terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Temporada 2016

Retrospectiva do Ano Teatral
"Os realistas"

Em ano contraído entre choques políticos e pulverização econômica, o teatro apostou na dignidade artística e na sobrevivência sob outros meios de produção. Nos limites do voluntarismo da realização do possível e na necessidade de manter o vigor do espaço da criação, a temporada carioca de 2016 foi mais restrita em volume de espetáculos, em variantes de propostas e na generosidade das ideias. Os palcos foram ocupados pela urgência de manter com vitalidade o que tantas crises procuram roubar em produção, tempo, densidade e público. Com tantas restrições, as vontades de  afirmação da atividade se realiza através de investidas em dramas psicológicos, lembranças doloridas, revisão de corpos e gêneros e nas históricas contradições do país. Sem saber ainda como se reinventar, o teatro segue tateando futuros avanços. A cena de 2016 foi um passo: curto e hesitante.                  
"Vaga carne"

Os monólogos, menos como opção formal, e mais como depoimento individual, deixaram alguns registros entre as centenas de espetáculos vistos este ano. Matheus Nachtergaele em “Processo de conscerto do desejo” mergulha nas penumbras do luto pela morte da mãe, assumindo a função quase catártica de dar contornos a sentimentos em rito cênico de comunhão.
 “Mamãe” é um monólogo tão pessoal quanto é real a experiência do ator Álamo Facó frente aos 100 dias que antecederam a morte da mãe, vitimada por tumor cerebral. E não será apenas o depoimento sobre um estado agônico, mas a transposição de sentimentos vivos a partir de sensações pressentidas. Em sentido contrário, a da comédia irônica, Marcos Caruso, solitário no palco em “O escândalo de Phillippe Dussaert”, traduz com verve brasileira o humor à francesa com a naturalidade que não rouba a impostação mais formal do texto e o tom agudo de sua crítica. “Hamlet – Processo de revelação”, solo de Emanuel Aragão, mostrou-se como forma exploratória de integrar a tragédia de Shakespeare ao fluxo das relações com o tempo e o teatro. A versão mais abrangente e renovada de monologo ficou com Grace Passô em “Vaga Carne”, autora, diretora, intérprete de fragmentos de palavras murmuradas no espaço escuro e vazio, que ganham a luz articuladas pela ação física. Grace contorna  os limites da presença única em cena para ampliar o alcance das possibilidades do gênero.
"Caesar - Como construir um império"
No elenco afiado do texto afinado de “Os realistas”, Deborah Bloch se destacou entre personagens que se tocam por suas arestas, através de diálogos evasivos. Deborah traduz a atmosfera subjetiva em atuação que se transforma no centro irradiador da montagem. Juliana Galdino, como o centenário Eulálio de “Leite derramado”, se impõe, imponente e hierática no ritual assombrado que ressoa como um brado retumbante. Caco Ciocler e Carmo Dalla Vecchia, a dupla de atores de “Caesar – Como construir um império”  sustenta o sentido trágico com desenho corporal que serve à solenidade ritualística e justifica o furor da razão. Na contraluz das imagens e nos murmúrios das palavras, os intérpretes completam a beleza áspera da montagem de Roberto Alvim.    
"Leite derramado"  
O país como imagem e a crise como reflexo compuseram o mural rabiscado de tempos de perplexidade. “Leite derramado”, versão cênica de Roberto Alvim do livro de Chico Buarque, distendeu a visão de práticas políticas e sociais em encenação alegórica de pensamento nacional moribundo. A estética singular de Roberto Alvim cria cenas ruidosas de som e imagem de força poética simbólica. “Nós”, direção Marcio Abreu para o Galpão, desata algumas amarras do grupo mineiro, estabelecendo uma cena mais reveladora e ambiciosa, na tentativa de se situar entre o “tá difícil pra todo mundo” e iluminar a “região do escuro” de cada um. A montagem funciona como um arrastão aos “subterrâneos gelados do eterno esperar”.   
"Auê"

Os musicais, que há várias temporadas já se tornaram rotina no mercado teatral carioca, em 2016 sofreram com a restrição dos patrocínios, diminuindo em quantidade e em alguns casos, em qualidade. “Auê”, com custo baixo e excelente nível de realização, provou que há possibilidades criativas com outras formas de investimentos para além das financeiras. O show-teatral-performático-musical ressalta a consistência do grupo de compositores, a competência de instrumentistas, a habilidade de cantores e a versatilidade de atores-bailarinos. Os sete integrantes desta barca que navega por múltiplas linguagens soltam as amarras, que poderia prendê-los a definições, para desbravar, a partir de melodias e letras, vasto panorama multicultural. Duda Maia orquestrou a explosão cênica de músicos-performers que se reinventam em movimentos corporais, desafios vocais e atuações improváveis. A apreensão do tempo, como registro e documento, determina as melhores conexões cênicas de “Cabeça”, que em dois lados-atos percorre as 13 músicas do álbum “Cabeça dinossauro”, dos Titãs, lançado há 30 anos. LP original e intervenções críticas e pessoais do elenco se equalizam na montagem  de Felipe Vidal, que reproduz a totalidade das composições e seu caráter provocativo, com impecável direção musical e alta qualidade dos músicos-atores.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Temporada 2016

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (14/12/2016)

Crítica/ “A vida passou por aqui”
O tempo e seus duplos


O  texto de Claudia Mauro vive de dualidades. Sílvia, professora, e Floriano, contínuo, falam de suas vidas em tempos diferentes. Velhos, ela se recuperando numa clínica, e ele, animando-a em constantes visitas, voltam ao que já viveram, reconstruindo lembranças. O presente é ilustrado pelo passado e a senilidade pelos sopros da juventude, em constante vai e vem de épocas, sublinhadas por emoções, algumas com humor, outras melodramáticas. Circulando por pontos contrastados, a autora traça diferenças sociais entre os personagens e esboça a construção duradoura dos sentimentos entre eles. Cada passo da história comum, avança sobre amizade costurada em vivências cotidianas e fixada em mútua solidão. Claudia apoia a distendida relação em diálogos que oscilam entre o cuidado em não carregar no piegas e manter a leveza de uma conversa de vovozinhos. Não se pretende ir além desse quadro amoroso de tonalidade cordial, desviando-se de qualquer perfil psicológico de natureza especulativa. Sílvia e Floriano são o que representam como tipos definidos por sua emotividade. Desenhados para provocar bons sentimentos, com quebras que os aproximam da comédia e arranham o drama, mas sem deixar que os extremos ressaltem individualmente. A direção de Alice Borges trabalha no filamento desses gêneros, buscando a dosagem que equilibre a recorrência e os apelos da situação central. O cenário de Nello Marrese se acomoda em seu intimismo realista ao pequeno palco do Café Pequeno, e o figurino de Ana Roque explora, com trocas de adereços, as variações das idades. Édio Nunes investe na sua agilidade corporal para movimentar a passagem dos anos. Cláudia Mauro, com o recurso de um xale e mudanças de gestos e voz, faz como intérprete as trocas que imaginou como autora. 

domingo, 11 de dezembro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (11/12/2016)

Crítica/ “Leite derramado”
Alegoria da vida brasileira em um brado retumbante

Na forma, mais do que no teor, que “Leite derramado” estabelece o contrapondo da cena teatral com a escrita literária. No livro, há uma narrativa que se fixa a partir da construção de  individualidade ambientada na nacionalidade. No teatro, é o Brasil que se faz personagem central da tragédia coletiva. Chico Buarque, autor do original, detalha as lembranças e devaneios de um homem diante de sua exposição como classe social. Roberto Alvim, adaptador para o palco, explode o quadro pessoal em imagens que se decompõem em estilhaços de significados. O velho Eulálio, que completa 100 anos, vive os estertores da existência em hospital público, refazendo a trajetória de sua vida, que se confunde com a longevidade, perversa e imutável, da vida brasileira. Testemunha de variadas manifestações de poder, porta-voz de preconceitos seculares, ator na representação da decadência social, e vítima de sua paixão por uma mulher, delira por memórias que desnudam a si e ao país. Na transcrição de Roberto Alvim, situações se transformam em símbolos, falas em exaltações e o centenário do moribundo em manifestações de 500 anos de elos políticos e sociais. O caráter individual dos sentimentos se esfacela em indistintas referências, sem se apropriar da circunstância (a senilidade às portas da morte) ou reproduzir a interioridade de sensações (a mulher amada e sua traição desaparecem). Os impulsos intimistas se transfiguram em exaltação épica, sonorizada com trilha ilustrativa. Ao contrário do desenho de som com suas oportunas intervenções, a seleção musical é de menor invenção, perfilando a obviedade de “Aquarela do Brasil” com a versão crítica de “Pra frente Brasil” e o anúncio de um outro dia de “Apesar de você”. Mas a estética singular do diretor cria painel ruidoso de som e imagem de aparência ilógica e poética simbólica, que inverte a continuidade do relato e subverte a percepção. No monólogo de um Eulálio vestido como prócer da Velha República, as figuras que o cercam trocam de peles. E  enfermeira ganha rosto de índia, fidelidade serviçal,  poderes do candomblé, discurso escravagista é desmentido na alusão ao saci e presença de moscas hospitalares rondam podridões. Ainda que cifrada e demarcada por contexto expandido, a encenação se impõe como ritual assombrado de uma nação com divisões seculares. Juliana Galdino, imponente e hierática em confronto com o estado terminal daquilo que Eulálio representa, é a intérprete absoluta de uma alegoria cênica que ressoa como brado retumbante.


quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Prêmios

Prêmio Cesgranrio

Finalistas do segundo semestre
"Amor em dois atos": duas indicações

Diretor
:  Luiz Felipe Reis  (“Amor em dois atos”)
              Ana Teixeira e Stephane Brodt (“Os cadernos de Kindzu”)                                
              André Curti e Artur Luanda Ribeiro (“Gritos”)

Ator: Marcos Caruso (“O escândalo de Philippe Dusaert“)
         Otto Jr. (“Amor em dois atos”)
         Bruno Mazzeo (5 X Comédia”)

Atriz: Grace Pasô (“Vaga carne”)           
          Fabíula Nascimento (5X Comédia”)
          Cláudia Mauro (“A vida passou por aqui”)

Cenógrafo: Bruce Gomlewsky e Bel Lobo (“Demônios”)
                   André Curti e Artur Luanda Ribeiro (“Gritos”)  
                   José Dias (“Boa noite, professor”)

Iluminador: Nadja Naira (“Vaga carne”)
                   Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier (“Gritos”)
                   Paulo César Medeiros (“Imagina esse palco que se move”)               

Figurinista: Marcelo Olinto (“A invenção do amor”)
                   Cássio Abreu  (“5 X Comédia”)
                    Paula Stroher (“Tran-se”)

Autor: Grace Passô (“Vaga carne”)
           Felipe Vidal (“Cabeça”)
           Claudia Mauro (“A vida passou por aqui”)

Direção musical: Felipe Vidal e Luciano Moreira (“Cabeça”)
                            Alexandre Elias (“Chica da Silva”)
                                              
Ator em musical: Hugo Bonemer (“Ordinary days”)  
                                               
Atriz em musical: Vilma Melo ( “Chica da Silva”)

Especial: Nós do Morro pelos 30 anos de atividade
             Tato Taborda pela criação musical de “Boa noite, professor”, “Céus” e “Imagina esse palco que se move”
                Eduardo Rieche pelo livro “Yara Amaral – Operária do Teatro”

Espetáculo: “Vaga carne”
                    “Gritos” 
                  “Cadernos de Kindzu"                                           

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Temporada 2016

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (7/12/2016)

Crítica/ “O teatro de sombras de Ofélia” 
Na expectativa de um teatro de ilusão
De uma caixa de ponto, a voz de Ofélia instruiu os atores a agir em cena, até que não há mais teatro e somente lembranças nas falas de Shakespeare e Tchecov. Sombras caem sobre o palco vazio e vida sem figura própria da agora velha sai emudecida de cena. Fábula infantil do alemão Michel Ende, a história da solitária Ofélia se confunde com a projeção de imagens movimentadas em contraluz que ilumina contrastes. A adaptação teatral de Jonas Klabin, que traduz em várias linguagens (manipulação, música, palavra, gesto) narrativa onírica, está centrada na técnica do teatro de sombras e no manejo da luz. É necessário dar existência ao escuro, penetrar no mistério do teatro e nas trevas do abandono. Ampliar sentimentos em miniatura com luminosidade ilusionista é o desafio de montagem para  sustentar o espírito artesanal de origem. A direção de Jonas Klabin procura unir tantos e tão variados elementos em espetáculo que se integre a variedade de seus meios, e crie envolvência de melodrama lírico e de tributo às artes cênicas. A tentativa é parcialmente alcançada pela equipe empenhada em encontrar unidade expressiva na diversidade das exigências. A direção musical, composição e arranjos de Thiago Trajano insuflam sonoridade poética e sublinham o desenho harmônico da direção de arte e cenografia de Bia Junqueira. As projeções de Barbara Castro e Luiz Ludwig e manipulação de Carolina Garcia se destacam na luz de Luiz Paulo Nenen. E as interpretações dos atores e músicos – Carolina Garcia, Frederico Cavaliere, Grasiela Muller, Maria Clara Valle, Pedro Gracindo, Rafaela Amado e Zé Azul – fazem coro para o andamento delicado. Apesar de todo esse arcabouço criativo e dos destaques da equipe, “O teatro de sombras de Ofélia” não alcança o impalpável da fantasia e volatilidade do sonho.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Prêmios

Prêmio Shell

Finalistas do segundo semestre
Grace Passô indicada como autora

Autor:  Grace Passô (“Vaga carne”)
            Felipe Vidal (“Cabeça”)

Diretor: Aderbal Freire-Filho (“A paz perpétua)
             André Curti e Arthur Luanda Ribeiro (“Gritos”)
             Ana Teixeira e Stephane Brodt (“Os cadernos de Kindzu”)                              

Ator:  Marcos Caruso (“O escândalo de Phillipe Dussaert”)                                     
          Thiago Catarino (“Os cadernos de Kindzu”)                                          
           Joelson Gusson (“Tran-se”)                              

Atriz:  Fernanda Nobre (“O corpo da mulher como campo de batalha”)                                    
           Vilma Mello (“Chica da Silva”)

Cenógrafo: André Curti e Arthur Luanda Ribeiro (“Gritos)
                   André Cortez (“Noés”)

Figurinista:  Marcelo Olinto (“A invenção do amor”)
                    Paula Stroher (“Tran-se”)

Iluminação: Renato Machado (“Uma praça entre dois prédios, próximo de um         
                                                chaveiro, grafites na parede e uma árvore”)
                    Paulo César Medeiros (“Imagina esse palco que se mexe”)                                

Música:   Felipe Vidal e Luciano Moreira (direção musical de                                              “Cabeça”)
                      Stephan Brodt e atores (música de “Os cadernos de Kindzu”)


Inovação: Rede Baixada em Cena pelo movimento de discutir a criação estética e o poder                    de mobilização de 18 coletivos de 13 cidades da Baixada Fluminense.

                 Grupo de Teatro da Laje pela criação da Escola de Teatro da Laje e residência                       artística na Arena Carioca Dricó em 2016.

                  Projeto Ocupação Rio Diversidade por fomentar a discussão em torno da                               identidade de gênero através do teatro.