quinta-feira, 28 de abril de 2011

Palco Nostálgico

Crítica da primeira versão do musical Evita (1983)

Voz límpida da cantora Cláudia como Eva Duarte e a presença de Carlos Augusto Strazzer como Che Guevara 
A versão brasileira de Evita abala uma das mais fortes místicas do teatro nacional: a de que não temos competência para montar espetáculos musicais ao estilo da Broadway. O espectador que sentado na platéia do João Caetano ousa repetir essa velha conversa estará falseando a realidade, negando uma evidência. Afinal, toda a parafernália técnica – os 82 microfones, as 38 caixas de som, as duas mesas de som de 50 canais, a tela gigante, os cinco canhões de luz, o mecanismo técnico da iluminação – e o corpo artístico – 44 atores e 25 músicos – funcionam com harmoniosa perfeição, como se fossem um só instrumento, afinado por maestro perfeccionista. Quando se diz que os nossos cenotécnicos são inexperientes é recomendável assistir às dezenas de mudanças  de cena, com a subida e descida de telões e telas, a colocação ou retirada de adereços, num verdadeiro trabalho de engenharia e logística. Quando se reclama da incapacidade de nossos atores de interpretarem, cantarem e dançarem ao mesmo tempo, mencionando sempre a falta de tradição brasileira para o musical importado, é bom lembrar que comparando as vozes do elenco  brasileiro com as do inglês – basta ouvir o disco da trilha-sonora original para estabelecer as diferenças -, em alguns casos, até nos saímos melhor. Se Evita prova que há um temperamento brasileiro que pode ser ajustado às rigorosas exigências de perfeição técnica musical, evidencia, por outro lado, que também não estamos assim tão longe do know-how dramatúrgico que permita escrever comédias musicais com temas menos inconsequentes. Como é o caso de Evita, que procura contar a trajetória dessa líder carismática argentina, desde seus tempos de bailarina até a sua morte. O que falta, evidentemente, é sustentação econômica e tradição do público para o gênero.
 Evita, nada mais é do que uma inteligente ópera que utiliza truques básicos de encenação teatral – sequência de cenas curtas e rápidas, construção dramática para fortalecer a personagem-título e um narrador para facilitar a evolução narrativa -, com músicas, nem sempre marcantes, e história que procuram envolver com habilidade, dosando o sagrado compromisso da diversão (lei fundamental do show-business) com a teatralidade de uma personagem forte. A dupla Andrew Llody Webber (música) e Tim Rice (letra), que anteriormente havia escrito outra ópera-pop (Jesus Christ Superstar), mostra indiscutível preferência por personagens destacados, de liderança e reconhecido apelo popular. E mais do que na ópera anterior, Webber e Rice conseguiram transformar Evita, desde sua estréia em 1978, em Londres, numa bem-sucedida empreitada empresarial, já encenada em 15 países  - permanecem, atualmente, cinco montagens em cartaz no mundo – e com possibilidades até de chegar ao cinema, caminho natural das comédias musicais de sucesso. Mas este sucesso, mérito evidente da dupla de autores, dever ser atribuído também ao diretor Harold Prince, que construiu um espetáculo de eficácia no palco.
A equipe de direção brasileira (Maurício Sherman, direção geral, Johnny Franklin, coreografia, Edson Frederico, maestro e diretor musical e Miguel Rosenberg, diretor de cena) fez um trabalho irrepreensível, conjugando toda a complexidade técnica com a necessidade de mostrar alta qualidade artística. Poucas vezes se viu por aqui integração tão perfeita, sem microfones com interferências estranhas, cenários que entram fora de hora, atores que cantam fora do tom, bailarinos que tropeçam em cena, refletores que apagam antes do tempo. Nada disso acontece, pelo contrário, tudo está a tempo e a hora, funcionando sem arranhões, mérito  de uma brava equipe que está envolvida no projeto há cinco meses, e que ao colocar Evita em cena não arriscou que nada ficasse fora do lugar. Mas esta não é a única qualidade da equipe nacional – vieram vários técnicos e diretores estrangeiros para reproduzir a integridade da montagem original – já que, limitada por força de cláusula contratual com os produtores ingleses, não se pode modificar a concepção londrina. Apesar disto, e com o consentimento desses produtores, foram feitos alguns ajustes, como a mudança de ritmo das canções, mas são apenas detalhes, já que o desenho da produção teve que ser seguido à risca.
A orquestra, dispondo de microfones especiais, está competentemente dirigida pelo maestro Edson Frederico, ainda que um tanto abafada em algumas músicas. O coro formado por 34 cantores-bailarinos, que formam o povo argentino, os aristocratas, os familiares de Evita e os militares, é de alto nível técnico e artístico. A cada uma de suas intervenções constata-se que tem a mesma qualidade de similares do eixo West End-Broadway, mercado altamente competitivo e no qual só se sobrevivem os melhores. Dançando e cantando sem qualquer deslize mereceram na noite de estréia, entusiásticos aplausos em cena aberta. Até as crianças, seis ao todo, que nem sempre conseguem ter um comportamento disciplinado no palco, marcam presença dentro do profissionalismo geral da produção.
Sílvia Massari no episódico personagem da amante de Perón, canta muito bem e retira de sua pequena cena as suas melhores possibilidades de atriz e cantora. Hilton Prado, que há anos participou de outros musicais, em Evita se destaca como Magaldi, o homem que ficou na História por ter sido o amante de Eva Duarte. Cantor de boleros no original e de tangos na montagem brasileira, Magaldi é o protótipo do músico de segunda, sem talento. Hilton está perfeito, tirando partido  da sua excelente voz e acentuando a canastrice do personagem. Mauro Mendonça surpreende cantando. Voz potente, ainda que deseducada, não compromete o alto padrão vocal do espetáculo. Mas é como ator que Mauro se sai melhor, compondo um Perón populista, demagogo e ardiloso (na vida pessoal e nas tramas políticas). Carlos Augusto Strazzer tem a difícil tarefa de interpretar Che Guevara, a quem empresta o seu tipo físico e energia dramática. Mas com problemas de modulação de voz, cujo timbra também não é muito agradável para o canto, Strazzer sucumbe em vários momentos a esses problemas incontornáveis.
Cláudia a grande surpresa de Evita. Voz límpida, brincando com toda a complexidade da maioria das canções, revelando-se uma presença de palco sensível, dançando com razoável desenvoltura, Cláudia faz o que quer com sua voz privilegiada, sustentando notas altas da mesma forma como sussurra pequenas frases musicais. Definitivamente incorporada à comédia musical brasileira, a cantora tem todas as condições de fazer uma fulgurante carreira no palco, o que, inexplicavelmente, não aconteceu no disco. Um nome consagrado.
Evita prova, portanto, que o artista brasileiro possui múltiplas possibilidades de consolidar-se na linguagem musical, desde que sejam fornecidas estruturas de trabalho para criar aqui qualquer comédia musical americana ou inglesa. Resta apenas saber se, para além dessa capacidade mimética, esse quadro de excelente profissionais terá possibilidades de conseguir maior espaço de criação para obras do gênero geradas nas nossas fronteiras. Evita é um atestado de que é possível fazer (e muito bem). Agora é só dar continuidade.


macksenr@gmail.com

segunda-feira, 25 de abril de 2011

17ª Semana da Temporada 2011


  Crítica/ Os 39 Degraus

Adaptação do elenco ao humor das rubricas britânicas
A origem está no cinema (os filmes de Alfred Hitchcock) e no teatro (os truques dos seus modos expressivos), que se interpenetram nesta comédia inglesa de Patrick Barlow, que brinca com a inspiração cinematográfica e expõe ao ridículo os recursos cênicos. O roteiro, que conta história baseada no filme homônemo de Hitchcock, se restringiu a quarto atores para levar adiante o misterioso crime ocorrido no apartamento de um homem britanicamente entediado. A partir de então, é perseguido até desvendar os motivos do assassinato da estranha agente , morta por tentar salvar o mundo da sanha de uma organização. Os atores se desdobram para se distribuir em papéis, muitas vezes duplos, usando recursos de humor que revelam os mecanismos da ilusão. A roteirização leva essa perspectiva ao limite delirante da ação narrativa. Esse primo de Irma Vap, a montagem que também recorria à movimentação frenética dos atores (dois) para impulsionar a cena, se baseia mais nas entranhas do jogo teatral do que o  dos intérpretes do texto de parentesco. A manipulação que Barlow faz de sua maquinaria de efeitos está prevista no detalhamento de cada quadro, ressaltando a potencialidade das situações que aceleram os gadgets visuais. O texto calcado na “técnica” e no “humor” britânicos do ator inglês, quando transposto para cá, encontra na “espontaneidade” e na “comicidade” do ator brasileiro, revisão menos conotada nos apelos da cinematografia hitchkockiana e mais livre na exibição histriônica. Alexandre Reinecke como diretor da versão nacional, teve o mérito de seguir o que estava proposto pelo autor. A função do diretor, neste caso, foi a de traduzir, sem muitas interferências, o que estava definindo pelas rubricas. E cumprindo o papel de executor, escolheu o elenco que se ajustou, à perfeição, ao espírito do espetáculo. Dan Stulbach, Fabiana Gugli, Danton Mello e Henrique Stroeter entram na brincadeira de maneira abusada, ao mesmo tempo em que cumprem as rigorosas indicações, brincando com suas caracteríticas de intérpretes. Dan com a fama de ator de televisão; Stroeter com variantes do cômico; Fabiana com a atriz de espetáculos de vanguarda e Danton com a entrega ao humor. Os 39 Degraus, em cena no Teatro do Leblon, se oferece como uma boa comédia com grande possibilidade de conquistar um longo afluxo à bilheteria.


Crítica/ A Estupidez

Escalada caricata para se dar bem na vida
Uma outra comédia, com estilo semelhante, e também inspirada em efeitos retirados de outros gêneros, A Estupidez, que ocupa o palco do Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil, repete a eficácia como divertissiment de Os 39 Degraus. Escrita pelo argentino Rafael Spregelburd trata de comportamentos  relacionados ao título. Numa corrida para se dar bem - no jogo, no abuso do outro, contra os obstáculos à cobiça -, cinco personagens perseguem, à moda de um vaudeville anárquico, a concretização de seus confusos e superficiais objetivos. Com a banalidade das motivações que os impelem e com a vulgaridade de expedientes grosseiros, emprendem a escalada para arranhar o politicamente correto e desvendar suas atitudes estúpidas. Num ritmo acelerado - ainda que o texto seja longo e na versão do diretor Ivan Sugahara dividido em dois atos - Spregelburd é mordaz nas observações sobre a arte contemporânea, sobre seriados de televisão e outros adereços consumistas da cultura pop. Em crescente aumento de tom, que varia da apresentação caricata dos personagens ao delírio da comédia rasgada, o autor mantém a oferta de riso em nível, tanto rasteiro quanto crítico. Desta alternância, da qual Sugahara tira partido na direção, os atores sustentam a troca rápida de tipos, com agilidade nas caracterizações e na quebra de alguns padrões do que se convencionou como de bom gosto. Cristina Flores, Alcemar Vieira, Saulo Rodrigues, José Karini e Letícia Isnard demonstram um “acordo interpretativo” em cena, que faz com que a roda das atuações gire em movimento bem azeitado. Cada um deles tem um momento de destaque, mas Letícia Isnard, mentora do projeto, além de tradutora e adaptadora, e por isso bastante identificada com o espetáculo, está impagável nas suas múltiplas intervenções, das quais retira as melhores possibilidades de humor.      
  

Cenas Curtas

 A 5ª edição do Prêmio APTR (Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro) de Teatro escolheu os vencedores da temporada 2010. A Cia Pequod recebeu o prêmio especial pelo espetáculo Marina, e Renato Machado pela iluminação de Marina, Senhora dos Afogados, Hamelin e Deus da Carnificina. Marcelo Pies ficou com a láurea de figurino por Hair, enquanto a de cenografia com Daniela Thomas por Pterodátilos, e André Paes Leme pela direção de Hamelin. Rodrigo Nogueira por Ponto de Fuga foi escolhido para o prêmio de autor, André Dias por Era no Tempo do Rei como ator coadjuvante e Dani Barros por Maria do Caritó e As Cochambranças de Quaderna como atriz coadjuvante. Marco Nanini se destacou como ator de Pterodátilos e Júlia Lemmertz como atriz de Deus da Carnificina. Pterodátilos foi considerado o espetáculo do ano.  

Há quatro anos, quando da primeira visita do Théâtre du Soleil ao Brasil, o Rio ficou de fora. Somente Porto Alegre e São Paulo assistiram à Les Ephèméres, flagrantes sobre a vida contemporânea transformados em saga cênica. Para novembro está prevista a vinda ao Rio do último espetáculo dirigido por Ariane Monouchkine, Os Náufragos da Louca Esperança. Inspirado em obra póstuma de Júlio Verne, a montagem evoca a rodagem de filme nos primórdios do cinema.

Na sua 18ª edição, que acontece entre os dias 6 e 27 de setembro, o Porto Alegre em Cena reúne importantes nomes da cena internacional (além da Mnouchkine, Peter Brook e Bob Wilson), mas este ano investe em forte programação musical. Estão agendados para a mostra gaúcha, Phillip Glass, Marianne Faithfull, os portugueses Maria João e Mário Laginha e os brasileiros José Miguel Wisnik, Ná Ozetti, Cida Moreira e Adriana Calcanhoto.


O que há (de melhor) para ver
  
Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

macksenr@gmail.com 

quinta-feira, 21 de abril de 2011

16ª Semana da Temporada 2011



Crítica/ Memória da Cana

Ambientação canavieira transforma família mítica em névoa farsesca
Newton Moreno, diretor desta versão de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues aclimatada ao Nordeste, procurou exacerbar o que em si não precisa ser expandido. O próprio Nelson, que adorava cunhar frases e provocar com as palavras, classificou seu texto de “desagradável e pestilento”, por saber que em 1949, quando o escreveu, que a família patriarcal, dominada por loucura e paixões incestuosas, necessitava de autodefinição arrebatada para torná-lo mais aceitável. O sucesso, ou o fracasso, de escândalo, que acompanhou a carreira do dramaturgo, não foi maior ou menor nesta peça em que o “mítico” grupo familiar se desnudava no palco. O aspecto subjetivo e trágico, em paralelo à forma melodramática na qual  o autor envolvia suas narrativas, está no substrato da sua dramaturgia, em especial neste Álbum. Não há, portanto, necessidade de ampliar as   manifestações de interioridade conflituada ou os temores dos sentimentos  primários, sob o risco de os revelar pela banalidade do superficial. É, justamente, o que Moreno faz com sua montagem esgarçada, cenografada e interpretada quase como farsa. Sob capa de integrar a família patriarcal ao cenário de fazenda de açúcar do interior pernambucano, o diretor utiliza bem mais do que a prosódia nordestina para situar o núcleo dramático rodriguiano. A cenografia, envolvente, sem dúvida, coerente com a opção do diretor, indiscutivelmente, de estética que reproduz imagens regionais, é evidente, aproxima o espectador da cena, de maneira mais física do que com recursos dramáticos que estabeleça vínculos mais efetivos com a encenação. A pretendida correlação entre o apodrecimento da cana fermentada é de  simbolismo frágil, transposto artificialmente ao quadro, reduzido a um adereço abstrato do cenário. A busca de imagens de universo alheio ao do original, pode ser medido pela bizarra intervenção de figura quase carnavalesca, que ao final, representa a loucura de um personagem. Os atores adotam interpretações que desenham caricaturas, traços carregados de entonações reiterativas, incapazes de criar jogo cênico despido de  intenções de sublinhar o que, já em si, é relevante.      


Exilados à procura de foco no tempo 
Crítica/ Murro em Ponta de Faca

Quando foi escrita, em 1973, e quando estreou, em 1978, o Brasil e o teatro eram outros. Ao estrear no Espaço Sesc, em 2011, a distância histórica e temporal parece bem maior e diversa do que os fatos que o texto de Augusto Boal intenta registrar. Grupo de exilados brasileiros, tangido para o mundo, acossado pela ditadura nacional, que os soltou em outros países, e por ditaduras estrangeiras que os obrigou a vagar por moradas provisórias, relata essas peregrinções em paralelo com as contradições da convivência forçada. Tipificados como de origens diferentes – a fútil, o proletário, o intelectual, a mulher de classe média, a operária -, vivendo a pressão de não encontrarem pouso para a suas frágeis motivações ideológicas e imperiosas necessidades de sobreviver, vagueiam por embaixadas superlotadas e apartamentos de passagem. As saudades da terra que deixaram, curtidas com sucedâneos de ingredientes para moquecas de sabor nostálgico, e cachacinha em doses econômicas, não deixam que se fixem em lugar algum. É desses exilados politicos e emocionais que Boal trata em Murro em Ponta de Faca, que na época, pela ação da censura e pelo clima repressor, funcionava mais como libelo contra as restrição das liberdades, do que propriamente como texto teatral de “durabilidade” para além do momento. As fraturas da narrativa se evidenciem quando são revistas pela perspectiva do tempo. Como os personagens não possuem densidade psicológica, são tipos sociais, representativos de classes diferentes, os sofrimentos do exílio ganham a extensão do protesto e da crítica política. Para aquele período político, o texto refletia indignação e tentava mobilizar. Hoje , é pouco mais do que a fotografia de como atribuir “função” ao teatro nas condições vividas naquelas circunstâncias. A volta à Murro em Ponta de Faca parece um revival para Paulo José, diretor da atual montagem e da versão de há quatro décadas. Sem reproduzir o clima em que a ação se passa, inexiste, igualmente, atmosfera que reproduza, ou ao menos, relembre as angústias do pequeno grupo de banidos. O texto, esquemático na categorização dos tipos e na exposição direta dos quadros (não se constrói, por exemplo com desenvolvimento dramático, o suicídio de uma das personagens), dificulta ainda mais o ajuste à atualidade. O elenco  - Gabriel Gorosito, Laura Haddad, Erica Migon, Sidy Correa, Abílio Ramos, Expedito Di Montebranco e Nena Inoue – transmite desajuste ao “realismo” da cena, o que acentua o descompasso do texto e dos meios de encenação ao país e ao teatro dos dias que correm. 


Cenas Curtas

O ator, diretor, músico, bailarino e performer Felipe Rocha está em temporada no Teatro do Planetário com a instigante montagem de seu texto Ninguém Falou Que Seria Fácil, espetáculo que se transfere em maio para o Espaço Cultural Sérgio Porto. E a partir desta transferência, Felipe e Alex Cassal da companhia fundada pela dupla, a Foguetes Maravilhosas, apresentarão também outros textos do repertório do grupo. Duas Histórias reúne os monólogos Uma História Nefanda, transposição de conto de Sérgio Santana, com Felipe, e Alcubierre, texto e interpretação de Alex Cassal. E volta ao cartaz – estreou há dois anos – Ele Precisa Começar, um ensaio exploratório de Felipe sobre as possibilidades da narrativa cênica. 

A Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, a mesma que apresentou no ano passado o bem sucedido Vida, sobre a obra de Paulo Leminski, está de volta ao Rio, em maio no Espaço Sesc, com Oxigênio. A partir do texto inédito no Brasil de Ivan Viripaev, o grupo dirigido por Márcio Abreu utiliza a dramaturgia desse autor russo contemporâneo, que segundo o encenador paranaense traz “a musicalidade da palavra e a revisão do teatro como forma de contato com a platéia”.

Adaptação do romance da francesa Lolita Pille, Hell estréia em maio no Teatro dos Quatro. Depois de temporada paulista, a montagem dirigida por Hector Babenco, que também assina a versão teatral com Marco Antônio Braz, chega ao Rio com o mesmo elenco: Bárbara Paz e Ricardo Tozzi. Hell é o nome da mulher bonita e consumista que se apaixona, resultando deste relacionamento um desfecho trágico.

O autor e diretor Caio Andrade, que já assinou alguns textos teatrais com base histórica, volta à mesma linha dramatúrgica em Diários do Paraíso, a partir de 10 de maio na Sala Marília Pêra do Teatro Leblon. O texto é inspirado nos estrangeiros, que na década de 30, vieram para a Amazônia para trabalhar nos seringais da região. Jaime Leibovitch interpreta um americano de 80 anos que, de volta ao seringal e à cidade que viu construir, rememora o que viveu.

A incansável dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, que encerra a temporada de Hair no próximo mês no Oi Casa Grande, conclui os ensaios, para estréia em junho no mesmo teatro, do musical O Violinista no Telhado, com elenco que tem José Mayer como Tev e Soraia Ravenle como sua mulher. E para agosto, no Teatro Bradesco, em São Paulo, está previsto o início da temporada do também musical As Bruxas de Eastwick, que tem no elenco, entre muitos outros, Fafy Siqueira.


O Que Há (de melhor) Para Ver

As centenárias – Agora em um palco bem mais amplo do que o da estréia há três anos no Teatro Poeira, a dupla de carpideiras, criada por Newton Moreno, vive o embate com a morte na tentativa de driblá-la. As duas se utilizam de artifícios para tentar, com astúcia e  esperteza, se desviarem da inevitabilidade da ameaça onipresente, percorrendo rituais do fantástico sertanejo. Marieta Severo e Andréa Beltrão mergulham no universo nordestino como as carpideiras com movimentação corporal e detalhamento vocal, que se estende da juventude à senilidade. Interpretações inteligentes e comunicativas em encenação que emoldura a cultura popular sem folclorizações. Teatro João Caetano.
  
Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.



macksenr@gmail.com

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Outros Palcos

São Paulo

Evita em tentativa de versão mais documental
Crítica/ Evita

Mais um êxito da “máquina” de Tim Rice e Andrew Lloyd Webber, Evita circula pelos palcos mundiais desde 1976, e pode ser considerado um “clássico” na categoria. A música de Lloyd Webber, bem ao estilo do compositor, e as letras de Rice, fundamentais para contar a história da atriz e primeira-dama argentina Eva Perón sob a forma operística, se sustentam, mesmo depois de tanto tempo e da versão cinematográfica com Madonna. Rever Evita não deixa de provocar a sensação de deja vu, menos pelo natural desgaste que os musicais sofrem em sucessivas montagens e por transposições para as telas, mais pelo repetidas encenações que somente reproduzem a versão original. A atual, no Teatro Alfa na capital paulista, se desvia deste rumo, insuflando algum vigor ao peso dos anos e à obrigação da cópia. Não que haja grandes novidades nesta montagem de Jorge Takla, mas registre-se o empenho em se libertar da fôrma e procurar caminho próprio. A começar pela cenografia, que utiliza paredes brancas, com pequenas portas, que servem de “telas” para projeção de imagens de época. Sem outro impacto visual, a não ser o da exibição, o cenário condiciona o caráter documental que o musical assume nesta transcrição nacional. As imagens são ilustrativas da capacidade de mobilização que Evita conseguiu junto a uma nação, mostrando-a desde seus tempos de atriz medíocre até as manifestações populares em seu funeral. Desta forma, perde-se um tanto da féerie que cerca a maioria dos musicais, apostando-se mais na ópera, mantendo-se o glamour apenas nos figurinos. Não foi por acaso que se ouviram de espectadoras, à saída, comentários sobre a falta de charme de Evita. É o preço que se paga para dar um cunho menos servil ao gênero e às franquias. O público (ao que parece, majoritariamente, maduro) tem reagido com aplausos discretos às árias e duetos mais populares (Não chores por mim,  Argentina não levanta a platéia). A versão de Cláudio Botelho é fluente, mas não tão brilhante como esse tradutor de letras de musicais tem nos acostumando. A coreografia de Tânia Nardini é burocrática, já a direção musical de Vânia Pajares projeta com habilidade o cancionismo das músicas de Weber. O elenco corresponde às exigências técnicas, demonstrando ser composto por melhores cantores do que atores.         


Crítica/ Mamma Mia

Cópia fiel de modelo vendável
Apesar de ser um musical de segunda linha, Mamma Mia é indiscutível sucesso de público no circuito internacional do gênero. Se o West End londrino e a Broadway ratificaram esse roteiro baseado em filme da década de 60 com Gina Lollobrigida, com música do grupo sueco ABBA, e que teve sua franquia  vendida com facilidade para o resto do ano, logo depois de sua estréia em 1999, não há muito que considerar, agora que está em cartaz no Teatro Abril, em São Paulo. O filme recente baseado no musical, com a múltipla Merryl Streep colaborou para que Mamma Mia se popularizasse ainda mais, o que não atenua a constatação de suas modestas qualidades. A começar pela historieta da mocinha que convida três ex-namorados de sua mãe para seu casamento na ilha grega onde vivem, para que descubra qual deles é o seu verdadeiro pai. Embalada pela trilha dos suecos, com pelo menos dois hits (há quem goste), e pela descoberta do que se sabe de início, a trama inclui outras personagens, como a dupla caricata de amigas da mãe, e os amiguinhos da noiva. Pueril, melosamente romântica, chavão narrativo, canções inexpressivas, excessivamente longa, Mamma Mia é um produto com ingredientes “vendáveis” e pouca pretensão criativa. A versão nacional sofre com o agravante de que é cópia, por contrato, da montagem original. O que se assiste é um exercício mimético de reproduzir o já exaustivamente testado em outras praças. Canta-se convencionalmente, tal qual se cantava há 10 anos em Londres. Dança-se em saltitantes passos, como o elenco da estréia em Nova Iorque. Veste-se com figurinos cafonas dos anos 70, como desenhou o figurinista dos primeiros croquis. Por quase três horas, desfila elenco brasileiro que cumpre aquilo que o “caderno de encargos” exige. O público parece gostar. Aplaude com entusiasmo no final, mexe o corpo ao som-discoteca, sentindo-se recompensado pelo preço pago pelo ingresso. A propósito, Mamma Mia está em cartaz desde novembro do ano passado.       

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terça-feira, 12 de abril de 2011

15ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ 45 Minutos

Falta de luz com tempo marcado
Marcelo Pedreira, autor de 45 Minutos, em cena no Teatro do Sesi, participou da mostra Nova Dramaturgia Carioca, há oito anos, com o texto Dilúvio em Tempos de Seca, que logo depois, foi encenada por Aderbal Freire-Filho, com Giula Gam e Wagner Moura, no hoje fechado Teatro Dulcina. Ano passado uma dos suas peças, A Inevitável História de Letícia Diniz esteve em cartaz, e agora traz um monólogo em que o teatro é persongem central. Um ator desempregado, que vive nos fundos do teatro, é instado por circunstância não muito clara a entrar em cena para ocupar o palco durante os 45 minutos anunciados pelo título. Sem nada para dizer, e tentanto cumprir o tempo que lhe é exigido, desfia palavras como  se as usasse com a mesma arbitrariedade da obrigação de inventá-las. Enredado na sua armadilha verbal, o ator verdadeiro que está diante da platéia real reproduz a mesma sensação que se imagina provoca no público fictício. O tédio que se estabelece talvez seja consequência do precário julgamento do autor na construção de sua metáfora. Com conceitos vagos e ênfases em imagens verbais de vaga inspiração poética, 45 Minutos não confirma as possibilidades da  dramaturgia de Marcelo Pedreira. Roberto Alvim acentua a ambientação tediosa com a sua escura montagem, apesar dos neons coloridos e dos relógios digitais. Caco Ciocler se enquadra nesta caixa preta como um foco que procura imprimir alguma luminosidade aos traços apagados do personagem.
  

Crítica/ Mulheres Alteradas

A condição feminina fora do peso
O humor no teatro parece, ultimamente, tratar a mulher com o mais anacrônico machismo. Fixá-la como objeto de preconceitos, limitar seu universo ao tamanho de suas bolsas, e transformar os homens em única presa na mira de seus neurônios, pode ser considerado, no mínimo, deselegante. Mas quando são as próprias mulheres que se tratam deste modo, mantendo, elas mesmas, os preconceitos, a justificativa de que o humor, por si mesmo, é uma forma de autocrítica, não se sustenta. Muitas vezes, é somente espelho, como acontece com a adaptação teatral das charges da argentina Maitena, em cartaz no Teatro Clara Nunes. Com texto de Andrea Maltarolli, Mulheres Alteradas se inspira nas tiras de Maitena para construir roteiro em que mulheres expõem as agruras, superficiais e banais, da condição feminina. A transposição para o palco seguiu a rota do papel, com iguais observações ocas. Quem ainda quer saber dos problemas de peso que assaltam as mulheres? E quem se importa com as estratégias de fisgar um homem? Qual o interesse pelo “fascínio” das mulheres por shopping centers? E saber dos recursos comésticos para aplacar o envelhecimento? Nesta listagem, só faltou o “mistério” do conteúdo das bolsas e o que faz com que saiam em duplas ao toilete. No mais, todas as obviedades que mantém inalterado o lugar da mulher, apenas deslocado da cozinha para consultórios de cirurgias plásticas ou catedrais de consumo. A montagem de Eduardo Figueiredo faz todas as gracinhas fáceis com esse mundinho. Piadas rápidas, cenas curtas, chiliques variados, o espetáculo se realiza com tais recursos, reiterarando no espectador imagem que se pensava já estar desconstruída. As atrizes – Luiza Thomé, Mel Lisboa (a única que transmite alguma visão crítica em sua interpretação) e Adriane Galisteu – e o ator – Daniel Del Sarto – são figurantes dos desenhos originais.             


Estante Teatral

As peças para crianças da fundadora de O Tablado foram organizados por Luiz Raul Machado e publicadas pela Editora Nova Aguilar. As 29 peças – além da “clássica” Pluft, O Fantasminha, o livro traz quarto inéditas – podem ser lidas em Maria Clara Machado – Teatro Infantil Completo, com a biografia de Clara na introdução e fortuna crítica sobre sua obra. 

Em tradução de Barbara Heliodora, A Arte do Drama, do inglês Ronald Peacock, Editora É Realizações (320 páginas) analisa a interligação entre a linguagem poética e a dramaturgia. A questão dramática é tratada como conceito cênico e na sua projeção como discurso poético.  

O cenógrafo Marcos Flaksman registra sua carreira de quase 50 anos em Universos Paralelos, editado na Coleção Aplauso e assinado por Wagner de Assis. Desde 1964, quando desenhou cenário para A Tempestade, direção de Tite de Lemos, até o Prêmio APTR 2009 por Traição, de Harold Pinter, o trabalho de Flaksman no teatro está extensivamente analisado, além de sua atuação como diretor de arte no cinema.

 Na trilha do sucesso dos musicais, importados e nacionais, Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche lançam pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Em Busca de Um Teatro Musical Brasileiro, reunindo os textos escritos em dupla ou individualmente, e todos encenados no Rio. Oui, Oui…A França É Aqui!, A Revista do Ano, Otelo da Mangueira, Opereta Carioca e É Samba na Veia, É Candeia compõem o volume de 544 páginas, ao preço de R$ 15,00.

    
O que há (de melhor) para ver

A cultura popular sem folclore
As centenárias – Agora em um palco bem mais amplo do que o da estréia há três anos no Teatro Poeira, a dupla de carpideiras, criada por Newton Moreno, vive o embate com a morte na tentativa de driblá-la. As duas se utilizam de artifícios para tentar, com astúcia e  esperteza, se desviarem da inevitabilidade da ameaça onipresente, percorrendo rituais do fantástico sertanejo. Marieta Severo e Andréa Beltrão mergulham no universo nordestino como as carpideiras com movimentação corporal e detalhamento vocal, que se estende da juventude à senilidade. Interpretações inteligentes e comunicativas em encenação que emoldura a cultura popular sem folclorizações. Teatro João Caetano.
  
Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos. Teatro Carlos Gomes.


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domingo, 10 de abril de 2011

Festivais

Curitiba

Mineiros viajam mal à Rússia


Tchecov não aponta rumos para o Galpão


Pela primeira vez na sua história de 29 anos, o grupo Galpão estréia um espetáculo fora de sua cidade de fundação: Belo Horizonte. Curitiba e seu festival foram os palcos escolhidos para o início da trajetória de Tio Vânia, o texto do russo Anton Tchecov que o coletivo mineiro encena com direção de Yara de Novaes. O Galpão, que procura alternar repertório e diretores, estabelece neste momento de sua maturidade trintona distância maior em relação à sua origem de teatro de rua -.Till, a montagem anterior, foi uma retomada bem sucedida desta linha - e da representação de universos dramáticos que se ajustam a estilo de atuação que desenvolveram com autores tão díspares quanto Shakespeare e Ítalo Calvino. O Galpão adquiriu inquestionável identidade teatral com a circulação de influências trazidas por diversos, e também díspares, encenadores-convidados. Essa identidade nasceu da própria gestação interna do grupo, construída mineira e silenciosamente, com a absorção das múltiplas intervenções dos diretores vindos de além montanhas. O tempo e a inexorabilidade de sua passagem, matérias tão sensíveis a Tchecov, autor não por acaso escolhido pela Galpão para marcar evidente transição, assalta o grupo no instante em que parece tentar uma viragem, mas que ecoa apenas como perplexidade. A montagem de Yara de Novaes evidencia a inadequação à “monotonia cinza” tchecoviana, à qual atribui tom próximo da farsa,  deslocada da exploração do humor irônico ou mesmo da comédia agridoce. É bom ressaltar que Tchecov se referia a seu teatro – e não apenas a seus textos curtos – como comédias. Amargas e niilistas, sem dúvida, mas comédias. Recentemente, com direção do argentino Daniel Veronese, esse mesmo Tio Vânia foi traduzido como “comédia” sem qualquer perda do impacto emocional do texto. Yara  patina em indefinição estilística, incapaz de traçar rumo através do qual o elenco encontre expressão interpretativa. A escalação deixa claro que os atores ainda estão por demais referenciados à “exuberância” expositiva e à poética popular do repertório dos quase trinta anos. Perdidos nos caminhos vagos da direção, pouco sensibilizados para o universo do qual se aproximam com hesitação, com timidez interpretativa e incompatibilidade física com os personagens, os atores de Tio Vânia, confirmam que esta montagem se reduziu a num híbrido na carreira do Galpão, mas que pode ser avaliada como um interregno do grupo para repensar, efetivamente, o tempo: de sua história, de sua idade e dos meios para manter a sua vitalidade. 

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Festivais

Curitiba

Apenas uma Leitura Dramatizada

Um Édipo muito dramático  

O planejamento da grade de programação de um festival é difícil e complexo, dependendo de variáveis nem sempre, exclusivamente, teatrais. Nesta edição do Festival de Curitiba, a impressão é a de que tais variáveis pesaram bem mais do que questões cênicas. Um exemplo: a inclusão de Édipo entre os 31 espetáculos da mostra 2011. A direção geral e adaptação da tragédia de Sófocles por Elias Andreato são reverentes e respeitosas em relação à essencialidade da narrativa, a tal ponto que a compactou no formato de leitura dramatizada. Com cadeiras dispostas em semicírculo, com os atores destacando momentos-chave com sons de acordeões, e as palavras projetadas com frontalidade para a platéia., esse tipo de arranjo se apresenta como espetáculo. E pouco mais se acrescenta para encorpar a cena, que na ausência de elementos que fundamentem montagem menos “improvisada”, resta a expectativa da interpretação dos atores. Igualmente neste aspecto, Édipo se ressente de trabalho mais empenhado. A ênfase no dramático, que reduz a poética áspera do trágico a mero ascetismo formal, deixa pouco espaço a qualquer tentativa de se aproximar da envergadura do texto. Os atores demonstram mais disciplina do que integração com o universo trágico, somente exibindo capacidade de levar ao público, com parcimônia, esta fascinante e milenar narrativa. A platéia do festival respondeu, com entusiasmo, no final, aplaudindo bem mais a atração que esta história imemorial sempre provoca do que à “encenação”. Talvez tenha sido esta a estratégia  dos organizadores da mostra: apresentar uma boa história que prescinda de montagem. 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Festivais

Curitiba

À Procura de Recriar Nelson


O colorido trágico de Joana Seibel

Num festival tão marcado pela geografia teatral carioca, a presença de Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, na mostra curitibana pelo grupo Mosaico de Cuiabá é, no mínimo, inusitada. Não apenas por sua procedência, mas pela participação de exemplar de coletivo distante dos centros mais visíveis de produção em mostra que se estabeleceu como vitrine do eixo teatral dominante. A versão do diretor Sandro Lucose para esta tragédia rodriguiana procura imprimir leitura cênica, senão original, pelo menos como interpenetração de linguagens. E se esta é a sua maior qualidade, é também a fonte de seus maiores problemas. O texto de Nelson Rodrigues oferece dificuldades a qualquer diretor, não só por seu caráter arquetípico como pelas “armadilhas” dos diálogos que arranham o melodrama. Lucose encontrou uma via interessante para driblar essas dificuldades e fixar as fontes trágicas da narrativa. A montagem é ritualizada através de cerimoniais religiosos que evidenciam as pulsões interiores interditas por códigos sociais, e por coreografia que demonstra essa mesma interioridade por meio do conflito pelo gesto e pelos movimentos da capoeira. São opções que emprestam dinâmica e “ação” à cena, intensificando com ritmo ágil sentimentos em estado bruto. Mas ainda que se criem imagens evocativamente místicas e tensionadas coreograficamente, o abuso desses  recursos diminui o seu impacto pela forma como se sublinha o que se pretenderia evocar. A versão cuiabana de Anjo Negro transmite  a tentativa de teatralizar uma coreografia, o que se evidencia ao final, quando canhestro balé compromete os acertos da maior parte do que foi visto antes. O elenco, que se distribui entre os excessos corporais e a tentativa de encontrar linha mais definida, tem em Joana Seibel uma altiva figura que empresta colorido vocal e  autoridade interpretativa à Virgínia.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Festivais

Curitiba

Felipe Hirsch faz pré-estréia na mostra


Ouvinte incansável da trilha sonora de sua vida

Nesta edição do Festival de Curitiba, em que 19 dos 31 espetáculos selecionados são oriundos do Rio, Trilhas Sonoras de Amor Perdidas, encenação do carioca Felipe Hirsch, radicado na capital paranaense desde a infância, não deixa de estabelecer ligação entre as duas cidades. Atualmente publicando crônicas no Globo, Hirsch reproduz, de certo modo, o espírito do que escreve semanalmente no jornal nesta montagem que fez sua pré-estréia no Festival de Curitiba. Se acrescentarmos a montagem de A Vida E Cheia de Som e Fúria, texto de Nick Hornby e um dos maiores êxitos da Sutil Companhia de Teatro, liderada por Hirsch, poderemos compreender todo o excesso e a “viagem pessoal” que Trilhas... representa para seu autor e diretor. São três horas e meia de exposição do colecionador de fitas cassetes que acompanham musicalmente sua vida. As fitas são a linguagem adotada para substituir, por sonoridades dos anos 80, as palavras que a timidez e os sentimentos embutidos não permitem expressar. Numa listagem interminável de nomes e canções, acontece em paralelo seu encontro com uma garota, com quem casa e que, inesperadamente, morre. Há dois planos narrativos – o das trilhas sonoras, impositivo, farto, desmedido, e o da “trama”, acessório, secundário, coadjuvante -  que têm tratamento cênico  excludente. Enquanto um se repete como lista de citações, com direito a fragmentos das letras e introdução de pequeno trecho das músicas, o outro, “dramatiza” a relação do casal como adendo da compilação afetiva-musical. E neste quase monólogo, o personagem percorre o arquivo de fitas, de frustrações e de perda com imperturbável indiferença. Como um recitativo, tão próprio a acúmulos e colecionismos, o personagem existe como narrador assexuado da listagem de sua vida. Receptador de informações que compõem a sua formação – a cultura pop da década de 80 – se auto-alimenta da sua fixação por transferir para contraídas vivências emocionais as referências abstratas da música. Nostálgico (“Era um tempo fantástico, mas ele acabou, porque é isso que o tempo faz”.), e banal (“Como tudo  fabricado nos anos 70, é bege.”), essas observacoes ocupam o espaço de atalho verbal para a dramaturgia do constante acionar do gravador. Nesta longa jornada para sacar velhas cassetes do esquecimento de caixas poeirentas, o espectador se transforma em olheiro de uma trip musical. Abatido e desinteressado da evolução ou do imobilismo da trama, resta ao público assistir, resignado, ao desfilar monótono da longa trilha sonora. O cenário de Daniela Thomas e Valdy Lopes parece um arranjo improvisado. Sem muita justificativa as participaçoes das atrizes Maureen Miranda e Luiza Mariani. Natalia Lage e Guilherme Weber (presença dominante no palco) contracenam como satélites que gravitam em torno de si mesmos, como se fossem meros ouvintes de suas trilhas preferidas. 


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sábado, 2 de abril de 2011

14ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Um Dia Como os Outros
Ao encontro dos clichês da classe média
A narrativa da dupla de autores franceses Agnès Jaoui e Jena-Pierre Bacri reúne uma família, classe média de origem e um modelo de clichês de comportamento, no bistrô para a comemoração de aniversário da esposa de um dos irmãos. Eles são três: o proprietário do restaurante, herdado do pai (não é a toa que se chama Recanto do Papai), um executivo galgando com insegurança a escala de promoções na empresa, e a irmã, trintona, à procura de se ajustar aos padrões do clã. A mãe e o empregado completam o retrato familiar, capturado em sua pose mais comum, a das convenções e de seus códigos de vida. O encontro desencadeia conflitos surdos (a matrona demonstra preferências entre os filhos, mais ou menos veladamente) e explícitos (as explosões verbais nunca erram os alvos), que se disseminam num rasteio de sentimentos sem muitos filtros. O jantar comemorativo se reveste de linguagem que recorre aos chavões do que se diz (ou pensa, mas se omite) nestes rituais entre parentes. São secundárias as muletas que os autores utilizam na construção desta sempre ameaçadora lavagem de roupa suja. As saídas de cena são mal resolvidas, o desenho dos personagens, às vezes, parece escapar aos traços de seu desenvolvimento, e o final é falsamente arranjado. Apesar destas restrições, Um Dia Como os Outros, em cena no Teatro Poeira, funciona como um divertissiment, que provoca o riso pelo “efeito demonstrativo” das atitudes dos personagens nas suas faíscas identificáveis pela platéia. O material propicia encenação que valoriza os atores, desde que o elenco não imponha ao humor do texto, comicidade de resultado. Os diretores Bianca Byington e Leonardo Neto revelam cuidado em equalizar o humor com a expectativa das nossas platéias na recepção de comédias. A montagem se desenrola em trilhos fluentes, com apreciável artesanato cênico e escolha adequada do elenco. O cenário de Lipiani e Lídia Kosovski atende com realista ambientação as exigências das rubricas. Os figurinos de Emília Duncan assinalam o quanto é média a classe da família. A iluminação de Paulo César Medeiros e a tradução sonoramente “fácil” de Ângela Leite Lopes, completam a eficiente ficha técnica. O elenco atua em integrada contracena num equilibrado coletivo interpretativo. Analú Prestes, irretocável, Bianca Byington, bem humorada, Kiko Mascarenhas, na medida, Leandro Castilho e Silvia Buarque, complementares, e Mário Vitor, sutilmente irascível, formam um elenco que vai além de dar o seu recado. Diverte sem apelos, e, efetivamente, faz rir. Um Dia Como os Outros é um bem acabado e honesto espetáculo “comercial”.


Crítica/ Cozinha e Dependências

Os mesmos autores, o mesmo elenco, os mesmos diretores e no mesmo teatro, Cozinha e Dependências alterna com Um Dia Como os Outros, nas quintas e sextas, e pode ser vista em sequência, aos sábados e domingos, duplicando, assim, o universo da classe média em estado alterado. Desta vez, grupo de amigos que não se encontram há dez anos, se reúne em jantar, que já pela alta temperatura de início, está fadado, senão a ser explosivo, pelo menos fracassado. É justamente o que acontece, com alguma ironia e ares melancólicos. As qualidades e eventuais restrições, registradas em Um Dia Como os Outros, se reproduzem, em menor escala, neste texto mais curto e mais tradicional, confirmando as características dramáticas da dupla de autores. Bianca Byngton e Leonardo Netto reconfirmam a dosagem certa no tratamento da comédia e segurança na condução dos atores. O destaque, no entanto, é do coletivo, capaz de emprestar aos personagens  comentários interpretativos eficientes. Márcio Vito, Silvia Buarque, Kiko Mascarenhas, Leandro Castilho e Bianca Byington formam afinado grupo em que cada um tem seu bom momento de solista.
Uma sugestão: como aos sábados e domingos as duas montagens podem ser vistas em sequência, com direito à mudança de cenário à frente da platéia, é possível se divertir com dois “capítulos” de seriado dramatúrgico.     


Crítica/ Linda
Intermitente comédia de um romance
O ator Gillray Coutinho assina o texto de Linda, em cartaz no Espaço Sesc, e a forma como desenvolve a sua “comédia romântica”, demonstra ter somente a pretensão de se fixar nos limites do gênero. Nada de ousadias, muito menos de transgredir o pré-estabelecido. E sob esta base, Gillray descreve o casal que se envolve de modo intermitente, até que a morte os separa. Sem preocupação visível de criar personagens mais definidos, a não ser por atitudes que os tipificam (ela, jovem postulante à atriz, ele, advogado cinquentão). O vai-e-vem do relacionamento acontece sem muitas explicações, já que quaisquer decisões do casal soam inconsequentes. E sob essa tipificação que Gillray intenta brincar com a sua própria imagem e com as dificuldades de fazer teatro. Muito pouco além disso, afinal uma comédia romântica, segundo confirma o autor, precisa, tão-somente, costurar elementos de comédia a toques românticos. E deste modo, o termo é justificado no palco. Os diretores, Gillray Coutinho e Aderbal Freire- Filho, se restringiram ao espaço da terminologia, tentando imprimir dinamismo cênico que não se descobre, sequer potencialmente, no texto. A montagem até alcança alguma agilidade, driblando a repetição monótona da situação-básica, que a solução cenográfica de Fernando Mello da Costa consegue maquiar. Os bastidores-camarins ficam visíveis, servindo aos atores para a troca de roupas e para evitar os tempos mortos que marcam a divisão estanque das cenas. É a forma de atenuar a rigidez sequencial de quadros. Fernanda Nobre mimetiza como intérprete as poucas variantes da personagem. Gillray Coutinho reforça com sua atuação solta e aparentemente  “espontânea”, a identidade entre o ator e o autor. 


Cenas curtas

Os musicais continuam a ganhar espaço no mercado teatral carioca. Agora é a vez de Baby, original da Broadway que estréia dia 12 de maio no Teatro João Caetano, com direção do americano Fred Hanson. O libreto conta a história de três casais que têm que lidar com uma gravidez inesperada. Com produção de Tadeu Aguiar, que também está no elenco, ao lado Sylvia Massari, André Dias, Sabrina Korgut, Amanda Acosta, Olavo Cavalheiro e Helga Nemeczyk , a montagem tem temporada está prevista até agosto. 
  
A Cia Limite 151 é a próxima a ocupar o Teatro Glauce Rocha. Em comemoração aos seus 20 anos, o grupo se instala até junho na sala de espetáculos da Avenida Rio Branco, se apresentando de quarta a domingo. Inicia esta ocupação, dia 22, com três montagens de seu repertório: As Eruditas, O Santo e a Porca, e As Preciosas Ridículas. Para o segundo semestre, a Limite 151 programou Therese Raquin, de Emile Zola, com direção de João Fonseca.

A partir deste mês, turmas de formando da CAL apresentam suas montagens de final de curso. No dia 6, estréia no Teatro Gonzaguinha, no Centro Calouste Gulbenkian, Esta Noite Se Improvisa, de Luigi Pirandelo, com direção de David Herman. De 14 a 21, no Espaço da Cia Armazém, na Fundição Progresso, será a vez de Nem Sei Mais Quando Tudo Começou, direção de Marcelo Mello.


O que há (de melhor) para ver

As centenárias – Agora em um palco bem mais amplo do que o da estréia há três anos no Teatro Poeira, a dupla de carpideiras, criada por Newton Moreno, vive o embate com a morte na tentativa de driblá-la. As duas se utilizam de artifícios para tentar, com astúcia e  esperteza, se desviarem da inevitabilidade da ameaça onipresente, percorrendo rituais do fantástico sertanejo. Marieta Severo e Andréa Beltrão mergulham no universo nordestino como as carpideiras com movimentação corporal e detalhamento vocal, que se estende da juventude à senilidade. Interpretações inteligentes e comunicativas em encenação que emoldura a cultura popular sem folclorizações. Teatro João Caetano.
  
Os anos 60 revisitados
Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos. Teatro Carlos Gomes.