quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Temporada 2019


Crítica/ “Sísifo”
Trampolim para o novo
Tal como Sísifo da mitologia grega, “Sísifo”, do monólogo de Vinícius Calderoni e Gregório Duvivier, diretor, ator e autores, no palco do Teatro Prudential, está condenado, na extensão do nosso tempo, e no imediatismo atual de nossos desejos, a repetir o movimento de carregar a vida cotidiana a um ponto mais alto, mas que, inevitavelmente, volta ao da partida. Em cenas curtas de como percorrer caminhos, Duvivier sobe uma rampa por 60 vezes, até alcançar o topo e cair. A ideia de travessia e de percurso se estende para além do ciclo repetitivo, para capturar existência digital, com seu séquito de banalidades, e em que ressaltam dúvidas filosóficas, questões ecológicas, comportamentos, indignação, e até toques irônicos de autoajuda. Em moto contínuo, o gesto de subir e cair se torna ato propulsor de uma linguagem seriada que se unifica pelas perplexidades expostas a cada investida. A maratona desse “herói absurdo de um tempo sem profundidade” é mantida pelo Sísifo-ator em um mesmo ritmo, sem quebras para que se estabelecem pausas de descanso, do intérprete e da plateia. Há um ritmo interno, narrativo, determinado pelo universo proposto, que mesmo fracionado em sua natureza e compassado no formato, se torna sequencial na fragmentação dos múltiplas categorias que projeta. Não são esquetes, muito menos referências ao humor que Duvivier exercita em outros meios expressivos. Colagem cênica, com estrutura baseada no mito, transfere a citação a impasses sócio-existenciais. Em dezenas de cenas - uma ou duas podem ser menos eficientes -, a montagem flui em voo de cruzeiro, criando alusões crítico-poéticas, como a do aparecimento das sacolas plásticas. (“Me conforta saber que quando eu perecer, você permanecerá. A certeza de sua eternidade é o conforto da minha finitude”). Gregório Duvivier conduz sua interpretação na convergência do físico com a palavra, alcançando um equilíbrio naturalizado entre esforço e interioridade. O ator se deixa conduzir pelo movimento ascendente, sustentando a voz, sem arfar, e o texto em suas modulações temáticas. Entre as variantes dessa envolvente travessia teatral, que reflete tantos destroços, amortecimentos, suicídios, vergonhas políticas-sociais, e futuros apocalípticos, os autores assinalam ao final: “A vida é impossível, isso é certo, mas nós seremos sempre os dissidentes, os rebeldes furiosos dessa causa. Do alto deste abismo, o salto significa morte certa: nós aceitamos, serenamente, esse veredicto, e saltamos na direção da vida. Isso não é o fim do mundo: esse é o trampolim para o novo”.