sábado, 18 de dezembro de 2021

Boulevard Palace


Hospedagem musical em estadia nostálgica


Por oportunidade, marketing ou coincidência, “Copacabana Palace – o musical” reabre o teatro do hotel depois de 27 anos fechado e aos 72 da sua inauguração. O espetáculo, que ocupa o palco do edifício, que os identifica pela denominação comum, devolve ao circuito teatral carioca um espaço que esteve abandonado, servindo de depósito de objetos sem mais serventia aos luxos da hospedagem. Extensão arquitetônica da construção suntuosa e prolongamento dos serviços hoteleiros, ao menos como marca, o teatro tem imagem, indissoluvelmente, ligada à localização e ao repertório programático. O bom gosto e a leveza eram requisitos das encenações para atender a um público que pagava os ingressos mais caros da cidade. Companhias como Os Artistas Unidos, nos primeiros 10 anos, produções de Oscar Ornstein  (relações públicas do hotel) no período seguinte, e montagens avulsas até o encerramento, mantiveram o caráter comercial do que se apresentava, e semelhante padrão artístico. 



Os programas, vendidos a bom preço, eram em papel couché, com texto sem maiores informações, fotos do elenco, e muita publicidade dirigida a elite consumidora da plateia. Eram anúncios de companhias aéreas, coiffeurs, lojas de tecidos que, algumas vezes, em permuta, vestiam atores e atrizes com ternos impecáveis e roupas elegantes. No início da década de 1950, os grupos franceses que visitavam a América do Sul, se mais modestos que a Comédie Française, não eram abrigados no Municipal, mas no Copacabana. O crítico Sábato Magaldi do Diário Carioca, acompanhou essas vindas, comentado a fixação do gênero boulevard como estilo predominante. André Roussin, autor que  dominava o gênero e marcava essas temporadas, teve sua dramaturgia sintetizada por Sábato como a de peças em que “na escolha entre o risco e o sucesso mais fácil, ele prefere o sucesso, não quer inquietar o público”. Os boulevards e a política de apaziguar o espectador seriam base para o funcionamento da casa por anos. Roussin deixou filhotes brasileiros que escreviam tramas de casais trocados e malícia moralista dos modelos originais. Franceses, brasileiros ou americanos, os títulos não deixavam dúvidas sobre o alcance pretendido: “As loucuras de mamãe”, “A cegonha se diverte”, “A lógica da bigamia”, “Boeing Boeing”, “Society em baby doll”, “Um amor suspicaz”, “Orquídeas para Cláudia”. 


Fernanda Montenegro ao lado de Leonardo Villar em "Mary Mary" (1963): a atriz estreou          profissionalmente no palco do Copacabana em "Alegres canções na montanha " (1950)


Desvio do Copacabana da sua “vocação”  no binômio “público seleto-comédia ligeira”, foi cometido pelo Teatro dos Sete. Escorado pelo êxito de “O Mambembe”, o grupo ousou montar “Cristo Proclamado”, texto de Francisco Pereira da Silva de contornos políticos sobre retirantes nordestinos. Rejeição absoluta no cenário de poltronas  e cortina de veludos verdes. Saiu de cartaz em 16 dias. A planta original do teatro nos anos 50 refletia à exatidão o  período e as prioridades, obrigatórias, ou não, da administração. Anotações sobre cadeiras cativas, discriminava parte das filas A e B para a Polícia de Diversões e Censura, enquanto ao Barão Saavedra cabiam cinco lugares na fila B, e a um desconhecido Sr. Castro restavam outras cinco poltronas, mas apenas na fila E. As sessões, por três décadas, cumpriam horário rígido: de terça a domingo às 21h30, com exceção de sábado com horário duplicado (às 20h e 22h). Vesperal às quintas (a preços reduzidos), às 16h e domingos às 17h. A obrigação comercial de manter o público fiel para tanta oferta e tornar rentável os 322 lugares da plateia e os 64 do balcão, era a manutenção de repertório que não fugisse das comédias de situação. Exceções aconteciam. Pirandello e Bernard Shaw sobrevoaram o histórico homogêneo do divertissement, assim como Georges Bernanos, Tennesse Williams e Mauro Rasi. O agora reformado e  tecnicamente bem apetrechado teatro, mantém a aparência elegante e chique, sustentada no passado. O atual espetáculo não tem a leveza, acabamento e brilho que pretende associar ao edifício que retrata. Para que linguagens cênicas, sejam musicais ou boulevards, resistam ao tempo, há que avaliar o uso e peso da nostalgia e do escapismo. E nessa fortuita simbiose de morada e memória, tudo parece tão datado e requentado em fogo fraco, mas que não nos deixa esquecer que o teatro era outro, e glamour e luxo não eram palavras em desuso.