Crítica do Segundo Caderno de O Globo (22/2/2017)
Crítica/ “Hortance,
a velha”
A ação que escapa pelo fio do telefone |
Hortance é uma mulher fora de lugar, distante no tempo, deslocada de qualquer realidade. Velha, evoca o passado como se fosse a única possibilidade de presente. Vivendo do que restou de um cabaré falido, conversa com a irmã, uma interlocutora ausente, que a escuta como um simulacro da plateia, a falar de antigos frequentadores de sua casa de prazeres. No delírio, relaciona os nomes de notáveis fregueses, que tanto pode ser Shakespeare, quanto Getúlio Vargas ou Stalin. Não se trata apenas de uma louca, mas de alguém identificada com a decadência, simbolizada pela companhia mal cheirosa de uma gambá. Menos absurdos do que arbitrários, as situações e o contexto desse monólogo de Gabriel Chalita parecem inspirados em uma vaga peça francesa do final do século 19, que aportuguesa na grafia do nome da personagem a sua pronúncia original. Tudo se mostra híbrido como concepção narrativa e falso como tradução cênica, deixando expostas as fraturas da pretendida comédia e as fragilidades das referências. O diretor Fred Mayrink embalou a montagem em cenário aparatoso de Juliana Carneiro e iluminação sombreada de Paulo Brakarz, na tentativa de criar atmosfera de fim de linha, que de outra forma, o texto ressalta apenas na superficialidade de suas intenções. A imobilidade da trama é ativada pela direção com a constante, e nem sempre justificável, movimentação da atriz, levada a ocupar os espaços do palco e a manipular objetos. Atender ao telefone e driblar os pingos de uma goteira são gestos recorrentes na procura de ativar a ação. Grace Gianoukas se desincumbe da tarefa com o humor característico de comediante e a dramaticidade expansiva de atriz. Predomina o temperamento da intérprete cômica e da humorista performática que se confirma, para não deixar dúvidas de qual é o seu verdadeiro estilo, no postiço número de plateia.