quarta-feira, 23 de março de 2011

12ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Inverno da Luz Vermelha

Previsibilidade de um triângulo torto
No programa do espetáculo, em cartaz no Teatro Gláucio Gill, lê-se que o texto do americano Adam Rapp foi finalista do Prêmio Pulitzer 2006. Mesmo desconhecendo os demais concorrentes, Inverno da Luz Vermelha merece, apenas, a menção recebida. É um daqueles produtos nascidos da técnica de playwriting, da qual o realismo psicológico vem se alimentando há décadas, e que as aragens, que atualmente sopram comportamentos mais livres, ainda insuflam algum fôlego. A situação básica reúne três tipos de drop outs em Amsterdã: dois amigos, um, algo canalha, outro, dependente emocional de suas inseguranças, além de jovem saída das vitrines do bairro da luz vermelha. O encontro provoca um triângulo de afeições tortas: ela se apaixona por quem a despreza, um deles ama a mulher que o ignora, e o terceiro flana entre ambos. Esta circularidade, retomada com alguma falsidade dramática (pecado mortal para o realismo), no segundo ato, transfere a ação para a cidade de origem do trio, que assim se reencontra, reafirmando os sentimentos provocados à época em que se conheceram. Fica a certeza de que se está diante de um  “novelão”, em que cada uma das cenas pode ser antecipada por qualquer espectador mais perspicaz. A narrativa caminha em trilha reta, sem desvios ou surpresas. Monique Gardenberg segue, disciplinadamente, o autor, transcrevendo com linearidade esse drama psicológico com pinceladas da cultura pop (música, drogas e ambientação). Imprime  correção à cena, fortalecendo a  comportada e previsível escrita  técnica do autor. O cenário de Daniela Thomas dá uma volta ao realismo, ao desmontar os ambientes à frente da platéia. O figurino de Cássio Brasil veste bem os personagens. A preparação corporal de Márcia Rubin deixa sinais sensíveis no elenco, que tem em Majorie Estiano uma bela figura que tateia a personagem sem se apossar dela inteiramente. André Frateschi, mesmo sustentando sua atuação numa tipologia convencional, em detrimento do desenho de contornos, alcança alguns bons momentos. Rafael Primot tem interpretação mais elaborada, conferindo estofo à verborrágica lamúria do rapaz frágil. Primot se revela um ator de inteligente percepção para enfrentar, recriando com sensibilidade, um temperamento monolítico.


Crítica/ Shirley Valentine

Em busca de uma vida mais solar
Na década de 80, quando Shirley Valentine “estorou” mundialmente  - faz parte daquela categoria de peças que estréiam no eixo Londres-Nova Iorque e se tornam franquias globalizadas – já se avaliava o quanto mediano era este monólogo do americano Willy Russel. Duas décadas depois, quando se assiste no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil mais uma montagem, se constata que o tempo transformou o texto mediano em sofrível. Não que seja mal escrito, muito menos que falte carpintaria (é, sem dúvida, hábil em sua temática), mas como já era impossível camuflar na estréia, falta-lhe adensamento. A dona de casa, frustrada por sentir escapar-lhe a vida, depois dos filhos criados e da indiferença do marido, a Shirley do título, viaja à Grécia em férias da rotina. O que acontece, então? Ela se descobre, para no final voltar a se acomodar. Voltar a este monólogo inexpressivo pode se justificar pelo desejo de uma atriz em experimentar seus recursos numa personagem-espelho de uma certa camada de público. Parece ter sido esta a razão da escolha de Betty Faria para interpretar a mulher madura que se defronta com a  vida se esvaindo no vazio. O diretor Guilherme Leme apoiou com conveniente enquadramento a atriz, acentuando a simpatia da personagem. O cenário de Aurora dos Campos procura equilibrar a “limpeza” visual com a introdução de elemento que “movimente” a ambientação (como referência, a cortina de areia). Betty Faria percorre os escaninhos emocionais da mulher em crise, mantendo-se na temperatura morna que reacende os desejos de Shirley.     


Crítica/ O Amante

Significados dúbios da fantasia de um casal 
Um dos primeiros textos de Harold Pinter levados à cena, O Amante traz de sua gênese as características que marcariam tão profundamente a obra deste dramaturgo inglês. Comédia de costumes, em que a infidelidade consentida parece transgredir a moralidade burguesa, se transforma em jogo de aparências, no qual aquilo que se supõe real, é apenas truque ilusório para sustentar fantasias. Pinter embute gêneros teatrais e implanta as suas rubricas a diálogos que apontam para certezas desviantes e pausas de significados dúbios. Nesta narrativa, o casal que se trai mutuamente é acompanhado pela platéia como um duo de sonoridade dissonante (pelo menos para um certo código de comportamento), mas que não se detecta, exatamente, de onde emana. O tempo deixou seu registro no texto, até mesmo pela capacidade ampliada de recepção das platéias atuais, que antevêem, antes do desfecho, qual o jogo proposto. Mas ainda que esse desgaste faça que se perca o desmonte da manipulação de gêneros e o uso ainda pouco burilado dos meios expressivos que Pinter desenvolveria nas peças mais bem sucedidas, O Amante não deixa de ser uma “apresentação”, ainda que atenuada e suave da sua dramaturgia. Ao encená-la hoje, é necessário que o diretor e os atores penetrem num universo dramatico a partir de suas premissas. Não é o que acontece com a encenação de Francisco Medeiros, em cena no Teatro do Leblon. Rotineira formalmente, desprezando a frieza do tensionamento surdo da trama, a direção projeta, secundariamente, o texto. Se o diretor tentasse leitura branca, e não sublinhasse tanto a trama, retira-lhe o que resta de “mistério”, secura e ambigüidade. E também ignora a artesania dos diálogos descarnados de emoção. O casal de atores – Paula Burlamaqui e Daniel Alvim – passa longe da sutileza do enfrentamento oblíquo proposto por Pinter, buscando continuamente reiterar, ao contrário de demonstrar, expondo. Desprovidos de domínio do que instiga os diálogos, os atores realizam precariamente até mesmo o naturalismo de que revestem suas atuações.   


Cenas Curtas

 Está previsto para maio, no Teatro Sesc Ginástico, o início da temporada no Rio – o espetáculo estreou em janeiro no Festival de Teatro de Angra dos Reis – de Gimba, O Presidente dos Valentes. O texto de 1959, escrito por Gianfrancesco Guarnieri foi adaptado pelo diretor desta nova montagem, Caíque Botkay, e por Paulo Lins, autor do livro Cidade de Deus. No elenco,  estão entre outros, Silvio Guidane e Sandra de Sá. Na versão original, dirigida por Flávio Rangel, o papel da mulata Guiomar foi interpretado pela loura Maria Della Costa.

Na 23ª edição do Prêmio Shell de Teatro do Rio, Pterodátilos conquistou as três categorias a que estava indicado: ator (Marco Nanini), atriz (Mariana Lima) e cenógrafa (Daniela Thomas). João Fonseca recebeu o troféu de direção por Maria do Caritó, Jô Bilac pela autoria de Savana Glacial e Marcelo Pies pelo figurino de Hair. Tomás Ribas ficou com a láurea de iluminação (Rock Antígona), e Marcelo Alonso Neves com a da música de As Conchambranças de Quaderna. O espetáculo Fragmentos do Desejo ficou com o prêmio especial, atribuído a André Curti e Artur Ribeiro “pela singular linguagem corporal”. 

O Prêmio Zilka Sallaberry de Teatro Infantil 2010 contemplou Marina , A Sereazinha com cinco troféus: especial  (Cia PeQuod Teatro de Animação), iluminação (Renato Machado), cenário (Carlos Alberto Nunes), direção (Miguel Vellinho) e espetáculo. O Soldadinho e a Bailarina ficou com o prêmio de figurino (Gabriel Villela) e Os Saltimbancos como o de ator (Mauricio Tizumba). Joaquim e as Estrelas foi escolhido como o melhor texto (Renata Mizrahi) e Fragmentos de Sonhos do Menino da Lua levou o de atriz (Miriam Virna). O Barbeiro de Ervilha se destacou na música (Leandro Castilho).  

O júri da 5ª edição do Prêmio da Associação dos Produtores Teatrais do Rio de Janeiro divulgou a lista dos finalistas nas 11 categorias em disputa. A data de entrega e a revelação dos vencedores ainda não foram definidas.
Autor: Rodrigo Nogueira (Ponto de Fuga), Jô Bilac (Savana Glacial),
Paulo Moraes e Maurício Arruda Mendonça (Antes da Coisa Toda Começar), Newton Moreno (Maria do Caritó) e Pedro Brício (Comédia Russa)
Diretor: Ana Kfouri (Senhora dos Afogados), Inês Viana (As Cochambranças de Quaderna), André Paes Leme (Hamelin) e Felipe Hirsch (Pterodátilos)
Cenógrafo: Aurora dos Campos (Rock Antígona), Daniela Thomas (Pterodátilos), Sérgio Marimba (Mistério Bufo), Paulo de Moraes e Carla Berri (Antes da Coisa Toda Começar), Analu Prestes (Sonho Para Vestir) e Nello Marrese (Maria do Caritó)
Figurinista: Antonio Guedes (Pterodátilos), Marcelo Pies (Hair), Flávio Souza (As Cochambranças de Quaderna), Rui Cortez (Comédia Russa) e J.C. Serroni (Maria do Caritó)
Iluminador: Thomas Ribas (Rock Antígona), Beto Bruel (Pterodátilos), Maneco Quinderé (Antes da Coisa Toda Começar), Paulo César Medeiros (Hair) e Renato Machado (Marina/Senhora dos Afogados/Hamelin/ Deus da Carnificina)
Ator Protagonista: Marco Nanini (Pterodátilos), Leonardo Brício (As Cochambranças de Quaderna), Antonio Fagundes (Restos) e Luiz Furnaleto (Pedras nos Bolsos)
Atriz Protagonista: Mariana Lima (Pterodátilos), Julia Lemmertz (Deus da Carnificina), Totia Meireles (Gypsy) e Guida Vianna (Dona Otília e Outras Histórias)
Ator Coadjuvante: Zé Carlos Machado (Mente Mentira), Oscar Saraiva (Hamelin), André Dias (Era no Tempo do Rei) e Felipe Abib (Pterodátilos)
Atriz Coadjuvante: Dani Barros (Maria do Caritó/ Cochambranças de Quaderna), Letícia Colim (Hair), Bel Garcia (Devassa) e Malu Valle (Mente Mentira)
Especial: Ocupação Câmbio, Vídeo (História de Amor Líquido), música de Marcelo H. e Jr. Tólstói (Rock Antígona) e Cia Pequod (Marina)
Espetáculo: Pterodátilos, Deus da Carnificina, Antes da Coisa Toda Começar, Restos, As Cochambranças de Quaderna e Hair


O que há (de melhor) para ver

Astúcia e esperteza para driblar a morte
As centenárias – Agora em um palco bem mais amplo do que o da estréia há três anos no Teatro Poeira, a dupla de carpideiras, criada por Newton Moreno, vive o embate com a morte na tentativa de driblá-la. As duas se utilizam de artifícios para tentar, com astúcia e  esperteza, se desviarem da inevitabilidade da ameaça onipresente, percorrendo o ritual do fantástico sertanejo. Marieta Severo e Andréa Beltrão mergulham no universo nordestino como as carpideiras com movimentação corporal e detalhamento vocal, que se estende da juventude à senilidade. Interpretações inteligentes e comunicativas em encenação que emoldura a cultura popular sem folclorizações. Teatro João Caetano.

Um Coração Fraco Nesta adaptação de novela de Dostoiévski, o autor reúne em mansarda tristemente pobre um homem com insegurança sobre o seu lugar no mundo. Deficiente no físico e nas emoções, se empenha em tarefa que não consegue concluir, num febril processo até a loucura. A diretora Priscilla Rozenbaum demonstrou sensibilidade para o manuseio do material dramático, construindo atmosfera melancólica. O ator  Caio Blat
desenha com minúcias a escalada surda em direção à insanidade, em atuação sutilmente filigranada. Teatro das Artes.   
  
In on It -  Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade,  quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretative de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos. Teatro Carlos Gomes.


                                             macksenr@gmail.com