Crítica/ O reino do mar sem fim
Brincantes encenam tese universitária |
A montagem de O Reino do Mar sem Fim, em cartaz no Teatro do Jockey, tem características bem peculiares, já que é o desdobramento de pesquisa de Adriana Schneider sobre brincantes de cavalo-marinho e técnicas de mamulengo. Em 14 anos de investigação na Zona da Mata pernambucana, com depoimentos de participantes destas manifestações , e a apanha de romance oral, que dá titulo ao espetáculo, a autora, diretora e uma das atrizes desta encenação construiu dramaturgia que recriou este universo de maneira poética, viva e crítica. O que está no palco reflete essa acurada pesquisa, sem transformá-la em tese teatralizada, e muito menos, em antropologia folclórica. Adriana Schneider “inventa” uma cena em que os elementos da investigação se tornam meios teatrais que interferem numa cultura declinante, ameaçada pela interferência de mídias anulantes e o envelhecimento daqueles que procuram manter as brincadeiras em terreiros periféricos. É deste apagamento de que trata a autora-pesquisadora, com a habilidade de escrever, dramaticamente, a riqueza da tradição em contrapartida com o enfraquecimento de vozes de canto cada vez menos sonantes. Dividida em introdução para que contadores de causos apresentem a genealogia dos cantores, brincantes e mamulengueiros, e na encenação das peripécias de herói que livra princesa de um feitiço. Em quatro banquinhos, daqueles feitos com madeira de caixotes, dispostos de frente para o público, os atores narram em sistema de jogral, as diversas “condicionantes” que cercam o romanceiro de um reino de mar sem fim. Com o uso de objetos referenciados ao Nordeste, como fotografias em molduras típicas, que são manipulados pelo elenco como adereços que “informam” sobre o que se diz, cria-se dinâmica narrativa que impõe mobilidade ao diálogo do quarteto. Da mesma maneira na encenação do romance, os objetos ganham vida, mas com o movimento dos atores, que desenham imagens de beleza plástica, com tecidos que se fazem ondas, luzes que se tornam redomas, vestimentas que despem realezas e cobrem pobrezas. Os quadros oníricos se sucedem com a retirada de pequenos elementos que assumem papel cenográfico identificado com a linguagem da cena. Com simplicidade, mas com rigor construtivo, amadurecido e artesanalmente bem cuidado, a montagem envolve a platéia com comunicabilidade poética. Mariza Bezze, Helena Stewart, Diogo Magalhães e Adriana Schneider são intérpretes tão integrados à proposta da autora, que formam coletivo afinado que serve, delicadamente, à sutileza da dramaturgia.
Crítica/ O samba carioca de Wilson Batista
Repertório e vida de Wilson Bastista em bar camerístico |
A exemplo de produções mais ricas e ambiciosas, como Sassaricando e “Beatles no Céu de Diamantes”, O Samba Carioca de Wilson Batista, em cena no Teatro Carlos Gomes, não se utiliza praticamente de texto para traçar painel da vida e produção musical de Wilson Batista. Em formato camerístico, com apenas dois cantores-atores e cinco músicos, esse show teatral canta o repertório do sambista, em paralelo com as características de um Rio boêmio e suburbano, no qual o compositor viveu e escreveu história informal dos costumes de sua época. A polêmica musical com Noel Rosa, os seus muitos amores, as belezas e agruras da vida na cidade, a solidão do fim são marcadas pela música que é um verdadeiro registro de um certo jeito de viver no Rio desde a década de 30 do século passado. Tanto nas letras quanto nas melodias, Wilson Batista retrata um modo de viver numa cidade, aparentemente mais amena. O roteiro de Rodrigo Alzuguir e Claudia Ventura, que também são os cantores-intérpretes, percorre esse tempo e a boemia com divertidas intervenções no repertório do compositor e com pequenos toques teatrais que dão vida cênica a temperamento musical tão expressivo. Na sua despretensão e no bom artesanato musical, “O samba carioca de Wilson Batista” compõe um quadro nostálgico e bem desenhado de um criador popular.
Cenas Curtas
Agenda das estréias de março
Dia 11 – Os Catecismos Segundo Carlos Zéfiro – A obra do desenhista numa encenação do grupo curitibano Vigor Mortis, com direção de Paulo Biscaya. Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil.
Dia 11 – As Próximas Horas Serão Definitivas – Texto de Daniela Pereira de Carvalho, com direção de Gilberto Gawronski, com Sacha Bali e Guta Stresser. Espaço Cultural Sérgio Porto.
Dia 11 - A História do Homem que Ouve Mozart e da Moça do Lado que Escuta o Homem - Texto de Francis Ivanovich, direção de Luiz Antonio Rocha, com Adriana Zattar e Roberto Birindelli. Espaço 2 do Sesc Tijuca.
Dia 12 – Figo – Texto de Gregory Haertel e Rafael Koehler, direção de Pépe Sedrez. Teatro do Jockey.
Dia 16 – Shirley Valentine – Monólogo de Willy Russel , direção de Guilherme Leme, com Beth Faria. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
Dia 17 – Ikiru – Homenagem à Pina Bausch pelo dançarino de butô Tadashi Endo. Caixa Cultural.
Dia 17 – Bartolomeu Que Será que Nele Deu? – Direção de Georgette Fadel, com Claudia Schapira, Ana Roxo, Daniela Evelise, Georgette Fadel, Luaa Gabanini e Roberta Estrela d’ Alva.
Dia 18 – Linda – Texto e direcão de Gillray Coutinho, que atua também ao lado de Fernanda Nobre.Mezanino do Espaço Sesc.
Dia 25 – Escândalo – Texto de Richard Sheridan, direção de Miguel Falabella, com Ney Latorraca, Maria Padilha, Bruno Garcia, Rita Elmôr, Jacqueline Laurence, Guida Vianna, Armando Babaioff, Bianca Comparato, Edi Botelho e Chico Tenreiro. Espaço Tom Jobim.
O que há (de melhor) para ver
In on It - Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade, quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.
Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.
macksenr@gmail.com twitter:@blogdomacksen