Crítica/ “Macunaíma
– Uma Rapsódia Musical”
Não deixa de ser necessário buscar no subtítulo que “Macunaíma” recebeu na versão de Bia Lessa, muito do que a diretora,
cenógrafa e “escritora cênica” pretendeu com a encenação da obra de Mario de
Andrade, no Teatro Carlos Gomes. A “rapsódia musical” atende, em parte com a citação
às sonoridades e a integração da Cia. Barca dos Corações Partidos (“Auê” e “
Suassuna, o Auto do Reino do Sol”) à linguagem performática das atuações e a
visualidade expandida da versão teatral do autor paulista. Em 180 minutos, a saga do personagem, perseguindo
uma identidade ainda sem caráter, e movido, preguiçosamente, por tantas dubiedades
quanto são as mutações que sofre ao longo de suas aventuras, se multiplica em
imagens que asfixiam as palavras. O “herói da nossa gente”, o menino que por
magia se faz homem, que é morto e ressuscita, percorre o Brasil, acompanhado
dos irmãos e de séquito de araras e jandaias, divide-se em muitos para
incorporar um todo. E esse todo, talvez seja a brasilidade, capturada nas suas contradições
formativas e no sentido quase antropológico de recolha de lendas, folclore, e
culturas. A fartura de referências e a complexidade do original - um dos mais
atraentes para estudos acadêmicos – exigem, além de interpretação conceitual no
palco, adaptação a uma linguagem cênica que projete a ação narrativa em sua
caudalosa dimensão. Em que medida, a pluralidade de Macunaíma encontra a inevitável
“sintetização” da teatralidade? Mesmo a impactante montagem de Antunes Filho,
em 1978, se ressentia da condensação da palavra em ato e da imagem em poética. Não
se trata de perda – qualquer adaptação sofre na transposição dos meios -, mas de
inadequações. Bia Lessa envelopou em plásticos, que se desdobram em
úteros-florestas, formas esvoaçantes e bolhas flutuantes, o percurso
mágico-musical-físico, de tantas peripécias a partir do “fundo mato-virgem”. Até
o retorno às origens, quando “tem mais não”, o volume de efeitos que buscam um esteticismo
referendado por encenações dos anos 1970, assume formas que sublinham,
pretendendo comentar, e acabam, apenas, por ilustrar. À rapsódia “andradiana”,
acrescentou-se o musical, para incorporar o grupo Barca, o que acentua
interferências na percepção da palavra, e amplia distância ao enquadramento da
montagem. Acessórios virtuosos, os músicos – Adrén Alves, Alfredo Del-Penho,
Beto Lemos, Fábio Enriquez, Renato Luciano, Ricca Barros, ao lado de
instrumentistas convidados – conferem sonoridade poderosa ao que se restringe, em
muitos momentos, a trilha de fundo. O destaque é a participação da Barca na
melhor e mais envolvente cena, a que encerra o primeiro ato.