a exime das trapalhadas por conta incompetência, o que deixa entrever que o trio de autores considera o teatro generoso espaço de acolhimento para os que persistem. Como a trupe de atores que encena a falta de talento, recorrendo a formas de representação que evocam ibéricas manifestações do século de ouro. Ao recorrer ao português Gil Vicente, citar o espanhol Lope de Vega e incorporar Shakespeare, a ciranda de citações empresta ar erudito à trama, referendando o invólucro histórico da teatralidade. Mas esse arranjo não se mostra suficiente para ordenar estilisticamente a montagem, que percorre tantas indicações sem propor rumos, a não ser os que apontam para atalhos. Torná-la um musical é mais dos elementos que se sobrepõe às várias camadas narrativas. Com a exaltação ao teatro, seus prazeres, agruras e personagens, desvia-se da bem sacada ideia da “pior atriz mundo”, interessante mote para comédia de situações na qual o teatro poderia servir de meio de acompanhar o desastre das tentativas e não a glorificação dos fins. Aderbal Freire-Filho inflou a cena, tornando-a excessiva na deferência e escassa no dimensionamento. A montagem se derrama em níveis narrativos, ora farsescas, ora musicais, afogando-se na ânsia de expor múltiplas referências, tempos e gêneros. O elenco mergulha, decisivamente, neste mar de muitas ondas com inegável adesão. Andrea Beltrão, com discutível sotaque luso e convincente voz para o canto, e os demais atores – Augusto Madeira, Gillray Coutinho, José Mauro Brant, Isio Ghelman e Rodrigo França – celebram com bom humor a arte da representação, que, a rigor, é o que o espetáculo almeja ser.        

Crítica/ Depois da Queda
Zonas sombrias de um intelectual pronto para o grito
Estreada em Nova Iorque em 1964, Depois da Queda é um mergulho de Arthur Miller na sua subjetividade, balanço sobre as mulheres de sua vida (a mãe e suas duas esposas), sequelas das feridas nunca fechadas provocadas pelo macarthismo e exposição intelectual de culpabilidade. O dramaturgo Miller se transforma no advogado Quentin, que se desencontram apenas na mudança dos nomes, já que no texto se revelam semelhantes pelas vivências reproduzidas na autobiografia em livro do autor de As Feiticeiras de Salém. Mas a peça mantém o caráter ficcional, ajustado ao realismo psicológico da dramaturgia de Miller. Depois da Queda transcorre no plano da consciência, adotando forma memorialista e com citações a questões políticas filtradas pelos conflitos interiores. Quase como um depoimento e acerto de contas consigo mesmo, Miller disseca a culpa como algo que carrega como um peso que não se dissolve, muito menos se atenua. Os abismos que constrói no relacionamento com as mulheres e no conhecimento como medo o impulsiona para a certeza de ser um traidor, a quem não confere qualquer trégua emocional. O texto investiga essas interioridades, percorre zonas sombrias como um embate pela revelação da verdade, de saber-se quem é e por onde se andou para chegar ao desvendamento das dúvidas existenciais. Extremamente bem arquitetada, a peça é narrada a partir da fragmentação dos sentimentos, da exibição daquilo que se quer compreender e dos diálogos com o inconsciente. A encenação de tais sensibilidades, projetadas em quadro realista e cena psicológica, se acondiciona em plano intermediário entre esses extremos. Encontrar a linha que determine a sua tradução em palco é processo rigoroso de abarcar uma voz pronta para o grito. Felipe Vidal procurou capturar o movimento subjetivo com traços rascunhados. A direção desenha contornos atritantes, seguindo a compartimentação da narrativa, buscando desconstrução dramática nas interpretações e equalização temporal na música, na montagem uniformizada e sem variantes de atmosfera e oscilações de intensidade. As questões abordadas no primeiro ato são levadas sem muito adensamento, enquanto as do segundo são lançadas como drama psicológico. As discrepâncias estilísticas não prejudicam a qualidade do texto, apenas o faz menos rico. O elenco, por geração e técnica, se mostra retraído. Lucas Gouvêa, que interpreta Quentin e tem a responsabilidade de conduzir a narrativa, estabelece linha única e equidistante, com poucas, e quase sempre despropositadas, elevações de tom. Gouvêa confere frágil densidade ao personagem, não só pela opção interpretativa, como pela sua juventude, que se confunde com insuficiente carga emocional para transmitir a força das vivências do personagem. Já Simone Spoladore utiliza recursos corporais e interpretativos bastante mais depurados para ultrapassar os limites do mimetismo e dos atributos óbvios no desempenho da Maggie. A atuação da atriz se sobressai no elenco, no qual José Karini tem participação pequena, mas destacada, e em que os demais – Paula Tolentino, Gabriela Carneiro da Cunha, Thais Tedesco, Luciano Moreira, Paulo Giardini, Talita Fontes e Leandro Daniel Colombo – contribuem com participações bem orquestradas.      

                                                 macksenr@gmail.com

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

41ª Semana da Temporada 2012


Faces do Trágico

Crítica/ Oréstia
Atos para iluminar desígnios insondáveis
A Oresteia, como a chamou Ésquilo, é formada por trilogia em que cada uma das partes conta sobre a poética cruel da existência e dos elementos formadores do destino humano, marcado por violências várias e determinismos insondáveis. O fatalismo com que forças conduzem os atos e que escapam aos domínios faz com que a vida seja governada por desígnios que restringem a plenitude da natureza humana. A sequência de assassinatos da ascendência e descendência, os elos rompidos por inevitáveis emanações daquilo que nos ultrapassa, é o que eterniza a nossa  precariedade. Deuses, alma, inconsciente, o trágico em Ésquilo se constrói e se perpetua na ritualização do diálogo entre essas impermanências, no que há de silêncio do que resta da percepção do imperfeito. São questões que estão subjacentes à ação trágica, que o autor grego projeta em espiral narrativa e que a encenação contemporânea procura traduzir de modo a dimensionar esses aspectos, sem fragilizar a exterioridade da trama. A montagem de Malu Galli, em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, procurou compatibilizar a amplitude do que a tragédia contém como fundamento, com o alcance com que a linguagem cênica pode transmiti-la para a atualidade.  A diretora não restringe, tanto na adaptação, quanto na busca da plateia, a força expressiva de texto, imprimi-lhe traços de uma linguagem teatral ajustada à recepção do público de hoje. Galli recorre a tradução fluente de Alexandre Costa e Patrick Pessoa e musicaliza o coro, revivendo milenares citações, através de trilha original assinada por Romulo Fróes e Cacá Machado. Utiliza microfones e expande a ação com frontalidade para além do palco, solicitando ao espectador ser cúmplice. Na intenção de envolver o trágico no contemporâneo, de criar espaços referenciais comuns e de incorporar soluções cênicas de circulantes versões experimentais, a diretora construiu montagem de extrema correção e de empenhada codificação. Impôs uma visão à Oréstia e foi coerente a ela, capaz de aproximá-la aos nossos dias, sem qualquer distorcido ajustamento. O elenco – Daniela Forte, Gisele Fróes, Julio Machado, Luciano Chirolli, Malu Galli e Otto Jr. – é demonstrativo da bem integrada concepção do espetáculo. Assim como a direção, os intérpretes se sintonizam com a tragicidade do teatro do nosso tempo.

  
Crítica/ Édipo Rei
Ao encontro da consciência em giros do destino
Nada mais provocador do que constatar, a cada encenação desta tragédia de Sófocles, que agora ganha mais uma versão em cartaz no Espaço Sesc, do que a sua inesgotável permanência. O que lhe é destinado de origem até o que lhe cabe de condenação, transforma Édipo em porta-voz da sua própria consciência, num percurso de descobrir quem é, sem ter sabido durante toda existência quem foi. Esse inexorável destino, anunciado pelos deuses e frustrado na intenção humana de modificá-lo, se cumpre na sua integralidade, devolvendo a Édipo a certeza de si mesmo, revelando a sua inteireza vital, definitivamente trágica. Encenar Édipo é se debruçar sobre as incontáveis possibilidades que a essencialidade desse texto propõe ao longo do giro da roda dos ventos teatrais. Há pouco mais de 30 anos, o diretor Flavio Rangel, ao dirigir Édipo, mencionava as inúmeras formas de abordá-la, e que para tantas visões, psicanalíticas, filosóficas ou históricas, há muitas outras, inexploradas. E por que não, emprestar-lhe um cunho de história de mistério? Especulações à parte, a montagem de Eduardo Wotzik procurou a fidelidade baseada em pesquisa e estudo sobre a tragédia e a época, o que se reflete na arena de Copacabana de modo límpido. Wotzik investiu na forma expositiva, privilegiando a evolução narrativa, sem maior interferência de análises. O diretor pretendeu contar a história, torná-la escorreita para atingir diretamente a platéia. A pretensão foi alcançada, com o detalhamento da trama e estendida a todos os aspectos da encenação. O figurino de Marcelo Olinto investe na reprodução das roupas e adereços inspiradas em registro histórico, enquanto que a cenografia de Bia Junqueira reveste a arena de pórticos e cerâmica partida em evocação milenar. O visagismo de Uirandê Holanda complementa a ambientação terrosa. As opções da direção caminham em sentido paralelo ao trágico, acentuando a linha mais dramática como forma de apoiar maior comunicabilidade e fluência cênica. Esse dramatismo é mais evidente em algumas atuações, como a de Gustavo Gasparani (Édipo), que modula a sua centralidade, recorrendo a ênfase corporal e vocal. Fabiana de Mello e Souza, como Corifeu, demonstra presença exteriorizada, sem a força exigida ao narrador. César Augusto cumpre com bem medida contracena as intervenções de Creonte. Eliane Giardini marca de modo provocante (o figurino assim a define) a sua Jocasta. Thiago Magalhães como o arauto antecipr o desfecho da tragédia. Amir Haddad (Tirésias) Jitman Vibranovski (emissário) e Rogério Fróes (pastor) se investem de portadores de terríveis revelações.      

                                               macksenr@gmail.com

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

40ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Absurdo
Duelo de oposições sem contrastes
Criação coletiva da Cia. Atores de Laura, em cartaz no Teatro Leblon, é um compêndio de situações reunidas sob a inspiração do absurdo. Não exatamente daquilo que se convencionou definir como Teatro do Absurdo, mas de longíngua inspiração neste movimento, e somente aproximado pela nomenclatura. O que na dramaturgia de Ionesco e seguidores haveria de distorção do realismo por meio de seus próprios instrumentos (a palavra e a linearidade narrativa), na montagem de Daniel Herz se transforma em jogo de contrários. A casa que abriga personagens que têm obsessões inalcançáveis, de onde alguns não conseguem sair e outros chegar, é o espaço de simulacro do absurdo que se confunde com involuntário vaudeville-cabeça. A sucessão de aparências que vão sendo desmentidas por palavras que assumem sentido diverso daquele que exprimem, não se corporifica dramaturgicamente pela ausência de sustentação conceitual. As cenas se mostram com desenvolvimento algo arbitrário, estabelecidas por situações soltas e diálogos de superficial estranheza, reduzindo-se a duelo de oposições sem contrastes. Com a mesma marca de seu estilo como encenador, aprimorado na companhia que lidera, Daniel Herz confere agilidade à montagem, mantendo a soltura e movimentação constante dos atores. E o que  tem sido sua assinatura como diretor, desta vez se adapta, apenas parcialmente, às características da dramaturgia coletizada de outros espetáculos. Absurdo perde fôlego a meio do caminho, tornando-se monótono no previsível confronto entre afirmações e negações, que nem mesmo o esforço do elenco – Ana Paula  Secco, Anderson Mello, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Verônica Reis – consegue camuflar.    
  
Crítica/ Domésticas
Recolha de experiências de espontânea contundência
Antes de se transformar em peça foi filme bem sucedido de Fernando Meirelles, com os mesmos depoimentos recolhidos pelos autores Renata Melo e José Rubens Siqueira que integram a montagem em cartaz no Teatro do Sesi. Com histórias de empregadas domésticas, apresentadas de maneira direta, de frente para a plateia, na versão teatral dirigida por Bianca Byngton, se reproduz o relato espontâneo, sem interferências, quase jornalístico, de experiências de quem compartilha mundos que as ignoram. O registro de tantos desejos e frustrações, de ingenuidade e solidão, de compartimentação social e vazio individual não é marcado por análises ideológicas ou mensurações psicológicas, apenas coleta de sentimentos e de vivências que delineam o quadro de  atividade profissional. Sem pender para o sociologuês e o melodramático, Domésticas retira humor de revelações às vezes patéticas, de relações entre patrões cruéis  e empregadas vulneráveis e de tristes e incontornáveis emoções. Nunca piegas e condescendente, a encenação diz muito e melhor da condição das domésticas do que tratados acadêmicos e discursos hipócritas. Bianca Byngton conduziu com simplicidade o elenco e se cercou de cenário despojado (painel suspenso formado por uniformes) e iluminação irrepreensível de Maneco Quinderé. Ana Paula Sant’Anna, em menor intensidade, Cacau Protássio, com maior histrionismo, e Daniela Fontan, com interpretação mais dosada provocam reações de riso. Alexandre Lino e Hossen Minussi pela mudança de gênero das personagens ficam em plano mais secundário.         

Crítica/ O Futuro Por Metade
Do lugar da ética de onde se olha o mundo
O Futuro Por Metade, que tem por aposto Variações Cênicas Sobre uma Mesma Conferência, e que está em cartaz no Teatro Ziembinski, se explica e justifica pelo poético e algo intrigante título, e se didatiza pelo subtítulo. Neste espetáculo dirigido em segmentos, orquestrados por André Paes Leme, Alexandre Mello, Oscar Saraiva e Vitor Lemos, o ponto de partida foi conferência proferida em Maputo pelo escritor Mia Couto e que desencadeiou questão de identidade: “um futuro que exclui o outro é um futuro pela metade”. Aos quatro diretores foi proposto pelas duas atrizes, Helena Varvaki e Julia Morales, “desdobramentos cênicos” para a palestra de Couto, roteirizados através de decálogo que deveria conter ítens determinados a serem observados pelos diretores. Desta formalização, que viveu mais ativamente na sala de ensaios do que no espaço teatral público (afinal estas informações são comunicadas à plateia, sumariamente, antes do início, e precisam ser consultadas no bem confeccionado e ilustrativo programa), sintetiza-se a essência da proposta: “é fácil, embora vá se tornando raro, ser solidário com os outros. Difícil é sermos os outros.”  A excessiva fragmentação na construção do espetáculo, as múltiplas vias expressivas que adota e as bases conceituais sobre as quais se fundamenta delimitam, prazeirosa e arduamente, a sua fruicão. Numa linha mais comunicativa, que no entanto não se desvia do centro da encenação, há o quadro da incomunicabilidade da burocracia universalizando as línguas. Na mesma frequência, se inclui a partida que expõe no adeus toda a convivência. O que ressalta da montagem é a integridade do que se pretende dizer, da honestidade que se intenta estabelecer com a vinculação límpida do lugar da ética de onde se olha para o mundo. São esses propósitos, mais do que questões técnicas, que emergem do palco, com reflexos na atuação de Helena Warvaki e Julia Morales, dupla afinada e afiada, que demonstra a inteireza de como vivenciou um processo de criação.     

Crítica/ Bette Davis e a Máquina de Coca Cola
Esquetes que dão saudades de Artur Azevedo
A idéia inicial de Bette Davis e a Máquina de Coca-Cola, em cartaz no Teatro Dulcina, é de Jô Bilac, autor que estorou há pouco mais de três temporadas, e lança seus textos com a frequência de, pelo menos, dois ao ano. Neste caso, Bilac emprestou apenas a situação básica para que a também e profícua autora Renata Mizrahi a desenvolvesse para duração de uma hora. O problema está, exatamente, nesta extensão. Se a princípio Bette Davis não era nada além de um esquete, escrito tão somente para esse formato, prolongá-lo parece ser um engano comprometedor. Partindo do complexo de Bette Davis, comportamento infantilizado da atriz do filme Quem Tem Mêdo de Baby Jane?, outras neusoses são incorporadas à brincadeira de Bilac. Mizrahi acresenta a síndrone de rir sem parar, mania de repetir frases feitas (que só nos faz lembrar e medir o abismo em relação a Amor por Anexins, de Artur Azevedo), e a de cantar em momentos inapropriados. Tais adendos são amparados por fio narrativo mal alinhavado e de humor rarefeito e não de outros esquetes que se arrastam na mesma comicidade rala.  O diretor e cenógrafo Diego Molina procurou envolver a montagem de alguma sofisticação, retirando-lhe o caráter balaio de esquetes. Ao mesmo tempo que embrulha de maneira menos rasteira a banalidade dos textos, acaba por acentuar o quanto são rasos, tornando-os ainda mais descompassados em relação ao seu verdadeiro alcance. Tanto no visual quanto na participação do elenco, parece que se criou uma superestrutura que desmente e caminha em sentido inverso ao material disponível. Os atores – Anderson Cunha, Carine Klimeck e César Amorim – aparentam estar trabalhando em registro diverso aos seus temperamentos de intérpretes, mas dentro das restritas dimensões do que se oferecem, se saem bem.     

Crítica/ Querida Mamãe
Conversa de intimidades entre filha e mãe
Em 1994, quando estreou no Rio Querida Mamãe, de Maria Adelaide Amaral, com Eva Wilma e Eliane Giardini, que agora ganha nova encenação, assinada por Susana Garcia e Herson Capri, com Stella Freitas e Cassia Linhares, em cena na Sala 2 do Teatro do Fashion Mall, analisava a dramaturgia da autora a partir da dramatização desta conversa entre mãe e filha. A obra teatral de Maria Adelaide trata das relações humanas sob perspectiva psicológica. Seja quando fala de contatos no trabalho (A Resistência), no casamento (Bodas de Papel) ou nos embates afetivos (De Braços Abertos), Adelaide esmiúça sentimentos através de comportamentos emocionais em diálogos enxutos. A relação atritante entre filha e mãe é perpassada em encontros sem muita coerência na passagem de tempo entre eles, e em quadros que  se repetem em circularidade dramática sem muita tensão evolutiva. E as personagens se enfraquecem por perfis extremados: a filha adquire contornos monocórdios, enquanto a mãe se desenha acentuadamente convencional. Arranhando o melodrama e se avizinhando, com prudente cuidado, do homossexualismo e de atitudes de rebeldia, explora sem muita densidade alguns dos conflitos que se interpõem em relações familiares íntimas. Por força das fraturas do texto, na encenação predomina a pulsão interpretativa das atrizes, que precisam encontrar o espectro afetivo das personagens. O casal de diretores oferece às atrizes a oportunidade de chegar à plateia através do efeito identificador, de sintonizar suas experiências ao relacionamento visto no palco. Para tanto, é construído cenário simples, mas elegante de Natalia Lana, mudanças de cena com sensível luz de Paulo Cesar Medeiros e trilha de Alexandre Elias. Tudo funcionando com fluência e com alguma comunicabilidade. Cassia Linhares e Stella Freitas tentam imprimir doses de veracidade à filha e à mãe. Cassia não ultrapassa os limites e a linearidade da filha resmungona. Stella numa composção física de uma senhora tradicionalista colore um pouco mais o arco vivencial da mãe.   

                                                               macksenr@gmail.com

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Outros Palcos


São Paulo

Crítica/ Ópera dos Três Vinténs
Quadro vivo e fiel de um legado 
A ópera de Bertolt Brecht e Kurt Weill que o Bob Wilson dirigiu para o Berliner Ensemble, templo da obra brechtiana e que está em cena no Sesc Pinheiros, se conjuga pela diferença de códigos. A adaptação da Ópera dos Mendigos, de John Gay, que inspirou Brecht-Weill, foi contaminada na recriação pelas teorias do dramaturgo alemão, e por sua vez revista pelo Berliner pela ótica formalista de Wilson. Tantos planos criativos, filtrados pela ação do tempo e pelo redimensionamento de linguagens, refluem nesta versão para uma total fidelidade ao teatro de Brecht. Ao situar a ação nos anos 20, Wilson revestiu a narrativa, não só visualmente (o elenco, com maquiagem branca, adota figuras de cabaré de Berlim da época e tipos expressionistas dos filmes de Murnau), mas interpretativamente (gestos rígidos e movimentos exagerados estabelecem o distanciamento). Desta forma, o efeito demonstrativo se reveste em comentário, exatamente o pretendido por Brecht. A dramaturgia cênica de Bob Wilson com seus códigos sedimentados se encaixa ao protocolo ideológico sem perder qualquer de seus fundamentos. Na Ópera dos Três Vinténs do encenador americano, a precisão da luz e som, elementos determinantes de sua estética, se afinam em plano de sofisticação irrepreensível. A féerie da iluminação, que é em si mesma cenografia, explode em sucessivos quadros, ora como linhas de abstrações, ora como lembrança de antigas casas de music hall. O contraste da frieza do néon com o insinuante colorido, em especial no final, quando surge a cortina vermelha, retira de quadros vivos uma supra-dramaticidade de força inegável. À atuação marcada por ruídos de passos ou na manipulação de objetos, acrescentam-se sons de velhos gramofones que acompanham algumas das canções. A música de Weill valoriza-se por intérpretes com vozes sempre muito bem colocadas, transmitindo a contundência das letras, projetadas pela qualidade dos atores do Berliner. Cada um deles, de idades bem diferentes, como exigem os personagens, mostra a integridade técnica para interpretar um autor, do qual são os atuais depositários da seu legado, mas que se integram à maquinaria cênica de Bob Wilson com impegável adesão artística.

                                                       macksenr@gmail.com

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

39ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Esta Criança
Estilhaço de  quadros com incisões profundas
São dez cenas que tocam no relacionamento entre pais e filhos. São dez frestas abertas sobre zonas de sombra dos sentimentos. São dez relatos em torno da exposição de momentos de tensão. São dez interioridades que se desvendam em rastilhos. São dez estilhaços de um quadro rasgado por incisões profundas. É deste material que são compostos os textos de Joël Pommerat em Esta Criança, em cartaz no Teatro I do CCBB, de onde emergem situações que se apresentam como se pulsassem no instante de sua eclosão. Não há qualquer resquício de naturalismo em monólogos interiores exibidos como narrativas de vidas como elas são. Nada de realismo psicológico, muito menos de dramatismo emocional. A virulência do que se sente é demonstrada, não explicada por razões ou atenuadas por justificativas. A intensidade tem a secura do registro e se evidencia pelos movimentos internos que fazem com que reações sejam quase poses fotográficas de nitidez cruel. Por mais explícitas que sugiram as cenas, o contorno é o da entrelinha, do que fica pelo caminho dos diálogos. O diretor Marcio Abreu capturou esse entremeio, aquilo que está entre o ruído e o silêncio, o desabafo e a impossibilidade, o medo e a efusão, a proximidade e o afastamento, a repulsa e o amor. A montagem é ascética, sem qualquer supérfluo, seca mas banhada de jorros de afetos, insinuados por fendas de emoções. Há um rigor formal que sustenta a sutileza de sentimentos que somente que se deixam entrever. Abreu trabalha neste fio de tessitura invisível, na representação dessa área existencial em fricção. Nas excelentes cenografia de Fernando Marés e iluminação de Nadja Naira se delimita o teatro dos personagens. O cenário que corta o palco longitudinalmente, avançando na plateia e deixando à mostra parte das coxias, ganha dimensão distorcida à procura de desviar o eixo do olhar. Mais do que formalismo estético, tanto o cenário quanto a iluminação se integram à cena como unidade indissolúvel da linguagem do diretor. A montagem pulsa sobre esse rigor subterrâneo, que se deixa ver apenas no modo como se revela na coesão do elenco e no acabamento geral da cena. O quarteto de atores – Renata Sorrah, Giovana Soar, Ranieri Gonzalez e Edson Rocha – é a mais ampla projeção da qualidade e integridade criativa da encenação. Se Renata Sorrah tem interpretação definitiva na sua carreira, Giovana Soar, que também assina a ótima tradução, estabelece sutis contracenas. Se Edson Rocha parece se voltar para atuação mais realista numa primeira impressão, a desmente em seguida. E de Ranieri Gonzalez se pode medir a extensão de sua enorme capacidade de intérprete.

                                                    macksenr@gmail.com