quinta-feira, 31 de março de 2011

Palco Nostálgico


Crítica de A Lição e A Cantora Careca (1982)
A farsa na sala de visitas
Como poucos autores no teatro contemporâneo, o romeno Eugène Ionesco utilizou o código verbal, especialmente aquele utilizado para a comunicação no cotidiano para demonstrar o vazio das relações humanas submetidas à rotina. As palavras revelam, na monotonia e na repetição em que são ditas, o esvaziamento do contato humano, reduzido a um ritual de formalidades, a um ato de convivência oco. Ionesco quando esteve no Brasil (em agosto de 1982) fazendo conferências, deixou clara a sua fidelidade a esse culto à palavra como aparência, e mostrou sua obstinação em explorar cada frase até as últimas conseqüências.
Em A Lição (1950), a aula particular entre a aluna que pretende o doutoramento total, e o professor, que tem dificuldades em ensinar-lhe as operações mais elementares, tudo sob a presença vigilante da governanta, os conceitos são expressos num jogo de palavras alucinatório. Cada frase  tem uma réplica que acumula um equívoco, que é retomado pelo interlocutor que o devolve num moto contínuo que se prolonga por toda a duração da peça, interrompido apenas por um acontecimento inesperado no final. Já em A Cantora Careca (1949), o paroxismo das frases feitas e das situações constrangedoramente triviais é levado ao extremo da exploração vocabular, inclusive com a repetição de nomes e do jogo social, numa ambientação que reflete qualquer sala de visitas da classe média. 
A consistência com que Ionesco explora a sua perseguição à palavra, de que  A Lição e A Cantora Careca são exemplos irretocáveis, permite que se tenha uma boa perspectiva deste autor, cuja obra vista como um todo revela arraigada ligação com alguns valores estratificados. Mas com temperamento de um verdadeiro criador, Ionesco consegue transcender com a boa escrita e a qualidade de sua dramaturgia - especialmente nessas duas peças curtas – os compromissos com o ultrapassado. E Ionesco não tem  o menor pudor em  em reafirmar essas posições. Uma delas, que fez questão de expor  minuciosamente na visita ao Rio, é a de que o diretor de qualquer de seus textos deve-lhe ser fiel. Não admite interpretações, extrapolações e invencionices, que ele considera fatores que obscurecem a obra. Luís de Lima, tradutor, diretor e introdutor de Ionesco no Brasil, como bom discípulo, respeita o mestre.
Nesse Espetáculo Ionesco mantém-se fiel ao espírito e à forma das duas peças que o compõe sem contudo abdicar de criação própria. O excesso de intimidade de Luís de Lima com a obra de Ionesco faz com que ele dirija o espetáculo com a facilidade da convivência de muitos anos. Nada tem mistério para Luís e o Espetáculo Ionesco flui com o ritmo e a maciez dos movimentos de uma cadeira de balanço. Em A Lição, essa intimidade é mais reveladora, já que tanto Luís, no papel do professor, quanto Camila Amado, no da aluna, viveram os mesmos personagens algumas vezes nos últimos 20 anos. Luís de Lima está à vontade, tirando de letra um papel ao qual sempre consegue acrescentar mais requintes. Camila Amado está ótima, com um tempo cômico que há muito ela não tinha oportunidade de exercitar. Ariel Coelho, com sua voz grave e presença bizarra, não acompanha com a mesma intensidade o dueto agitado e divertido do casal de atores.
Em A Cantora Careca, Luís de Lima soube acentuar o humor do texto, puxando a direção para o tom farsesco. E dentro desta linha, os atores se entregam com muita disposição, especialmente Tais Moniz Portinho, que não tem a menor dificuldade em se envolver com esta proposta.  Ariel Coelho não consegue resolver tão bem seu papel, enquanto Luís de Lima carrega na mão, caricaturando um pouco demais. Sura Berditchevsky com seu rosto expressivo, marca bem  a sua Mrs. Martin. Lupe Gigliotti está divertida como a empregada e Grande Otelo, como o bombeiro, prova que está para além da conceituação de ator. Otelo é uma personalidade, um temperamento  de palco, difícil de ser classificado. Visivelmente com pouca intimidade com o texto, dá a volta por cima, superando a sua dificuldade em decorar uma longa fala, tirando um papel do bolso, que lê com muito humor. De tudo, Otelo sabe tirar um efeito teatral. Marcante.
O cenário de Gilberto Vigna (também assina os corretos figurinos) aproveita muito bem o palco do Teatro Delfin, além do que é bastante elegante na sua simplicidade (alguns biombos que têm o revestimento trocado de uma peça para outra).
Espetáculo Ionesco é uma recomendação sem erro, já que pertence àquela categoria de montagem a que estávamos desacostumados: correta e sem preocupações de mudar nada. Apenas de manter a atividade teatral no plano da informação cultural, divertindo com rigor profissional.
  
  
macksenr@gmail.com

terça-feira, 29 de março de 2011

13ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ A Escola do Escândalo

Crônica do convívio maledicente
O que esta comédia inglesa do século XVIII nos transmite hoje, ao ser encenada, traduzida e adaptada por Miguel Falabella, é a de constatar que a maledicência e a fofoca resistem ao tempo. E de que na Inglaterra da época do autor irlandês Richard B. Sheridan, o teatro era um veículo popular de diversão. Ao assistí-la no palco do Espaço Tom Jobim, percebe-se que o disse-me-disse e a bisbilhotice permanecem potencialmente vivos, mas será que levam a plateia ao riso e a provocar alguma relação nesses nossos tempos de exposições sem pudores? As possibilidades de atualização desta crônica de uma certa prática social se mostram um tanto restritas nesta atualização à cena da atualidade. Com diálogos que acentuam coscovilhices e má-língua numa trama em que se apontam falsas  identidades e moralidades duvidosas, o espírito das comédias populares num enquadramento narrativo tradicional é o que parece ter atraído Miguel Falbella. Para o público se mostra uma escolha de difícil tradução pela previsibilidade do entrecho e da pouca elasticidade do humor de há três séculos transplantado para o tempero popularesco adotado pela direção. Produção bastante cuidada, com visual atraente, perceptível já à entrada da sala de espetáculos, com uma bela boca de cena . A cenografia de Lia Renha, com lustres e telão de fundo com desenhos que se modificam em seguidas projeções, e os figurinos de Emilia Duncan, com toques levemente caricatos, que comentam o caráter farsesco dos personagens, ilustram o amplo palco do Tom Jobim. A iluminação de Orlando Schaider e o coreográfico trabalho corporal de Marcia Rubin são outros dos atrativos da elaborada, ainda que um tanto frustrada, montagem. O elenco atua sob a indicação do humor direto, sem intermediações ou filtros. Ney Latorraca, depois do prológo hesitante, supera a tendência exibicionista como o comendador. Maria Padilha se desequibra entre o arrivismo da moça do interior e o tom choroso do arrependimento final. Guida Vianna tira partido da malícia da tia que desenrola a trama. Rita Elmôr e Edi Botelho sustentam seus papéis com composição física. Chico Tenreiro, com figurino que traduz em roupa o nome de seu personagem, faz um tipo caricatural. Bruno Garcia e Armando Babaioff se complementam como os irmãos. Bianca Comparato é a mocinha, e Jacqueline Laurence a  senhora maldizente.       


Crítica/ A Lição & A Cantora Careca

A linguagem como simulacro dos costumes
Essas duas peças curtas do romeno Eugène Ionesco, estreadas no início dos anos 50, podem ser consideradas “clássicas”, seja  historicamente, seja  como fundadoras do que se convencionou classificar como “teatro do  absurdo”. A volta a tais exemplares desta linha dramatúrgica deixa à mostra as qualidades dos textos e a permanência de seu efeito crítico sobre variadas convenções. Ionesco não fica na crítica à formalização de aspectos da vida social ou na reiteração da linguagem como simulacro dos costumes e das aparências. A linguagem, representada por diálogos que capturam a convivência estendida até à vizinhaça da banalidade, decompõe a lógica da linearidade. Em A Lição, o conhecimento não obedece à didática do acúmulo, mas à descompressão de sua eficácia. Em A Cantora Careca, o jogo social é subvertido pelas suas próprias regras restritivas. Os personagens não se comportam como prevêem as suas características exteriores. O professor recondiciona o saber para a aluna que o absorve como uma torrente de palavras. A família e as suas visitas não se reconhecem a si mesmas, apesar de os rituais de bem receber sejam o código que os identifica. Ionesco manipula os gêneros teatrais, como pudessem ser embrulhados nas sua própria gramática. Os elementos dramáticos introduzidos no desfecho de A Lição, e na boutade que se refere à cantora do título, talvez possam ser considerados, senão destoantes do corpo do texto, pelo menos sofreram algum desgaste com o tempo. Mas, tanto uma quanto outra, merecem o epíteto de “clássicas” pelo brilho dos diálogos e pelo aspecto definitivamente inovador de sua gênese. A direção conjunta de Camilla Amado e Delson Antunes não procura encorpar cenicamente as peças para além de suas rubricas, que chegam ao palco do Teatro Maison de France na íntegra. A dupla não avança qualquer invenção ou rota de fuga do que escreveu o autor, desenhando montagem fluente e bem acabada, sem tentar suavizar a sua verbosidade. (Há que lembrar que o espectador atual está cada vez mais impaciente para “ouvir”). É possível considerar que Nelson Xavier como o professor talvez pudesse imprimir mais autoridade ao que diz. Ou que o mesmo Xavier e Cecil Thiré, Thelma Reston, Renata Paschoal, Maria Gladys e Roberto Frota pautassem um pouco mais as suas interpretações como um exercício estilístico de humor. Mas o temperamento dos atores e a linha de atuação impressa pelos diretores conduziram o espetáculo para esses contornos. E por esta opção, cumprem-se o pretendido, afinal, Ionesco está  em cena, sem retoques.     


 Cenas Curtas

Estréias de abril


 Dia 1 – 45 Minutos – Monólogo escrito por Marcelo Pedreira, um dos autores da nova dramaturgia carioca, propõe o desafio ao ator Caco Ciocler de, sem uma trama ou personagem para se apoiar, entreter o público no exato tempo do título. Esse mote narrativo desenvolve as possibilidades da cena sem drama. A direção é de Roberto Alvim, um encenador cuja linha de trabalho está voltada ao teatro pós-dramático. Teatro Sesi.
Dia 1Um Dia Como os Outros, de Agnès Jaoui, e Cozinha e Dependências, de Jean-Pierre Bacri. – Em dias alternados, essas peças de autores franceses marcam a estréia da atriz Bianca Byington na direção. Leonardo Netto co-dirige. No elenco de ambas estão Kiko Mascarenhas, Leandro Castilho, Márcio Vito e Silvia Buarque. Analu Prestes participa apenas de Um Dia Como os Outros. Teatro Poeira. 

Dia 2Ay, Carmela – O dramaturgo espanhol Jose Sanchis Sinisterra situa a ação durante a Guerra Civil quando dois atores são obrigados a montar espetáculo exaltando a trincheira fascista do confronto. Montagem paulista, dirigida por Marco Antônio Braz, estreou em São Paulo há quatro anos com os mesmos atores: Kiko Marques e Virgínia Buckowski. Sesc Rio Casa da Gávea.  

Dia 7Tempo de Comédia – O inglês Alan Ayckbourn satiriza  os bastidores da televisão, através do amor futurista entre um roteirista e uma atriz andróide. Esta produção paulista é assinada por Elaine Fonseca, com Julia Carrera, Eduardo Muniz, Arnaldo Marques, Cris Larin, Bia Borin, Gustavo Damasceno, André Frazzi, Lívia Guerra, Ricardo Ventura e Lívia Lisboa no elenco. Teatro Sesc Ginástico.

Dia 8Ninguém Falou Que Seria Fácil – O texto expõe as relações que se estabelecem entre dois atores (Felipe Rocha e Renato Linhares) e uma atriz (Stella Rabello) em disputa por atenção, carinho e espaço. A comédia de Felipe Rocha, com direção de Alex Cassal, é a segunda produção do grupo Foguetes Maravilha. Teatro Maria Clara Machado.

Dia 8A Dona do Fusca Laranja  - A “performance-instalação que acontece dentro de um fusca”  tem dramaturgia de Jô Bilac e direção de Fábio Ferreira. A atriz Camila Rhodi, que reproduz no palco fato ocorrido no seu cotidiano, dialoga em cena com várias linguagens expressivas, e circula de carro pela cidade com três espectadores, antes do início do espetáculo no teatro. Oi Futuro Flamengo.

Dia 14Memória da Cana – A consagrada adaptação de Newton Moreno de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues para o universo pernambucano da obra de Gilberto Freyre chega ao Rio, depois de participar, com êxito, de vários festivais e de longa temporada em São Paulo. A montagem comemora os 10 anos de fundação do grupo Os Fofos Encenam, liderado por Moreno. Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil.  

Dia 15Murro em Ponta de Faca – Escrita em 1971 por Augusto Boal, o texto reflete a dramaturgia de intervenção da época que investia contra a ditadura vigente. Com produção e atores de Curitiba, a encenação é assinada por Paulo José, o mesmo diretor da primeira versão. Espaço Sesc

Dia 15A Estupidez – Texto do argentino Rafael Spregeburd  faz crítica ácida sobre a estupidez humana. A montagem do grupo Os Dezequilibrados tem direção de Ivan Sugahara e Cristina Flores, José Karini, Letícia Inard e Saulo Rodrigues no elenco. Teatro II do Centro Cultural do Banco do Brasil.

Dia 19 - A Olho Nu – Com texto e direção de Duda Gorter, essa tragicomédia interpretada por Rose Abdallah e Alexandre Dantas, lança a pergunta: Como lidar com uma situação-limite? Para respondê-la, Duda Gorter afirma “procurar o ridículo como teatralidade”. Teatro dos Quatro.

Dia 19Negro Relâmpago Perpetuamente Livre -  Diálogo poético entre Pablo Neruda e Federico Garcia Lorca que ecoa os anos que compartilharam boêmia, confidências afetivas, arte e política. Escrita e dirigida por Claudio Castro Filho e com interpretação de Claudio Serra, a montagem do Teatro do Acúmulo “investiga as relações entre o ator e o sistema de objetos, buscando (…)o espetáculo-poema”. Espaço Sesc
  
O que há (de melhor) para ver

As centenárias – Agora em um palco bem mais amplo do que o da estréia há três anos no Teatro Poeira, a dupla de carpideiras, criada por Newton Moreno, vive o embate com a morte na tentativa de driblá-la. As duas se utilizam de artifícios para tentar, com astúcia e  esperteza, se desviarem da inevitabilidade da ameaça onipresente, percorrendo rituais do fantástico sertanejo. Marieta Severo e Andréa Beltrão mergulham no universo nordestino como as carpideiras com movimentação corporal e detalhamento vocal, que se estende da juventude à senilidade. Interpretações inteligentes e comunicativas em encenação que emoldura a cultura popular sem folclorizações. Teatro João Caetano.
  
Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.
Romeu e Julieta em sala de aula
R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos. Teatro Carlos Gomes.




sábado, 26 de março de 2011

Festivais

Mostras conquistam território

Presença do lituano Eiumuntas Nekrosius no Poa em Cena
Os festivais de teatro ocupam, praticamente, todo o território geográfico. Regionais, nacionais, internacionais, provocadores em áreas em que a atividade cênica é mais ativa, com maior ou menor identidade própria, reunindo curadorias em sintonia com a criação reflexiva, refletindo dúvidas sobre as perspectivas da linguagem, as mostras estão deixando de ser apenas exibição de montagens para conquistar, em paralelo à sua incontornável multiplicação territorial, espaços de dissonâncias e (des)integração de meios expressivos. De janeiro a dezembro, o calendário deixa poucas datas disponíveis para que os festivais não se atropelem e que a grade de espetáculos tenha a individualização necessária para fazê-los únicos nacionalmente e marcantes em suas regiões. Muitos atrelados a secretarias de cultura, alguns com patrocínio de empresas públicas e privadas, integrando editais que os incluem como categoria passível de concorrer anualmente à distribuição de recursos, têm presença na cena brasileira desde os anos 60. O mais longevo, o Filo (Festival Internacional de Londrina) se mantém, sem interrupções significativas, há 45 anos. Nascido como plataforma política, enfrentou o período da ditadura em resistência cultural que possibilitou a fundação do grupo Proteu, em torno do qual surgiriam outros coletivos, como o Armazém. Fiel à sua origem, o Filo sustenta a vocação para uma cena de viés político, com o convite renovado a cada ano para que se apresentem na cidade paranaense, tradicionais elencos da América Latina.
Igualmente veterano, pelo menos em anos, o Festival de Teatro de São José do Rio Preto chega 2011 à sua 42ª edição. Não poderia ter surgido de modo mais tradicional, já que nos primeiros tinha caráter competitivo e amador, e somente há 10 anos adquiriu abrangência internacional e incorporou crescente procura de capturar outras pulsões de teatralidade. O mais jovem, o Festival de Artes Cênicas da Bahia, com apenas três edições, ainda está em busca da sua impressão digital, mas desde a partida demonstra que não pretende ser somente reprodução regionalizada de outras mostras. Nehle Franke, um de seus curadores, resume o caráter que imprime à programação, como “inquietante”. O que é plenamente constatável pela seleção, que privilegia a diversificação de tendências e a pluralidade cultural. “Na última edição, o Fiac trouxe a Salvador a maioria de grupos da América do Sul, mas conectados com o mundo. Mais do que reflexos de realidades regionais, estão ligados à inquietude estética”. 

 Antunes Filho levou a Curitiba a sua visão de Carmen Miranda  
O Festival de Curitiba, que desde a sua primeira edição, em 1992, acrescentou ao formato tradicional a utilização do marketing cultural, foi  pensado pelo trio de jovens empresários que o organizou como um “negócio”. A linha curatorial seguia paralela à idéia de “promoção” e de divulgação da própria mostra como produto teatral. A conceituação temática para cada ano, obedecia a generalidades, como “os encenadores”, “o espetáculo”, para abrigar os nomes mais sonantes da década de 90. Gerald Thomas, Antunes Filho, Moacyr Góes, Gabriel Villela, Eduardo Tolentino foram a Curitiba com suas produções, publicitando e consolidando a imagem do FTC. Com o acréscimo do Fringe, que reproduz a mostra paralela inspirada no Festival de Edimburgo (no primeiro ano foram sete espetáculos, e em 2010, 350), Curitiba ganhou mais musculação, ao menos numericamente. Leandro Knopholz, diretor geral, afirma que “o festival lança tendências do que virá no segmento de cultura e entretenimento. Somos o prêt-à-porter da cultura”. Curitiba parece estar sedimentando sua vocação inicial, e apesar de ter excluído espetáculos internacionais a partir de 2005, quando apresentou a radicalidade de François Tanguy e seu Thêatre du Radeau, procura um ponto de inflexão para essa vertente. Knopholz pretende “buscar o inusitado” e inserir Curitiba no circuito de festivais internacionais, além de promover um “ grande show de música e competição de fogos de artifício”, ao longo dos próximos festivais.           
Porto Alegre em Cena está integrado ao circuito internacional dos festivais pela sofisticação com que seleciona a participação estrangeira nos seus 18 anos de existência. A cidade já se habituou a ter à disposição cartela refinada de opções que variam de Peter Brook a Pina Bausch, de Ariane Monouchkine a Eimuntas Nekrosius, de Bob Wilson a Patrice Chereau, do Volksbühne Theater ao La Fura dels Baus, de Isabelle Hupert a Norma Aleandro. Luciano Alabarse, coordenador do Poa em Cena, pela proximidade com os países do Mercosul, expande a ação internacional ao teatro da Argentina, Uruguai e, mais recentemente ao Chile, que complementa com coerência e critério espectro cênico diversificado.
Sem voltar as costas para o mundo, tanto que trazem espetáculos de variadas latitudes, mostras como o Cena Contemporânea de Brasília, Festival de Recife e o Janeiro de Grandes Espetáculos, também de Recife, são vitrines para a produção local, que se enquadra com o que vem de fora, não apenas comparativamente, mas como diálogo entre formas e processos de trabalho. O curador Guilherme Reis diz que nos seus 20 anos do Cena ampliou-se a relação com o público da cidade e ganhou-se maior intimidade com “outras linguagens artísticas, em especial música e vídeo”.
Na vanguarda das mudanças e na refração das possibilidades que a cena propõe atualmente, o Festival de São José do Rio Preto e o nascente Tempo, do Rio, levam mais adiante as questões em torno das linguagens e até mesmo do formato diante da explosão de conceitos e das variantes da recepção. São José, que vinha experimentando trilhas alternativas para atribuir significados ao esvaziamento da convenção, tem arranhado incógnitas teatrais, à volta de captar a “impermanência” e os impulsos laboratorias do ato de provocar em cena. Em 2010, partiu para nova aposta: o teatro pós-dramático. Bia Junqueira, um dos três curadores do Tempo, amplia significativamente o conceito de festival para conduzi-lo ao novo plano de realização e de reações aos confrontos com a pluralidade de meios. Para Bia, o festival se justifica com “uma curadoria que ofereça o espaço para a criação e a confrontação de visões, apresentando obras aonde os artistas partilham suas visões pessoais do mundo e que buscam ampliar novas percepções desse mesmo mundo. Um mundo cosmopolita, complexo, aonde conceitos de fronteiras, nação, cultura, real, verdade, entre outros estão em plena mutação. Obras híbridas, simples, documentais, ficcionais, próximas, globais, sejam pelo tempo real e o tempo virtual”.

Publicada na Revista da Sbat n° 523


Curitiba é invadida pelo Rio

Antes da Coisa Toda Começar: o teatro carioca bem representado
Como raras vezes aconteceu nos 19 anos de realização do Festival de Curitiba, esta edição marca a presença maciça de produções cariocas na mostra paranaense. A invasão do Rio na programação curitibana, se justifica pela bem razoável temporada de 2010. Da confirmação do autor Jô Bilac (Savana Glacial) à sedimentação estilística de Pedro Brício (Comédia Russa e Me Salve, Musical!). Da dramaturgia cênica de Adultério às crônicas vivenciais de Estilhaços. Da investigação sobre encontros (Antes da Coisa Toda Começar) às perdas do desencontro (As Próximas Horas Serão Definitivas). Da alegria carnavalesca (É Com Esse Que Eu Vou) ao mergulho na delicadeza (Marina). De Púchkin dançado (Tathyana) à biografia de celebridade (Marlene Dietrich – As Pernas do Século). Das relações de Qorpo Santo (Labirinto) à loucura de Dostoiésvki (Um Coração Fraco). De monólogo (O Livro) a monólogo (Sonhos Para Vestir). De autor irlandês (Pedras nos Bolsos) a autor americano (Inverno da Luz Vermelha). Do teatro cantante ( Sete Por Dois) à musicalidade do ruído (A História do Homem Que Ouve Mozart e da Moça do Lado que Escuta o Homem). Mesmo que numericamente expressiva, a escolha de tantos espetáculos oriundos da nossa cidade, não deixa de ser arriscada, não só pela excessiva concentração numa mesma origem geográfica, como pelo  desequilíbrio em relação às demais áreas da produção cênica nacional. Mas as opções curatoriais são soberanas, e quaisquer considerações se tornam secundárias diante da possibilidade de comparar essas montagens com as demais da mostra. Como Curitiba mantém o gigantismo em variadas mostras  – a principal exibirá 31 espetáculos, enquanto o Fringe reúne em dez dias mais de 300 montagens, além das dedicadas ao humor, como É Tudo Improviso, Risorama e MishMash –, a presença do Rio não chega a ser impositiva. Os números são apenas números e se diluem entre muitos. As montagens cariocas serão, verdadeiramente impositivas, caso se afirmem pela qualidade e capacidade de comunicar.


Agenda dos festivais

Festival de Rua de Porto Alegre – Em sua 3ª edição essa mostra em diversos locais públicos da cidade reúne de 1 a 12 de abril dezenas de espetáculos, além de promover seminários e lançamento de livro. Com a participação de grupos de todo o país, as ruas e praças gauchas receberão o grupo cearense Carroça de Mamulengo, a Cia Stravaganza de Porto Alegre, entre outros. Participa do seminário, o professor Peter Pál Pelbart, que coordena a Cia.Teatral Ueinzz, que trabalha com pacientes psicóticos. E Licko Turle e Jussara Trindade lançam o livro Teatro de Rua no Brasil – A Primeira Década do Milênio.

Festival Internacional de Londrina – Um dos mais tradicionais e antigos, o Filo se realizará este ano de 10 a 26 de junho.

Festival Internacional de São José do Rio Preto – O  11º FIT, que acontece de 6 a 16 de julho na cidade paulista, já definiu a sua programação nacional, que contará com Tríptico, reunindo peças do americano Richard Maxwell -
- Burguer King, Casa, e O Fim da Realidade -, direção de Roberto Alvim            para o grupo paulista Club Noir. Os cariocas estarão representadas por Savana Glacial, o elogiado texto de Jô Bilac, por Navalha na Carne, revisita à peça de Plínio Marcos numa cenografia ambiente, além de Banal, a instalação cênica de Alessandra Colasanti. Do Paraná se apresenta Oxigênio, da Cia Brasileira de Teatro e do Ceará, o Grupo Bagaceira de Teatro leva a Rio Preto, Meire Love.

Festival  de Teatro da Língua Portuguesa – A quarta edição do Festlip, que acontece no Rio de 20 de julho a 7 de agosto, reunindo espetáculos de países de lingua portuguesa: Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor Leste, Cabo Verde  e São Tomé e Príncipe. Ainda sem programação definida, a mostra está com inscrições abertas em festlip@talu.com.br, até 15 de abril.

Tempo-Festival – Dividido em duas etapas – primeiro tempo, de 2 a 4 de agosto; segundo tempo, de 14 a 18 de setembro – a provocativa mostra carioca aposta na companhia argentina Timbre 4 como uma das suas atrações internacionais. El Viento en un Violin, co-produção entre o festival Tempo, o Santiago a Mil do Chile e o Festival d'Automne de Paris, é dirigido por Claudio Tolcachir, que também é autor do texto, definindo pela curadora Bia Junqueira como “afiado, complexo e extremamente humano”. Outra montagem de Tolcachir, Tercer Cuerpo, pode ser vista no Festival de Curitiba.

O Cena Contemporânea - Festival Internacional de Teatro de Brasília. de 23 de agosto a 4 de setembro, já definiu alguns dos espetáculos que virão do exterior. A Argentina apresentará Que Ruido Tan Triste Es El Que Hacen Dos Corpos Cuando Se Amam, a Polônia, Carson City, e a Coréia, Darkness Poomba.

Porto Alegre em Cena – Pela 18ª vez a capital gaucha receberá, de 6 a 26 de setembro, espetáculos do Brasil e do mundo, numa seleção sempre muito criteriosa e ousada. Para este ano, o curador Luciano Alabarse  leva ao POA em Cena nomes de peso do teatro do século 20. Lá estarão Peter Brook com sua última montagem, A Flauta Mágica, Bob Wilson com a sua versão para A Última Gravação de Krapp, de Samuel Beckett, e mais Marianne Faithfull e Philip Glass. Entre os brasileiros, se destacam Gabriel Villela com Sua Incelença, Ricardo III, que abre esta semana Curitiba, Christiane Jatahy, com Dueto Para 1, Paulo José com Histórias do Amor Líquido e Moacir Chaves com O Labirinto.

Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia – O jovem festival brasileiro, este ano se realiza de 21 a 30 de outubro, em Salvador. Pela quarta vez e com programação que procura refletir as questões pulsantes das artes  cênicas, o Fiac ainda está na seleção dos espetáculos participantes.

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quarta-feira, 23 de março de 2011

12ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Inverno da Luz Vermelha

Previsibilidade de um triângulo torto
No programa do espetáculo, em cartaz no Teatro Gláucio Gill, lê-se que o texto do americano Adam Rapp foi finalista do Prêmio Pulitzer 2006. Mesmo desconhecendo os demais concorrentes, Inverno da Luz Vermelha merece, apenas, a menção recebida. É um daqueles produtos nascidos da técnica de playwriting, da qual o realismo psicológico vem se alimentando há décadas, e que as aragens, que atualmente sopram comportamentos mais livres, ainda insuflam algum fôlego. A situação básica reúne três tipos de drop outs em Amsterdã: dois amigos, um, algo canalha, outro, dependente emocional de suas inseguranças, além de jovem saída das vitrines do bairro da luz vermelha. O encontro provoca um triângulo de afeições tortas: ela se apaixona por quem a despreza, um deles ama a mulher que o ignora, e o terceiro flana entre ambos. Esta circularidade, retomada com alguma falsidade dramática (pecado mortal para o realismo), no segundo ato, transfere a ação para a cidade de origem do trio, que assim se reencontra, reafirmando os sentimentos provocados à época em que se conheceram. Fica a certeza de que se está diante de um  “novelão”, em que cada uma das cenas pode ser antecipada por qualquer espectador mais perspicaz. A narrativa caminha em trilha reta, sem desvios ou surpresas. Monique Gardenberg segue, disciplinadamente, o autor, transcrevendo com linearidade esse drama psicológico com pinceladas da cultura pop (música, drogas e ambientação). Imprime  correção à cena, fortalecendo a  comportada e previsível escrita  técnica do autor. O cenário de Daniela Thomas dá uma volta ao realismo, ao desmontar os ambientes à frente da platéia. O figurino de Cássio Brasil veste bem os personagens. A preparação corporal de Márcia Rubin deixa sinais sensíveis no elenco, que tem em Majorie Estiano uma bela figura que tateia a personagem sem se apossar dela inteiramente. André Frateschi, mesmo sustentando sua atuação numa tipologia convencional, em detrimento do desenho de contornos, alcança alguns bons momentos. Rafael Primot tem interpretação mais elaborada, conferindo estofo à verborrágica lamúria do rapaz frágil. Primot se revela um ator de inteligente percepção para enfrentar, recriando com sensibilidade, um temperamento monolítico.


Crítica/ Shirley Valentine

Em busca de uma vida mais solar
Na década de 80, quando Shirley Valentine “estorou” mundialmente  - faz parte daquela categoria de peças que estréiam no eixo Londres-Nova Iorque e se tornam franquias globalizadas – já se avaliava o quanto mediano era este monólogo do americano Willy Russel. Duas décadas depois, quando se assiste no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil mais uma montagem, se constata que o tempo transformou o texto mediano em sofrível. Não que seja mal escrito, muito menos que falte carpintaria (é, sem dúvida, hábil em sua temática), mas como já era impossível camuflar na estréia, falta-lhe adensamento. A dona de casa, frustrada por sentir escapar-lhe a vida, depois dos filhos criados e da indiferença do marido, a Shirley do título, viaja à Grécia em férias da rotina. O que acontece, então? Ela se descobre, para no final voltar a se acomodar. Voltar a este monólogo inexpressivo pode se justificar pelo desejo de uma atriz em experimentar seus recursos numa personagem-espelho de uma certa camada de público. Parece ter sido esta a razão da escolha de Betty Faria para interpretar a mulher madura que se defronta com a  vida se esvaindo no vazio. O diretor Guilherme Leme apoiou com conveniente enquadramento a atriz, acentuando a simpatia da personagem. O cenário de Aurora dos Campos procura equilibrar a “limpeza” visual com a introdução de elemento que “movimente” a ambientação (como referência, a cortina de areia). Betty Faria percorre os escaninhos emocionais da mulher em crise, mantendo-se na temperatura morna que reacende os desejos de Shirley.     


Crítica/ O Amante

Significados dúbios da fantasia de um casal 
Um dos primeiros textos de Harold Pinter levados à cena, O Amante traz de sua gênese as características que marcariam tão profundamente a obra deste dramaturgo inglês. Comédia de costumes, em que a infidelidade consentida parece transgredir a moralidade burguesa, se transforma em jogo de aparências, no qual aquilo que se supõe real, é apenas truque ilusório para sustentar fantasias. Pinter embute gêneros teatrais e implanta as suas rubricas a diálogos que apontam para certezas desviantes e pausas de significados dúbios. Nesta narrativa, o casal que se trai mutuamente é acompanhado pela platéia como um duo de sonoridade dissonante (pelo menos para um certo código de comportamento), mas que não se detecta, exatamente, de onde emana. O tempo deixou seu registro no texto, até mesmo pela capacidade ampliada de recepção das platéias atuais, que antevêem, antes do desfecho, qual o jogo proposto. Mas ainda que esse desgaste faça que se perca o desmonte da manipulação de gêneros e o uso ainda pouco burilado dos meios expressivos que Pinter desenvolveria nas peças mais bem sucedidas, O Amante não deixa de ser uma “apresentação”, ainda que atenuada e suave da sua dramaturgia. Ao encená-la hoje, é necessário que o diretor e os atores penetrem num universo dramatico a partir de suas premissas. Não é o que acontece com a encenação de Francisco Medeiros, em cena no Teatro do Leblon. Rotineira formalmente, desprezando a frieza do tensionamento surdo da trama, a direção projeta, secundariamente, o texto. Se o diretor tentasse leitura branca, e não sublinhasse tanto a trama, retira-lhe o que resta de “mistério”, secura e ambigüidade. E também ignora a artesania dos diálogos descarnados de emoção. O casal de atores – Paula Burlamaqui e Daniel Alvim – passa longe da sutileza do enfrentamento oblíquo proposto por Pinter, buscando continuamente reiterar, ao contrário de demonstrar, expondo. Desprovidos de domínio do que instiga os diálogos, os atores realizam precariamente até mesmo o naturalismo de que revestem suas atuações.   


Cenas Curtas

 Está previsto para maio, no Teatro Sesc Ginástico, o início da temporada no Rio – o espetáculo estreou em janeiro no Festival de Teatro de Angra dos Reis – de Gimba, O Presidente dos Valentes. O texto de 1959, escrito por Gianfrancesco Guarnieri foi adaptado pelo diretor desta nova montagem, Caíque Botkay, e por Paulo Lins, autor do livro Cidade de Deus. No elenco,  estão entre outros, Silvio Guidane e Sandra de Sá. Na versão original, dirigida por Flávio Rangel, o papel da mulata Guiomar foi interpretado pela loura Maria Della Costa.

Na 23ª edição do Prêmio Shell de Teatro do Rio, Pterodátilos conquistou as três categorias a que estava indicado: ator (Marco Nanini), atriz (Mariana Lima) e cenógrafa (Daniela Thomas). João Fonseca recebeu o troféu de direção por Maria do Caritó, Jô Bilac pela autoria de Savana Glacial e Marcelo Pies pelo figurino de Hair. Tomás Ribas ficou com a láurea de iluminação (Rock Antígona), e Marcelo Alonso Neves com a da música de As Conchambranças de Quaderna. O espetáculo Fragmentos do Desejo ficou com o prêmio especial, atribuído a André Curti e Artur Ribeiro “pela singular linguagem corporal”. 

O Prêmio Zilka Sallaberry de Teatro Infantil 2010 contemplou Marina , A Sereazinha com cinco troféus: especial  (Cia PeQuod Teatro de Animação), iluminação (Renato Machado), cenário (Carlos Alberto Nunes), direção (Miguel Vellinho) e espetáculo. O Soldadinho e a Bailarina ficou com o prêmio de figurino (Gabriel Villela) e Os Saltimbancos como o de ator (Mauricio Tizumba). Joaquim e as Estrelas foi escolhido como o melhor texto (Renata Mizrahi) e Fragmentos de Sonhos do Menino da Lua levou o de atriz (Miriam Virna). O Barbeiro de Ervilha se destacou na música (Leandro Castilho).  

O júri da 5ª edição do Prêmio da Associação dos Produtores Teatrais do Rio de Janeiro divulgou a lista dos finalistas nas 11 categorias em disputa. A data de entrega e a revelação dos vencedores ainda não foram definidas.
Autor: Rodrigo Nogueira (Ponto de Fuga), Jô Bilac (Savana Glacial),
Paulo Moraes e Maurício Arruda Mendonça (Antes da Coisa Toda Começar), Newton Moreno (Maria do Caritó) e Pedro Brício (Comédia Russa)
Diretor: Ana Kfouri (Senhora dos Afogados), Inês Viana (As Cochambranças de Quaderna), André Paes Leme (Hamelin) e Felipe Hirsch (Pterodátilos)
Cenógrafo: Aurora dos Campos (Rock Antígona), Daniela Thomas (Pterodátilos), Sérgio Marimba (Mistério Bufo), Paulo de Moraes e Carla Berri (Antes da Coisa Toda Começar), Analu Prestes (Sonho Para Vestir) e Nello Marrese (Maria do Caritó)
Figurinista: Antonio Guedes (Pterodátilos), Marcelo Pies (Hair), Flávio Souza (As Cochambranças de Quaderna), Rui Cortez (Comédia Russa) e J.C. Serroni (Maria do Caritó)
Iluminador: Thomas Ribas (Rock Antígona), Beto Bruel (Pterodátilos), Maneco Quinderé (Antes da Coisa Toda Começar), Paulo César Medeiros (Hair) e Renato Machado (Marina/Senhora dos Afogados/Hamelin/ Deus da Carnificina)
Ator Protagonista: Marco Nanini (Pterodátilos), Leonardo Brício (As Cochambranças de Quaderna), Antonio Fagundes (Restos) e Luiz Furnaleto (Pedras nos Bolsos)
Atriz Protagonista: Mariana Lima (Pterodátilos), Julia Lemmertz (Deus da Carnificina), Totia Meireles (Gypsy) e Guida Vianna (Dona Otília e Outras Histórias)
Ator Coadjuvante: Zé Carlos Machado (Mente Mentira), Oscar Saraiva (Hamelin), André Dias (Era no Tempo do Rei) e Felipe Abib (Pterodátilos)
Atriz Coadjuvante: Dani Barros (Maria do Caritó/ Cochambranças de Quaderna), Letícia Colim (Hair), Bel Garcia (Devassa) e Malu Valle (Mente Mentira)
Especial: Ocupação Câmbio, Vídeo (História de Amor Líquido), música de Marcelo H. e Jr. Tólstói (Rock Antígona) e Cia Pequod (Marina)
Espetáculo: Pterodátilos, Deus da Carnificina, Antes da Coisa Toda Começar, Restos, As Cochambranças de Quaderna e Hair


O que há (de melhor) para ver

Astúcia e esperteza para driblar a morte
As centenárias – Agora em um palco bem mais amplo do que o da estréia há três anos no Teatro Poeira, a dupla de carpideiras, criada por Newton Moreno, vive o embate com a morte na tentativa de driblá-la. As duas se utilizam de artifícios para tentar, com astúcia e  esperteza, se desviarem da inevitabilidade da ameaça onipresente, percorrendo o ritual do fantástico sertanejo. Marieta Severo e Andréa Beltrão mergulham no universo nordestino como as carpideiras com movimentação corporal e detalhamento vocal, que se estende da juventude à senilidade. Interpretações inteligentes e comunicativas em encenação que emoldura a cultura popular sem folclorizações. Teatro João Caetano.

Um Coração Fraco Nesta adaptação de novela de Dostoiévski, o autor reúne em mansarda tristemente pobre um homem com insegurança sobre o seu lugar no mundo. Deficiente no físico e nas emoções, se empenha em tarefa que não consegue concluir, num febril processo até a loucura. A diretora Priscilla Rozenbaum demonstrou sensibilidade para o manuseio do material dramático, construindo atmosfera melancólica. O ator  Caio Blat
desenha com minúcias a escalada surda em direção à insanidade, em atuação sutilmente filigranada. Teatro das Artes.   
  
In on It -  Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade,  quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretative de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos. Teatro Carlos Gomes.


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quinta-feira, 17 de março de 2011

11ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ Os Catecismos Segundo Carlos Zéfiro

À sombra dos folhetins eróticos
Quem se escondia atrás do pseudônimo de Carlos Zéfiro para desenhar as revistinhas que alimentavam os desejos emergentes de gerações de adolescentes à procura das revelações do sexo? A perseguição ao nome verdadeiro e à vida de quem produzia erotismo em quadrinhos, vendido clandestinamente, em bancas de jornal, é a trama em torno da qual se estabelece a narrativa de Os Catecismos Segundo Carlos Zéfiro, em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil. Fiel à sua linha de trabalho voltada aos comics e à visualidade de gêneros ligados ao traço, o diretor e autor do texto, o curitibano Paulo Biscaia Filho, desvenda cenicamente esta identidade misteriosa, que o verdadeiro Zéfiro manteve praticamente oculta até quase ao fim da vida, no início dos anos 90. Partindo do depoimento do jornalista Juca Kfouri, que em 1991, então diretor de redação da revista Playboy, foi em busca de descobrir quem se escondia por trás daquelas histórias e desenhos tão explícitos em seus contornos. A identidade secreta de Alcides Caminha, o funcionário público travestido nos folhetins no sátiro Zéfiro, se desvenda na medida que o jornalista segue pistas, frágeis e enganosas, que o conduzam ao contraditório personagem. Biscaia transforma Kfouri em narrador que conduz a investigação, mantendo Caminha/Zéfiro o como uma sombra sem rosto. Evoluindo por entre o fulgor das cenas desenhadas e a pacata e dissimulada vida de barnabé, a presença dual entre esses mundos está refletida na montagem. O uso de projeções, marca estilística do diretor, garimpa alguns dos seus desenhos, e a linha interpretativa do elenco simula a correspondência com o risco das historietas. O cenário de Carla Berri, uma composição de telas adequadas às projeções  e os figurinos da cenógrafa, ao lado de Cristiane Conde, delimitam composição coerente e o espaço visual. Texto e direção têm indiscutível aspecto cativante, levemente moleque e desabusadamente safada. Clara Serejo é uma atraente figura no palco. Jandir Ferrari adota ar vivamente cafajeste. Leandro Daniel Colombo, Mariana Consoli e Martina Gallarza cumprem seus papéis. Marino Rocha se revela um bom comediante, enquanto Rafa de Martins é quase um “dançarino” na sua coreografia de disfarces.       


Crítica/ Instantâneos

Imagem de dourada geografia cultural
O que se pretende com esse espetáculo tão delicado e ingênuo é demonstrar a técnica das máscaras balinesas e a visualidade de um teatro que se quer expositivo e plasticamente envolvente. As pretensões da diretora Fabianna de Mello e Souza, que concebeu essa pequena jóia cênica foram amplamente alcançadas. Se a técnica em si foi bem apresentada – a diretora é quem melhor internaliza, corporal e tecnicamente, esse gênero de representação -, as adaptações para enquadramento mais próximo de nós, traduziu exemplarmente sutis observações “locais “. Teatro de imagens, com narrativas curtíssimas, apenas sugestões que os movimentos delineiam e explicam, os instantâneos atraem pela singeleza da ambientação. Fugindo da mero mimetismo da técnica, a diretora reveste de música típica e de dourados e cores contrastantes nos figurinos e no vigor e comicidade das máscaras de atraente geografia cultural. As divertidas referências ao nosso cotidiano, tão bem lançadas nas intervenções do camelô e nos velhinhos que ouvem o ambulante que vende cocadas, se estendem ao frustrado suicida e ao mar de tecido onde se joga o homem enamorado. O clima festivo do final e o arrebatamento que provoca na platéia do mezzanino do Espaço Sesc é prova de que o espetáculo conquista a platéia. Provoca o espontâneo e verdadeiro aplauso de pé.  


Crítica/ As Próximas Horas Serão Definitivas

Esta montagem que pode ser vista no Espaço Cultural Sérgio Porto é a 15ª peça de Daniela Pereira de Carvalho que chega ao palco. É sem dúvida um feito, levando em conta a trajetória da autora que soma pouco mais de uma década e meia de dramaturgia. As Próximas Horas Serão Definitivas, como é praxe nos textos de Daniela, também tem um título longo, vagamente poético, que usa citações a autores, bandas e livros, revestindo-as de embocadura pop, referenciada aos anos 80. Essas “fixações” talvez sejam questões geracionais, ressonâncias de universo próximo aos anos formadores. Com diálogos, às vezes ferinos, outras literários, mas sempre “nervosos”, a autora nesta investida se volta para inspiração algo cinematográfica na evasão on the road de um casal fugindo de crime revestido de pulsões aparentemente circunstanciais. Na viagem em fuga para lugar nenhum, somente em direção a si mesmos, como indivíduos ou como dupla, o casal vai desmontando a suas (in)certezas e se aproximando, em movimento inverso ao avanço do território físico, das fraturas do amor. O fato deflagrado, assassinato em razão de comentário banal, tem alcance dramático exageradamente esgarçado. O desdobramento deste ato, que modula atitudes contraditórias e confina o casal no seu próprio espaço existencial, se esvazia pela “falsa” explosão geradora. A cenografia assinada pelo também diretor Gilberto Gawronski amplia a área da representação, quebrando a ideia de confinamento e da falta de possibilidades de escape para os dois fugitivos. Essa ausência de adensamento espacial prejudica a atmosfera, diluída ainda mais pelos objetos cenográficos de significação óbvia, como as flores e as garrafas. Sacha Bali transmite, seja pelo sotaque, seja pelo gestual, composição identitária do rapaz. Há algo de naturalismo na sua tipologia social, que o ator projeta com veracidade. Guta Stresser alcança momentos de densidade interpretativa, superando até mesmo a dificuldade de dar realidade à personagem nas primeiras cenas. A atriz demonstra em vários outra força interpretativa que ilumina as transformações interiores da mulher nesta excursão emocional ao inferno compartilhado do casal. 


Cenas Curtas

Está aberta a temporada de entregas dos prêmios da temporada 2010. A 23ª edição do Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro acontece na terça-feira, dia 22 de março no Complexo Vitória do Jockey Club Brasileiro, este ano homenageando a atriz Nathalia Timberg. Entre os indicados para ator está Marco Nanini por Pterodátilos, para atriz Mariana Lima pelo mesmo espetáculo, que teve ainda a cenógrafa Daniela Thomas como finalista.

A versão paulista do Prêmio Shell foi entregue aos vencedores esta semana.
 A homenageada foi a atriz Maria Alice Vergueiro, com 50 anos de carreira, que em seu discurso de agradecimento ressaltou que “momentos assim nos fazem parar e fazer uma retrospectiva do que fizemos em nossas vidas e avaliar se valeu a pena.” Entre as montagens premiadas apenas As Três Velhas foi vista no Rio, que levou o troféu de ator (Luciano Chirolli).
     
A única premiação do teatro para crianças no Rio, o Prêmio Zilka Salaberry de Teatro Infantil, divulgará os vencedores em festa no dia 21 de março, segunda-feira, no Oi Casa Grande. Nesta quinta edição concorrem na categoria de melhor espetáculo, Marina, A Sereiazinha, O Barbeiro de Ervilha, O Soldadinho e a Bailarina e Os Saltimbancos.

O Prêmio APTR da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro referente a 2010, ainda está em processo seletivo, e sem data definida para a sua entrega. 


O que há (de melhor) para ver

Febril escrita até a insanidade
Um Coração Fraco Nesta adaptação de novela de Dostoiévski, o autor reúne em mansarda tristemente pobre um homem com insegurança sobre o seu lugar no mundo. Deficiente no físico e nas emoções, se empenha em tarefa que não consegue concluir, num febril processo até a loucura. A diretora Priscilla Rozenbaum demonstrou sensibilidade para o manuseio do material dramático, construindo atmosfera densa e poética. O ator  Caio Blat desenha com minúcias e detalhes a escalada surda em direção à insanidade, em atuação sutilmente filigranada. Teatro das Artes.   
  
In on It -  Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade,  quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretative de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos. Teatro Carlos Gomes.



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