Crítica/ “3
Maneiras de Tocar no Assunto”
O título do monólogo, escrito e levado ao palco
do Teatro Poeirinha, aponta para a forma como a montagem pretende apresentar
aquilo de que trata. Apenas o assunto fica a ser desvendado, somente à partir
da primeira das cenas que compõe a trilogia temática: a homofobia. Direta na
sua indignação, demonstrativa em seus efeitos, documental em seus registros, “3
Maneiras de Tocar no Assunto” contrabalança
o protesto sócio-político-emocional com o rigor da construção teatral. O ator e
autor Leonardo Netto não confronta a plateia, unicamente, com os comportamentos daqueles que
levam o preconceito ao paroxismo da irracionalidade. Utiliza-se de planos
diversos (bullying, revolta social e discurso político) para apresentar painel interveniente
de atitudes reativas e ações contestadoras. Sem qualquer intenção de agit-prop, projeta com dramaturgia
cênica mais expositiva do que dramatizada, manifestações homófobas, capturadas na
perspectiva de quem as sofrem. Na cena inicial, a criança-adolescente, submetida a
constrangimentos e violência, sob roupagem escolar, se defronta com a sua
própria impotência para enfrentar a rejeição agressiva. No caminho, ficam
delineados os rumos da tragédia. Na seguinte, de pedras na mão, grupo de gays,
lésbicas, travestis, dragqueens, reage contra policiais que invadiram bar em Nova
Iorque, há 50 anos. A atitude espontânea e indignada, anuncia o movimento LGBT.
E na final, discursos do então deputado Jean Wyllis, entre 2011 e 2018, assinalam
o machismo debochado e hipócrita de seus pares. A microfonia do parlamento não
abafa a sonoridade límpida do desnudamento. A visão muralista do diretor Fabiano de
Freitas propõe traços marcantes de um mesmo embate em tripla refração. Pequenos
objetos (uma bacia é imagem de mergulho na tortura), projeções
poéticas-documentais (Judy Garland, contraponto à barbárie), e interpretação de
emoções contidas (o ator é um corpo descritivo), desenham a cenografia
dramatúrgica. E ainda que a encenação carregue, no final, um tanto na ênfase, mantêm-se
ao longo da sua duração, equilibrado ritmo narrativo. Leonardo Netto, que
além do texto e atuação, assina a trilha sonora (ao lado de Rodrigo Marçal) e seleção
de vídeos, tem sua participação completada pela luz sensível de Renato
Machado. Netto, frontalmente evolvente no episódio do bullying, acidamente
“didático” no quadro da pedra na mão, e ironicamente provocativo na cena da
casa legislativa, vivencia com integridade as
palavras que escreveu.