Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (16/1/2015)
Em meio a tantos musicais, a maioria repetindo
fórmulas e preguiçosamente cantando as mesmas e previsíveis partituras, Bilac Vê Estrelas, se não é inovador, pelo menos quer ser comédia com tema adaptado
e crônica com trilha original. Baseado em livro homônimo de Ruy Castro,
transposto para o teatro por Heloisa Seixas e Julia Romeu, a narrativa cênica
ganha contornos de burleta (comédia musical ligeira) para contar história ficcional
com personagens, ambientação e tempo reais. O poeta Olavo Bilac, que conquista
as tardes da Confeiteira Colombo com seus versos parnasianos, tenta ajudar seu
amigo, o jornalista e abolicionista José do Patrocínio, a conseguir meios para
construir um dirigível. No Rio de Janeiro do início do século passado, a dupla
é atacada por um padre ambicioso e uma falsa portuguesa, unidos para
roubar-lhes os desenhos da máquina voadora e repassá-los aos americanos irmãos
Wright. Se os personagens são verdadeiros e o cenário o de um Rio que quer ser
a Paris tropical, o entrecho é apenas pretexto para que a pesquisa histórica se
dilua em registro e evocação, ligeiramente nostálgicos e idealizados, de uma
época. Ingênua, com dramaturgia simples em que as cenas se desdobram sem pontos
mais consistentes de ligação, a montagem se apoia nas 15 músicas escritas por
Ney Lopes, que se desenham melhor como eixo narrativo. O diretor João Fonseca
não avança com qualquer possibilidade de inventar para além do que propõe a
leveza e o bom humor do texto. O cenário de Nello Marrese é apenas sugestivo,
enquanto o figurino de Carol Lobato favorece as atrizes e a coreografia de Sueli
Guerra se ajusta às limitações como bailarinos do elenco. A iluminação de Dani
Sanches contrasta, com maior luminosidade, o tom sombrio da cortina de fundo. O
diretor orquestra as nove vozes cômicas dos atores como um coro afinado pelo
diapasão harmônico de interpretações de tipos. Saulo Segreto e Jefferson
Almeida estão mais à vontade como Santos Dumont e Severo Pinto,
respectivamente, do que como os dispensáveis remadores. Gustavo Klein (Coelho
Neto), Reiner Tenente (Guimarães Passos) e Sérgio Menezes (José do Patrocínio) revestem
de tons populares as suas participações. Tadeu Aguiar brinca com as artimanhas
do Padre Maximilano e Izabella Bicalho encarna a vilã de chanchada. André Dias
é um divertido e estrábico Olavo Bilac. Alice Borges, como a cigana Madame
Labiche, estabelece com sua atuação maliciosa, repleta de citações a atrizes
conhecidas, e presença dominante em cena, comunicabilidade infalível com a
plateia. Mas a qualidade das letras e músicas de Nei Lopes é o que se impõe
nesta montagem, não só pela criação especial para um gênero atrelado, entre
nós, a repertório preexistente, como pela variedade de ritmos que situam o
período e capturam o espírito cultural
da capital colonizada. São lundus, modinhas, maxixes e valsas que comentam francesismos em Tout le Riô, carioquismos nos Sassaricos na porta da Colombo e a
sintaxe dos sonhadores em O poeta e a palavra. São composições inspiradas,
com letras inteligentes, plenamente integradas à ação e carregadas de humor e
poesia. Um trabalho irretocável, valorizado pela direção musical e arranjos de
Luís Felipe de Lima e pelo trio de músicos Daniel Sanches (piano), Jorge Oscar
(contrabaixo) e Oscar Bolão (bateria).