segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Retrospectiva da Temporada 2014

Pensamento cênico e pesquisa autoral

Paralelismo na imagem de teatro e cinema 
Foi um ano de coerência estética e evolução técnica de trabalhos para os que se demonstraram melhores no prosseguimento de pesquisa autoral e reavaliação de métodos. Os poucos destaques surgiram de investidas em encenações que refletiram tentativas de traduzir pensamento cênico e dramática consequente, confirmando assinaturas e apontado perspectivas. Christiane Jatahy desenvolveu em E Se Elas Fossem Para Moscou?, com maior segurança e sofisticação de meios, a sua inquieta pesquisa na construção de dramaturgia que dialoga com o teatro e o cinema. O texto de Tchecov é submetido a estrutura cineteatral, em que a simultaneidade entre o teatro editado como filme e o tempo paralelo de realização e exibição, ainda que autônomos, se integram com recepções independentes. Gustavo Gasparani que circula com intimidade entre as criações da Cia. dos Atores e os musicais, demonstrou como se apropriar de códigos expressivos tão extremados, tanto como ator, quanto como diretor. Em Ricardo III, o intérprete, atravessa com recursos mínimos e intensa comunicabilidade a complexidade da narrativa e do contexto histórico da tragédia de Shakespeare. Como diretor e roteirista de Samba Futebol Clube coordena equipe de apuro técnico, ginga afiada e humor inteligente para transformar os maiores clichês da nacionalidade em um musical de genuíno sotaque brasileiro. Irmãos de Sangue, a décima montagem da Cia. Dos à Deux em 16 anos de atividade entre a França e o Brasil, provou, uma vez mais, o crescente depuramento do silêncio do movimento para alcançar sua dimensão poética, e do desenho gestual e da ação física para construir imagens da memória.
Numa temporada em que o realismo, dubiedades existenciais e os europeus ocuparam grande parte do cenário dramatúrgico, a pedofilia surgiu como tema explorado em visões que se aproximam pelo tratamento cuidadoso, mas nem sempre bem sucedido. Blackbird, Adorável Garoto e Funeral se equilibram na pesada balança do entrecho psicológico. O irlandês Samuel Beckett marcou presença em Tríptico, encenação de Roberto Alvim, que percorre, através de sombras sutis, as reverberações de ruídos dissonantes do autor irlandês. Duas Vezes Mattei lançou com direção de Gilberto Gawronski, dois textos curtos do romeno Matéi Visniec, que manipula a linguagem formal como veículo corrosivo da palavra. O inglês Mike Bartlett com Contrações teve na direção de Grace Pasô, no cenário de André Cortez e na interpretação de Yara de Novaes, tradução impecável. O dinamarquês Thomas Vinterberg, que escreveu O Funeral,  encontrou a mesma tensão do seu texto no palco com a direção de Bruce Gomlevsky. Os autores brasileiros ficaram mais retraídos, com exceção para a dupla presença de Renata Mizhrai (Silêncio! e Galápagos).
Time de sucesso na torcida por um musical original
Os musicais, em especial os biográficos, prosseguiram no seu circuito comercial de gordos patrocínios e repetição de fórmulas. Em pesquisas rotineiras e reverentes homenagens, algumas um tanto mais elaboradas cenicamente, sucederam-se nomes tão diversos e separados pelo tempo e repertório: Cássia Eller, Chico Buarque, Chacrinha, Agnaldo Rayol, Cyro Monteiro. Os musicais que fugiram do convencional tiveram melhores resultados, como a adaptação teatral de As Bodas de Fígaro e a experimentação, ainda que frustrada, de Edypop. Mas pela integração de pesquisa, roteirização e montagem, Samba Futebol Clube balizou com alegria e rigor outras sentidos para essa escalada febril do gênero em nossos palcos.
A nacionalidade reconfigurada pela literatura

Os muitos festivais espalhados pelo país se ressentiram das verbas mais curtas e de um certo esgotamento e acomodação nas suas grades de espetáculos. A novidade ficou como a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MIT SP) que já na primeira edição revelou ambição, anunciada por seleção ousada, como a de Gólgota Picnic, de Rodrigo Garcia, na sua irônica crueza e ambientação sensorial de símbolos cristãos e consumistas. Ou da instalação performática de Angélica Liddell de Eu Não Sou Bonita e da versão do lituano Oskaras Korunovas para Hamlet. O festival Mirada, do Sesc-Santos, com curadoria criteriosa, apresentou Puzzle (a), a primeira parte do quebra-cabeça lítero-teatral do diretor Felipe Hirsch, que provocou estrondo na Feira do Livro de Frankfurt em 2013 com seus dardos verbais e exposição contundente e contestatória da vida brasileira reconfigurada pela literatura. O festival carioca Tempo manteve as performances e os processos como eixo curatorial, mas a Chelfisch Theater Company de Tóquio com encenação do diretor Toshiki Okada provocou impacto com o seu hibridismo cênico, que mistura texto e movimentos corporais radicalmente desconectados. A vinda de Bob Wilson ao Rio, depois de décadas, com The Old Woman, sintonizou a plateia carioca ao esteticismo de som e luz do encenador americano. 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (24/12/2014)

CríticaAs Bodas de Fígaro 


Dinâmica alegre e ritmada na farsa da convivência

O maior mérito da montagem de Daniel Herz para a comédia oitocentista do francês Beaumarchais, sonorizada pelas músicas da ópera homônima de Mozart, é o de ressaltar o melhor do texto e transcrever a excelência da partitura. Da junção de elementos de tão forte origem e tradicionais cânones, o diretor de cena  Leandro Castilho, diretor musical e versionista das letras de Mozart e Da Ponte, recondicionaram em linguagem teatral única a trama ardilosa e os tons clássicos. A ação farsesca, que apoia o sentido crítico a comportamentos e costumes nas relações sociais da época, concentra-se em Fígaro, que assume o papel daquele que, com esperteza, dribla os poderosos, apontando para a arbitrariedade de direitos. A versão cênica de Herz ressalta as artimanhas do personagem e reveste de desencontros e conciliações a tentativa incansável de manter a ordem hipócrita da convivência. Investe na comédia, apropriando-se  de suas várias manifestações, numa dinâmica alegre e ritmada do ridículo apontado pela farsa, pelo jogo de disfarces do vaudeville e pela agilidade do humor popular. A ambientação que evoca um sarau musical, com o elenco vestido com o sugestivo figurino de Antonio Guedes e tocando os instrumentos que acompanham as suas interpretações, envolve e determina a escolha bem sucedida de utilizar como contraponto a obra mozartiana. A boa tradução do texto de Barbara Heliodora encontra na habilidosa versão das letras e na introdução de referências nacionais às composições operísticas, assinadas por Leandro Castilho, unidade expressiva que insufla comunicabilidade e atraente agilidade ao espetáculo. Ainda que esse quadro seja, crescentemente, valorizado ao longo da narrativa, no início, até que se estabeleça o código da encenação e que a plateia o domine, a montagem surge um tanto desfocada da nitidez ágil e cômica que se segue. Os atores, nem todos músicos, projetam a difícil partitura com a precisão necessária ao diálogo com a atuação. Neste conjunto de harmoniosa intensidade, mesmo os que têm menor intimidade com a execução instrumental, compensam com a voz cantada e  interpretações afinadas as eventuais limitações. Leandro Castilho é um Fígaro mais malemolente do que arteiro. Carol Garcia mostra segurança ao cantar e poucos recursos como a maliciosa  noiva Suzana. Ernani Moraes, menos dotado ao canto, brinca com a truculência e ingenuidade do Conde de Almaviva. Tiago Herz tem a seu favor a juventude no desempenho de Cherubino. Alexandre Dantas assegura participações sempre divertidas. Ricardo Souzedo, Adriano Saboya e Carolina Villar marcam presença em papéis mais circunstanciais. Claudia Ventura imprime conotação farsesca aos calores de Marcelina e Solange Badin cria com bem medido tom cômico as estripulias amorosas da Condessa de Almaviva.   

domingo, 21 de dezembro de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (21/12/2014)

Crítica/ Agnaldo Rayol – A Alma do Brasil

Biografia fotográfica sem história 

E mais uma vez, repete-se o que já foi tanto visto, ainda que o musical Agnaldo Rayol – A Alma do Brasil mostre pequena variação dos demais.        Biográfico como muitos outros, se diferencia pelo fato de não ter biografia, já que ao personagem não corresponde qualquer história que o identifique para além do repertório que canta e dos programas de rádio, televisão e filmes dos quais participou na carreira. O roteiro de Fátima Valença segue a cronologia das apresentações, da infância na Rádio Nacional a shows de televisões e cinema paulistas, ilustrada por mais de duas dezenas de canções, que se estendem da Jovem Guarda a versões de sucessos internacionais. Em sequência de letras românticas e interpretações de tenor arrebatado, revisa a agenda musical de Agnaldo Rayol, com pequenas introduções a cada quadro que apoiam, timidamente, os números. Há uma monocromia narrativa, em que a reverência cristalizada e a fotografia de pose estática, fixadas como fenômeno de personalidade vocal de traço único, parece ser o se pode esperar da longeva participação do intérprete na vida artística nacional. Roberto Bomtempo revestiu a direção do aspecto de show teatralizado, conduzido como percurso alinhado de canções, entrecortado por figuras ilustrativas e circunstanciais, simples escadas para dar seguimento à exibição do homenageado. Elimina-se qualquer possibilidade de desenhar personagens, que o texto sequer esboça, em favor de caricaturas como as de Ângela Maria e Lana Bethencourt, Erasmo Carlos e Renato Corte Real, coadjuvantes do tributo a voz e imagem uniformemente reproduzidas. O cenário de Flávio Graff envolve o palco com rendilhado, criando atmosfera de romantismo popular como as canções que se ouvem. O figurino, também assinado por Graff, complementa nos ternos bem ao estilo dos usados por Rayol e nos brilhos, que servem à exuberância do vestido de Hebe Camargo, o visual levemente crítico. A direção musical de Marcelo Alonso Neves imprime qualidade ao repertório eclético do cantor, não só pelos arranjos bem cuidados, como pelo trio – Thaís Ferreira (violoncelo), Affonso Neto (bateria) e Christina Bhering (regência e piano) – que valoriza, sem trair, variadas sonoridades. O visagismo de Beto Caramanhos contribui, decisivamente, para a composição de alguns dos tipos, como os de Hebe e Ângela Maria, além de acentuar a semelhança física do ator que interpreta Agnaldo Rayol. Fabrício Negri marca presença como o apresentador Renato Corte Real, e Mona Vilardo como a Miss Brasil Therezinha Morango. Stela Maria Rodrigues imita com bom humor falas e trejeitos de Hebe Camargo. Marcelo Nogueira explora  as semelhanças de tipo físico e timbre vocal como Agnaldo Rayol, tornando ainda mais verossímil o caráter fotográfico que domina a montagem.               

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Prêmios

Prêmio Cesgranrio

Finalistas do segundo semestre

Susana Faini indicada como atriz de Silêncio!
Diretor: Bruce Gomlevsky (O Funeral)
             Isabel Cavalcanti (Galápagos)
             Daniel Herz (Bodas de Fígaro)
            
Ator: Mario Borges (A Estufa)
         Xando Graça (Fazendo História)
         Cândido Damm (Vianinha Conta o Último Combate do Homem Comum)

Atriz: Susana Faini (Silêncio!)  
          Andrea Beltrão (Nômades)
          Ana Beatriz Nogueira (Uma Relação Pornográfica)
        
Cenógrafo: André Sanches (Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir)
                   Daniela Thomas (Beije Minha Lápide)
                   Rogério Falcão (Os Saltimbancos Trapalhões)

Iluminador: Renato Machado ( Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir)
                   Maneco Quinderé (Uma Relação Pornográfica)
                   Maneco Quinderé (A Dama do Mar)

Figurinista: Claudia Kopke (Chacrinha)
                   Kika Lopes (Ópera do Malandro)
                   Luciana Buarque (Os Saltimbancos Trapalhões)

Autor: Renata Mizhrai (Silêncio!)
           Renata Mizhrai (Galápagos)
           Jô Bilac (Beije Minha Lápide)

Diretor musical: Leandro Castilho (Bodas de Fígaro)
                          Marcelo Alonso (Agnaldo Rayol – A Alma do Brasil)
                          Tim Rescala (O Pequeno Zacarias)

Ator em musical: Marcelo Nogueira (Agnaldo Rayol – A Alma do Brasil)
                            Leo Bahia (Chacrinha)
   
Atriz em musical: Stella Maria Rodrigues (Agnaldo Rayol – A Alma do Brasil)
                             Claudia Ventura (Bodas de Fígaro)
                             Solange Badim (Bodas de Fígaro)

Especial: Cia de Teatro Manual pelo estudo do espaço cênico através da                                                                  Plataforma na montagem de Hominus Brasilis
                Espaço Cultural Escola Sesc pelo conjunto de ações e formação no teatro do Rio de Janeiro

Espetáculo: O Funeral  
                    Bodas de Fígaro

                    Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir