Crítica/ “Sísifo”
Tal como Sísifo da mitologia grega, “Sísifo”, do
monólogo de Vinícius Calderoni e Gregório Duvivier, diretor, ator e autores, no
palco do Teatro Prudential, está condenado, na extensão do nosso tempo, e no
imediatismo atual de nossos desejos, a repetir o movimento de carregar a vida
cotidiana a um ponto mais alto, mas que, inevitavelmente, volta ao da partida. Em
cenas curtas de como percorrer caminhos, Duvivier sobe uma rampa por 60 vezes,
até alcançar o topo e cair. A ideia de travessia e de percurso se estende para
além do ciclo repetitivo, para capturar existência digital, com seu séquito de
banalidades, e em que ressaltam dúvidas filosóficas, questões ecológicas,
comportamentos, indignação, e até toques irônicos de autoajuda. Em moto
contínuo, o gesto de subir e cair se torna ato propulsor de uma linguagem seriada
que se unifica pelas perplexidades expostas a cada investida. A maratona desse
“herói absurdo de um tempo sem profundidade” é mantida pelo Sísifo-ator em um
mesmo ritmo, sem quebras para que se estabelecem pausas de descanso, do
intérprete e da plateia. Há um ritmo interno, narrativo, determinado pelo universo
proposto, que mesmo fracionado em sua natureza e compassado no formato, se
torna sequencial na fragmentação dos múltiplas categorias que projeta. Não são
esquetes, muito menos referências ao humor que Duvivier exercita em outros
meios expressivos. Colagem cênica, com estrutura baseada no mito, transfere a
citação a impasses sócio-existenciais. Em dezenas de cenas - uma ou duas podem
ser menos eficientes -, a montagem flui em voo de cruzeiro, criando alusões
crítico-poéticas, como a do aparecimento das sacolas plásticas. (“Me conforta
saber que quando eu perecer, você permanecerá. A certeza de sua eternidade é o
conforto da minha finitude”). Gregório Duvivier conduz sua interpretação na convergência
do físico com a palavra, alcançando um equilíbrio naturalizado entre esforço e interioridade.
O ator se deixa conduzir pelo movimento ascendente, sustentando a voz, sem
arfar, e o texto em suas modulações temáticas. Entre as variantes dessa
envolvente travessia teatral, que reflete tantos destroços, amortecimentos,
suicídios, vergonhas políticas-sociais, e futuros apocalípticos, os autores assinalam
ao final: “A vida é impossível, isso é certo, mas nós seremos sempre os
dissidentes, os rebeldes furiosos dessa causa. Do alto deste abismo, o salto
significa morte certa: nós aceitamos, serenamente, esse veredicto, e saltamos
na direção da vida. Isso não é o fim do mundo: esse é o trampolim para o novo”.