quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (28/1/2015)

Crítica/ Frida y Diego
Longo diálogo de uma disputa entre casal de artistas

O relacionamento conflituoso entre Frida Kahlo e Diego Rivera, artistas mexicanos de estéticas diversas, ideologia comum e contradições afetivas irreconciliáveis, pode ser um atraente conflito dramático se ampliado para além das querelas de casal. A escolha de Maria Adelaide Amaral em Frida y Diego foi a de se concentrar neste embate de sentimentos em detrimento ao choque de personalidades artísticas. Traçando o período de 24 anos de convivência, em que apesar de brigas, traições, choque de desejos, ou exatamente por todo esse quadro de instabilidade emocional, Maria Adelaide consegue esboçar a dimensão humanizada da dupla através da sua intimidade. A autora procura concentrar em diálogos, que reflitam a acidez de vidas em permanente atrito, a carga de informação que a cada round desta luta de contendores, ligados indissoluvelmente pela paixão e diferenças, possa ajudar a compor o ambiente e o tempo da ação. A efervescência do período (de 1929 a 1953) e as tragédias vividas por Kahlo e o duvidoso exercício político de Rivera são apresentados como composição de um mural, menos como personagens de um cenário e mais como figuras de painel existencial. A obra de ambos, ela expressando angústias de percurso acidentado, e ele reproduzindo sagas ideológicas muralísticas, é vista à distância, sem paralelismo nos estilos da pintura e na apropriação simbólica da cultura mexicana. Apenas discreta observação de Diego, quando menciona a originalidade da criação de Frida, em contraponto à sua condicionada formação europeia, pouco se trata da produção artística de criadores tão peculiares. Eduardo Figueiredo centraliza a direção na agilidade dos intérpretes em sustentar longa e recorrente conversa sobre uma crise interminável, já que não poderia fugir da dualidade dos temperamentos determinada pelo texto. Talvez para evitar o aspecto restrito da disputa a dois, o diretor, com a participação do cenógrafo, figurinista e aderecista Marcio Vinicius, utiliza as cores, som e tons carregados das obras pictóricas para preencher a cena com projeções constantes e música ilustrativa do duo Wilson Feitosa (acordeão) e Mauro Domenech (baixo acústico). Os recursos dinamizam e imprimem ritmo mais acelerado ao distendido diálogo, que ao perseguir a abrangência se perde na minúcia do detalhe. José Rubens Chachá, como Diego Rivera, assume equidistante segundo plano em relação à intensidade emocional de Frida Khalo. A personalidade egóica e cumplicidade doentia do muralista ficam um tanto apagadas. Leona Cavalli é mais bem sucedida na construção de uma Frida que, ao mesmo tempo, projeta o sofrimento físico e emocional da artista e mulher submetida a tantas doenças e acidentes, se reinventa em cores fortes na vida e se distorce em traços marcantes nos quadros . 

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Prêmios

Vencedores do Prêmio Cesgranrio de Teatro

Diretor: Gustavo Gasparani (Samba Futebol Clube)

Ator: Candido Dammm (Vianinha Conta o Último Combate do Homem Comum)

Atriz: Suzana Faini (Silêncio!)

Cenógrafo: Nello Marrese (O Grande Circo Místico)

Iluminador: Renato Machado (Fala Comigo como a Chuva e Me Deixa Ouvir)

Figurinista: Marcelo Marques (Edyopop)

Autor: Maurício de Arruda e Paulo Moraes (O Dia em que Sam Morreu)

Diretor Musical: Leandro Castilho (As Bodas de Fígaro)

Ator em Musical: Gabriel Stauffer (O Grande Circo Místico)

Atriz em Musical: Solange Badim (As Bodas de Fígaro)

Especial: Renato Vieira (direçãoo de movimento de Samba Futebol Clube)

Espetáculo: Fale Comigo Como a Chuva e Me Deixa Ouvir

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (23/1/2015)

Crítica/ O Homem Elefante
Uma imagem artificialmente dramatizada

A história do inglês John Merrick é verdadeira e foi ficcionada para o teatro pelo americano Bernard Pomerance, em 1977. A figura deformada por doença de Merrick é explorada por empresário de circo e exibida como aberração na Inglaterra do final do século 19. Um médico o resgata da humilhação e o transfere para hospital, onde adquire a possibilidade de expressão e alguma dignidade. Veículo da curiosidade, seja dos espectadores do espetáculo bizarro de horrores, ou do ambiente social ao qual é levado a conviver, não deixa dúvidas sobre a impossibilidade de um homem elefante viver na integralidade a sua condição humana. A narrativa de Pomerance evolui da revelação física para a exibição dos contraditórios sentimentos que assolam alguém condenado, por sua aparência, a ser imagem rejeitada e reflexo daquilo os belos não desejam ver em si. O aspecto grotesco e as reações de negação parecem ser o eixo em torno do qual o texto descreve a face dupla da cortante lâmina do espelho da hipocrisia da convivência. A direção da dupla Cibele Forjaz e Wagner Antônio se baseia na construção da imagem do que escapa do padrão e da norma. O mistério que  envolve o espectador até o desvendamento completo do patético é levado ao limite dos truques, somente um pouco além do exibicionismo físico. Os diretores valorizam parcialmente os contrastes entre uso, repulsa e falsa aceitação que revelam a dimensão cruel do jogo da sociedade, para fixar-se na exterioridade do efeito, na construção cenográfica da figura, e não do personagem. São bem construídas, ainda que um tanto alongadas, as cenas de montagem corporal de Merrick no hospital e da imersão no barro no final, mas que se nivelam como cenarização de menor ressonância dramática. O ambiente visual de Aurora dos Campos, que redefine o espaço do Oi Futuro, criando frontalidade entre o palco e a área de representação do hospital, recorre a cortinas que, fechadas e entreabertas, reforçam os traços de mistério. A iluminação de Wagner Antônio explora pouco a cenografia. O elenco incorpora essa coreografia que desenha contornos, mais do que define movimentos dramáticos, com a disciplina de gestos coordenados. Daniel Carvalho Faria é o explorador do circo, dublê de bufão e introdutor do público ao picadeiro que abriga a função. David de Carvalho esvazia, com interpretação tímida, a importância do médico, em especial na sua definidora cena final. Vandré Silveira  mantém-se em plano secundário. Regina França, nos vários papéis, se apoia no histrionismo. Vandré Silveira, num trabalho sustentado na vocalização de sons guturais e no balé de gestos arrebatados, restringe Merrick à exposição projetada unicamente pela aparência.             

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (21/1/2015)

Crítica/ Sim! Eu aceito! – O musical do casamento
Cinquenta anos de convivência em formato musical

Sim! Eu Aceito! – O musical do casamento é baseado em texto de Jan de Hartog, escrito no início da década de 1950, roteirizado para o cinema e encenado fartamente pelo mundo. No Brasil, ganhou a primeira versão no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em 1954, com Cacilda Becker e Jardel Filho, e foi submetido ao rolo compressor de cacos e irreverência por Dercy Gonçalves. Adaptado como musical em meados da década de 1960, “Leito nupcial”, título da tradução brasileira no formato de comédia, mantém alguma durabilidade, apesar da utilização excessiva, e discreta maleabilidade no encaixe a um gênero diferente do original. A dupla de adaptadores, os americanos Tom Jones (texto e letras) e Harvey Schmidt (música), procurou com empenho e relativo êxito integrar as canções ao fluxo da trama, buscando acrescentar sonoridade musical a diálogos entre casal em cinquenta anos de convivência. O casamento de Michael e Agnes é revivido, desde a noite de núpcias à saída, na velhice, da casa onde viveram por tanto tempo. O nascimento de filhos, as crises, os desgastes e ajustes e o inevitável envelhecimento são acompanhados em torno de uma cama, móvel-símbolo a partir do qual se impulsionam as emoções e se discute a relação. Convencional e um tanto ultrapassada, a narrativa, ainda assim, demonstra a habilidade de Hartog em sustentar dramaturgia sem muito brilho, mas com acabamento e comprometida com seu alcance honestamente restrito. A transposição para a comédia musical acrescenta um elemento algo perturbador à fluência da ação e um tanto reiterativo na estrutura narrativa. Esse acréscimo seria até contornável, se a trilha sonora não fosse tão anódina e indistinta, sem qualquer canção com maior destaque na sequência de músicas que parece uniforme e ajustada somente para conter letras que perseguem as cenas. O diretor e coreógrafo Cláudio Figueira segue, em estrito desenho cênico, os condicionantes desta comédia a moda antiga e música de tonalidade única. A constante movimentação do casal, que exige a permanência dos dois intérpretes no palco durante quase toda a duração do espetáculo, imprime ritmo um pouco mais ágil à ação, que nem mesmo os cortes musicais e o esgarçamento do entrecho conseguem comprometer inteiramente. Há momentos de quebra de intensidade e de interesse por vivências rotineiras e distantes dos casais da atualidade, que a direção tem dificuldade em preencher e ativar. O cenário com um arranjo sugestivo de móveis e objetos, alguns de efeito, como os brinquedos, e o figurino de boa confecção e marcando bem as diversas épocas, são assinados por Clívia Cohen. Sylvia Massari, com educado e inconfundível timbre vocal, explora melhor as suas características de cantora. Diogo Vilela enfrenta como um bom ator de comédia as exigências da partitura musical.             

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (16/1/2015)

Crítica/ Bilac Vê Estrelas
Elenco alinhado com a ótima trilha de Nei Lopes

Em meio a tantos musicais, a maioria repetindo fórmulas e preguiçosamente cantando as mesmas e previsíveis partituras, Bilac Vê Estrelas, se não é inovador, pelo menos quer ser comédia com tema adaptado e crônica com trilha original. Baseado em livro homônimo de Ruy Castro, transposto para o teatro por Heloisa Seixas e Julia Romeu, a narrativa cênica ganha contornos de burleta (comédia musical ligeira) para contar história ficcional com personagens, ambientação e tempo reais. O poeta Olavo Bilac, que conquista as tardes da Confeiteira Colombo com seus versos parnasianos, tenta ajudar seu amigo, o jornalista e abolicionista José do Patrocínio, a conseguir meios para construir um dirigível. No Rio de Janeiro do início do século passado, a dupla é atacada por um padre ambicioso e uma falsa portuguesa, unidos para roubar-lhes os desenhos da máquina voadora e repassá-los aos americanos irmãos Wright. Se os personagens são verdadeiros e o cenário o de um Rio que quer ser a Paris tropical, o entrecho é apenas pretexto para que a pesquisa histórica se dilua em registro e evocação, ligeiramente nostálgicos e idealizados, de uma época. Ingênua, com dramaturgia simples em que as cenas se desdobram sem pontos mais consistentes de ligação, a montagem se apoia nas 15 músicas escritas por Ney Lopes, que se desenham melhor como eixo narrativo. O diretor João Fonseca não avança com qualquer possibilidade de inventar para além do que propõe a leveza e o bom humor do texto. O cenário de Nello Marrese é apenas sugestivo, enquanto o figurino de Carol Lobato favorece as atrizes e a coreografia de Sueli Guerra se ajusta às limitações como bailarinos do elenco. A iluminação de Dani Sanches contrasta, com maior luminosidade, o tom sombrio da cortina de fundo. O diretor orquestra as nove vozes cômicas dos atores como um coro afinado pelo diapasão harmônico de interpretações de tipos. Saulo Segreto e Jefferson Almeida estão mais à vontade como Santos Dumont e Severo Pinto, respectivamente, do que como os dispensáveis remadores. Gustavo Klein (Coelho Neto), Reiner Tenente (Guimarães Passos) e Sérgio Menezes (José do Patrocínio) revestem de tons populares as suas participações. Tadeu Aguiar brinca com as artimanhas do Padre Maximilano e Izabella Bicalho encarna a vilã de chanchada. André Dias é um divertido e estrábico Olavo Bilac. Alice Borges, como a cigana Madame Labiche, estabelece com sua atuação maliciosa, repleta de citações a atrizes conhecidas, e presença dominante em cena, comunicabilidade infalível com a plateia. Mas a qualidade das letras e músicas de Nei Lopes é o que se impõe nesta montagem, não só pela criação especial para um gênero atrelado, entre nós, a repertório preexistente, como pela variedade de ritmos que situam o período e  capturam o espírito cultural da capital colonizada. São lundus, modinhas, maxixes e valsas que comentam francesismos  em Tout le Riô, carioquismos nos Sassaricos na porta da Colombo  e a sintaxe dos sonhadores em O poeta e a palavra. São composições inspiradas, com letras inteligentes, plenamente integradas à ação e carregadas de humor e poesia. Um trabalho irretocável, valorizado pela direção musical e arranjos de Luís Felipe de Lima e pelo trio de músicos Daniel Sanches (piano), Jorge Oscar (contrabaixo) e Oscar Bolão (bateria).                 

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (14/1/2015)

Crítica/ Hora Amarela
Efeitos perversos de uma guerra interior
Uma guerra com inimigo sem nome e de identidade difusa conduz grupo, em busca da sobrevivência, a um porão, onde por meios precários, tenta resistir à indignidade. A mulher que habita este esconderijo à espera do marido, que saiu há meses, à procura de comida, recebe refugiados ocasionais que trazem ecos da guerra e suas consequências em cada individualidade. Uma mulher com bebê se mistura a um homem estropiado que comunica a morte do marido da hospedeira eventual, enquanto fugitivo é morto por não conseguir falar uma língua perceptível. Nesse quadro de repressão e ameaças ocultas, os métodos de resistência parecem esforços para se manter, tão somente, vivos como despojos humanos. O americano Adam Rapp reproduz situação de confinamento, provocada pela violência e a insensatez do conflito geral, ao caracterizá-lo em seus efeitos perversos sobre indivíduos condenados a sobreviver a condições adversas. Não se sabe o caráter desta guerra exterior, se religiosa, econômica ou política. É conhecido apenas o conflito interno de cada um para continuar vivendo num porão de emoções insalubres e aceitação conformista. O amarelo, sinal de atenção, marca a hora da trégua, o momento de confirmar a possibilidade de continuar a existir nos subterrâneos, confinado ao cinzento da falta de horizonte. O autor cria metáforas para a manutenção de condições que se tornam imutáveis e definitivas, que são aceitas passivamente. Não há revolta, apenas a certeza de que os escapes são impossíveis, já que a guerra não tem denominação, portanto não há contra quem lutar. E mesmo a interiorização do medo, nada mais é do que um cacoete de comportamento, sem qualquer lastro nas atitudes dos personagens. A narrativa de Rapp se parece mais com a ambientação decadente e futurista do filme “Blade Runner, O Caçador de Andróides”, do que a de um drama psicológico como se imagina pretender. Monique Gardenberg mantém-se na linha de direção de textos contemporâneos e apoio técnico para encenações sofisticadas. A cenografia de Daniela Thomas e Camila Schmidt, a iluminação de Maneco Quinderé e a trilha original de Lourenço Rebetez e Zé Godoy são decisivas na construção de linguagem visual e sonora de detalhamento refinado. O figurino de Cassio Brasil completa a elegância de instrumentos desta tocata para música de dissonâncias. As tensões vividas pelas personagens são um tanto enfatizadas pela diretora, que amplia em permanente fricção nervosa o que Rapp costura com artificialismo. Daniel Infantini tem presença coreográfica. Isabel Wilker, também responsável pela fluente tradução, sobrecarrega de intenções a mãe que se droga. Emílio de Mello adota caracterização de impacto visual para a figura do maltrapilho. Daniele do Rosario e Darlan Cunha têm interpretações limitadas, em parte pelo improvável desdobramento da trama que os submete ao papel de meros veículos para o desfecho mal resolvido. Deborah Evelyn tensiona, no limite perigoso da hiperatuação, os tempos emocionais da enfermeira que acolhe os visitantes fugitivos de uma guerra cinematográfica de ficção científica.