domingo, 28 de abril de 2013

15ª Semana da Temporada 2013


Mineiros no CCBB

Crítica/ Prazer
Sem filtros para investigar os caminhos da cena
A Cia. Luna Lunera, de Belo Horizonte, volta ao Rio para apresentar no Teatro I, Prazer, que segundo o grupo é inspirado em Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres. Já na apropriação da obra literária, o coletivo mineiro desequilibra os fundamentos da encenação, transpondo a narrativa de Clarice Lispector como pretexto deflagrador, foco sobre aquilo que a escritora ressalta como impulso. A personagem de Clarice é movida na direção ao quimérico prazer por condicionantes, não importa o quanto a vida se mostre insatisfatória e angustiante, e até mesmo cruel. Na adaptação do Luna, desprezam-se os condicionante para preenchê-los pela superficialidade de trama que arranha o aconselhamento e o vazio  de situações que evocam um mau texto. A dramaturgia, além de tecnicamente inconsistente, é atabalhoada e confusa. A montagem, por outro lado, evidencia a multiplicidade de tentativas e propostas de construção de cena que parece se desestruturar, involuntariamente, em seus próprios termos. A superposição de elementos, gerados na elaboração da dramaturgia e da montagem, desmascara as dificuldades da realização, denunciando informações mal digeridas e insólitas interpretações de influências técnicas. O balé inicial, em que o elenco escreve no quadro negro do cenário frases de divergente e fortuitos sentidos, prepara para o suposto movimento em direção à consciência do prazer, como se tal gesto pudesse ser encontrado pela racionalidade. Ambiguidade (ator vestido com saia feminina é contrastante?), dispersão (vozes que falam outra língua, dinamarquês, provavelmente), ruído (ouvem-se tantas sonoridades, que produz-se apenas barulho), acúmulo (o grafismo sobrecarrega ainda mais o traço expressivo), e impasse (o processo criativo se confunde com o descontrole dos meios), Prazer explicita na pesada coleção de meios, a contradição entre o real desejo de investigar a cena e a equivocada e desestruturante filtragem de como o fazer.     

Crítica/ Dias Felizes: Suíte em Nove Movimentos
Sons de Beckett em diálogo da palavra com a música
A atriz e diretora mineira Rita Clemente vai ao encontro de Winnie, a personagem de Samuel Beckett em Dias Felizes para trazê-la ao universo do concerto musical. A palavra que mantém a existência da mulher, soterrada pelos despojos crescentes do dia-a-dia, se faz música para que crueza assuma outra sonoridade. A ironia niilista da mulher que dialoga com sua própria impossibilidade de sobreviver ao cotidiano que a engole, está presente na montagem dirigida por Rita, em cartaz no Teatro III. Mas o enquadramento proposto, modula com a impositiva musicalidade a extensão da palavra beckettiana. Não para negá-la, ou facilitá-la. Muito menos, para subvertê-la, mas somente para emprestar-lhe tratamento pouco convencional. Os nove movimentos musicais do título estabelecem pausas tonais à crescente dissociação de Winnie, sem pretender musicalizar a palavra. A autonomia da voz de Beckett se preserva, senão na sua integridade oral, pelo menos em sua ressonância dramática. Em 55 minutos, música e palavra se fundem como sons, polifonia que se unifica pelo formato de recital em nove movimentos, dois atores e um instrumentista. A característica recitalista se demonstra também pelo figurino cenográfico que veste a atriz, tanto na aprisionada roupa da imobilidade, quanto na lembrança de modelo exuberante das grandes divas. Essa estrutura, muito bem construída como partitura de palco, pode, no entanto, causar certa estranheza para aqueles que desconheçam o texto de Beckett. Versão fragmentada na sua completude, Dias Felizes aponta e ressalta o apelo à sensibilização da interpenetração de linguagens. Rita Clemente interpreta com alternâncias de intensidades, do humor dramático ao do cabaré à francesa, o papel de atriz-cantora de atuação rigorosa e voz límpida, atingindo as notas cômicas e trágicas da declinante Winnie.            

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segunda-feira, 22 de abril de 2013

14ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Aos Domingos
Mulher solitária em almoço da família
Julia Spadaccini tem demonstrado em outros textos já encenados domínio da escrita teatral com acurada perspectiva para a sua concretização cênica. Diálogos intensos, situações múltiplas, jogo de identidades, Spadaccini manipula com destreza a movimentação desses elementos, capturando em ações voláteis sentimentos de modos de viver atuais. Em Aos Domingos, em cartaz no Teatro Glaucio Gill, a autora desvia-se de sua curva para enveredar pela reta do realismo. A construção de estrutura sequencial e coerente, sustentada por veracidade psicológica que projete alguma emoção ou percepção do real, está desenhada em traços disciplinados neste texto. O encontro de irmãos em almoço de domingo, em que lembranças, ressentimentos, melancolia, culpa e solidão se alinham numa prestação de contas afetiva, não desmente as qualidades da autora revelados em diferente registro dramático. Ainda que se possa apontar algum desequilíbrio no comportamento dos personagens (são algo esquemáticos em seu desenvolvimento), na condução da narrativa (uma das chaves de relacionamento é perceptível a meio da história) e nas coordenadas da ambientação (a atmosfera se esvai logo de início), Aos Domingos revela nova linha exploratória na dramaturgia de Julia Spadaccini, derivativa, mas possível. Bruce Gomlevsky coordena esse material com mão discreta, procurando mais a fluência do que a impressão de alguma marca de direção. Gomlevsky  peca mais pelo que deixa de fazer, do que propriamente pelo que faz. A utilização das canções de Edith Piaf, que se supõe estejam nas rubricas, são excessivas e enfraquecem a sua eventual função dramática. E o diretor não economiza em suas execuções. A concepção cenográfica de Nello Marese e Natalia Lana empobrece a cena, tanto nos dois elementos laterais, a árvore e o balanço, quanto na transparência de fundo e na  projeção no final. O diretor se apropria do cenário com pouca inventividade, como nas duas vezes em que usa o balanço. Juliana Teixeira adota um tom nervoso, de intensidade maior do que, aparentemente, pede a personagem, mas ainda assim ultrapassa com alguma nuance a perigosa vizinhança da histeria. Jorge Caetano não alcança, com presença tímida e equidistante, a figura do irmão. Bruno Padilha, no menos convincente personagem, cuja chegada e saída dão a medida de sua mera passagem, não tem muito o que desenvolver em cena. Paulo Giardini é que se mostra mais à vontade como o marido insensível e grosseiro.             

Crítica/ Calango Deu!
Contadora de causos para platéia passadista
Essa reunião de “causos de Dona Zaninha”, que está encerrando temporada no Teatro Glauce Rocha, sempre com ótima repercussão de público, é o espetáculo de diminutivos, a começar pela personagem-título. A atriz e autora mineira Suzana Nascimento reuniu memórias de infância, costumes da sua terra, histórias fantásticas e cantos que se entoam, ou entoavam, entre montanhas das Gerais. Suzana transcreve, cenicamente, a recolha desse vasto material, recorrendo ao espírito de uma mineiridade real e ficcionada, verdadeira e imaginária. Para tanto, cria situação de intimidade com a plateia, servindo café e cachaça aos espectadores, falando com prosódia típica de várias regiões mineiras de lembranças do trem de ferro e do rádio, de alpendres e de modinhas, ora ingênuas, ora maliciosas. Em Calango Deu! transpõe-se a geografia nostálgica do minerim, da tagarelice de Zaninha, dos sabores do pãozinho de queijo, do cafezinho feito na hora e da cachacinha artesanal, para apresentar relicário de pequeninos retratos de prosa sobre Minas. Por entre caixas desdobráveis em que vão surgindo, cozinha, sala, oratório, quarto, a atriz vestida com rendas, que evocam tempos passados, desfia manifestações da cultura interiorana com expressiva intimidade com tal universo. O diretor Isaac Bernat traduziu essa intimidade com igual simplicidade com que a atriz conta, em aproximadamente duas horas, sua histórias ingênuas e atraentes para público nostálgico. A comunicabilidade do espetáculo pôde ser medida em apresentação, ainda na última temporada no Teatro Café Pequeno, em que uma platéia, com média de idade de 70 anos, estava enlevada com a atriz e suas histórias, e participava com evidente prazer de cada canção ou palavra que parecia reviver-lhes o passado. Calango Deu! alcança com seus inhos, de maneira certeira, aquele que é o seu público preferencial, os passadistas.           

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quinta-feira, 18 de abril de 2013

Outros Palcos


São Paulo

Crítica/ O Rei Leão
 
Piscadela encantatória para o espectador
Extensão do desenho animado da Disney, o musical, igualmente saído dos estúdios do mago do divertimento, quase completa a cadeia produtiva, que deve ser completada, em breve, por alguma área de parque temático do conglomerado. Sob esta ampla estratégia marqueteira é que deve ser visto O Rei Leão, que chegou ao Teatro Renault (ex-Abril) correspondendo, plenamente, ao planejamento de atender aos bons sentimentos que precisam ser mostrados às crianças e a adultos infantilizados. Os personagens são animais de savanas africanas nesta fábula do leãozinho que, instigado pelo tio usurpador, foge assustado com a culpa que o parente atribui a ele pelo assassinato do pai. Vagamente inspirado em trama clássica, a transposição para o mundo animal e para o musical tornam esses  invólucros atraentes e degustáveis a plateias com códigos narrativos e de estilo que lhes são familiares. Como o objetivo é atender a tais condições, O Rei Leão se reveste de elementos que atraiam e sensibilizem, além de entreter, públicos de todas as idades, apresentando-se como um show capaz de embalar os sentidos, cortejando-os. E em parte consegue. O espaço cênico é ocupado por figuras visualmente feéricas. São máscaras e pernas de pau, bonecos presos aos corpos e panos que adquirem definidas formas, numa sucessão de efeitos que explodem em girafas, elefante, hienas, leões e tigres, criando movimentação que pisca, pela multiplicidade de imagens, de maneira encantatória para o espectador. Sem músicas muito marcantes e coreografia especialmente inventiva, o musical se esgota nesta exposição de ótimos figurinos e no preciso desenho de produção e marketing. O objetivo da Disney, portanto, está cumprido. Tal como no resto do mundo, onde foi encenado, também em São Paulo, O Rei Leão, que estreou há três semanas, tem mantidas lotadas sete sessões semanais num teatro de 1533 lugares com poltronas a preços que atingem até os R$ 270 .         

Crítica/ Facas nas Galinhas
 
Fábula medieval ao redor das boas intenções
O autor é o escocês David Harrover e este seu texto, em cartaz no Tucarena, conseguiu ultrapassar os limites geográficos de origem para se espalhar em várias montagens ao redor do mundo. Essa disseminação talvez se explique pelo caráter fabular da narrativa (lembra história medieval) e a simplicidade da trama, que contrapõe mulher, o marido e moleiro num jogo de revelações. O movimento da roda do moinho acompanha o trajeto desta mulher que, ao levar os grãos para a moenda, recebe lições de vida do moleiro solitário, considerado feiticeiro e assassino pelos aldeões. A habilidade com que o autor constrói esse percurso dramático não é suficiente para que esconder as boas intenções e a pueril poesia que assomam a vida da camponesa. A montagem de Francisco Medeiros é bastante conservadora, mantendo-se nos estreitos limites do bem acabado. O cenário de Marco Lima com a sua circularidade permite que a ação permeie diversos ambientes, reforçando o paralelismo simbólico da roda do moinho e da transformação da personagem. O efeito plástico da queda da farinha cria cortina esvoaçante de partículas brancas, e os objetos suspensos marcam, sonoramente, os quadros. Mas pouco mais desses detalhes visuais deixam entrever algo que escape da correção. O trio de atores – Eloísa Elena, Cláudio Queiroz e Thiago Andreuccetti – corresponde ao convencionalismo bem comportado que é o carimbo do texto e da encenação.  

Crítica/ Maria Miss
 
Guimarães Rosa com autonomia expressiva no palco
Do conto Esses Lopes, do livro Tutameia, de Guimarães Rosa, a atriz Tania Castello pressentiu a possibilidade de ganhar autonomia no teatro. Por anos acalentou a idéia de adaptá-lo ao palco, o que resultou em Maria Miss, em cartaz no Sesc Ipiranga. O material literário se mostrou sensível ao novo meio expressivo, e a transposição da história da moça vendida pelos pais a um viajante e submetida a seguidos maus-tratos, encontra ressonância em cena. Evill Rebouças que adaptou o conto, consegue fluência dramática sem perder as características de linguagem e de ambientação propostas pela escrita de Rosa. A diretora mineira Yara Novaes conduz com toques regionais as artimanhas de Maria para vingar-se daqueles que a negociaram, emprestando à encenação ritmo ágil e vibrante coreografia que não permitem que se esgarce o interesse. Tania Castello demonstra em cena que seu empenho em levar o conto ao teatro corresponde, na mesma intensidade, à adesão com que interpreta a mulher negociada. Cacá Amaral e Daniel Alvim se desdobram como vários membros da família Lopes.
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quinta-feira, 11 de abril de 2013

13ª Semana da Temporada 2013


 Crítica/ Uma História Oficial
Jogo de cena de dramaturgia dinâmica
A Cortejo Cia. de Teatro que apresenta Uma História Oficial  no Teatro da Casa Laura Alvim é originária de Três Rios, onde está fixada e desenvolve seu trabalho há três anos. Com parte do elenco formado na cidade e em Juiz de Fora, o grupo dirigido pelo carioca Rodrigo Portella deixa visível a integridade de florescente trabalho teatral fora do eixo. Pelo que o grupo permite entrever neste espetáculo que traz ao Rio, há preocupação em situar-se na região em que produz sob perspectiva de uma cena realisticamente fantástica que se confunde com traços de uma cena política. São projeções difíceis de encontrar transcrição num palco mais livre de condicionantes, mas pela demonstração de Uma História Oficial, o grupo ultrapassa essas balizas e cria dramaturgia dinâmica como um jogo narrativo. A partir de um cone de trânsito é construído o desenvolvimento dramático e desencadeada a movimentação cenográfica.  A multiplicação dos gestos dos atores e das portas e de outros poucos elementos desvenda os mecanismos do teatro através da simplificação de seus recursos. Os atores desmontam seus truques e a trama se desconstrói de suas condicionantes (o absurdo e o politico), tornando-se arejadamente  autocrítica. Montagem interessante que demonstra a qualidade de sua investigação e que, espera-se, avance numa próxima encenação.      
Crítica/ A Entrevista
Convenção teatral sem invenções e tropeços
Como tantos do mesmo alcance, o texto em cartaz no Teatro das Artes, baseado em filme, procura com diálogos ágeis e situação contrastada e final surpreendente segurar a plateia. A eficiência desse gênero se prova pela oportunidade de reunir casal de atores com boa contracena e referências a personagens facilmente indentificáveis. Na adaptação brasileira, repórter de política no desvio é destacado para entrevistar atriz de televisão com novela no ar. O mútuo preconceito (ele se considera desprestigiado por conversar com a celebridade da vez; ela se esforça para demonstrar que não é a garota burrinha) vai se desfazendo com as confissões que fazem um ao outro, e que serão objeto de provocação de um contra o outro. Nada muito original, seguindo convenção de escrita sem invenções e tropeços. A montagem de Susana Garcia atende a embalagem da produção, com o cenário de Flávio Graff, a iluminação de Paulo César Medeiros e o figurino de Kika Lopes. A diretora faz com que tudo funcione com a fluidez da comunicação direta. É o que a dupla Herson Capri e Priscila Fantin se empenha em atingir com suas interpretações.    
Crítica/ Thérèze Raquin
Novelão com marcas do tempo
As razões pelas quais um texto é montado nem sempre ficam claras quando o espetáculo chega ao público. Quais teriam sido os motivos que levaram a Cia Limite 151 a encenar a adaptação teatral do romance de Émile Zola, exemplar do naturalismo francês do século XIX? Certamente, não teria sido reproduzir o impacto causado pela obra na época do autor. Muito menos, buscar o melodrama como nem mesmo as atuais novelas de televisão ousam fazê-lo. Fica, então, a perplexidade diante da montagem em cartaz no Teatro do Fashion Mall, em que se evidenciam o anacronismo e o descompasso diante da tentativa ingênua de encenar um romance com profundas marcas do tempo. O resultado da investida conduz à melancólica visão primária de um texto do qual o diretor e os atores parecem interpretar como uma burocrática sequência de quadros diligentemente ensaiados. João Fonseca nada mais faz do que organizar a cena, conduzí-la sem emprestar-lhe maior significação ou análise que sustente o comportamento dos personagens. Não é tarefa fácil frente ao que Zola oferece, mas o diretor não demonstra o mínimo esforço para dar vida aos aflitivos sentimentos de Thérèze e seu amante. Cenário, figurino, iluminação, atores estão harmonicamente empenhados em encenar o anacrônico.
Crítica/ Caixa de Areia
 
Imagens debilmente simbólicas
Jô Bilac, autor de Caixa de Areia em cartaz no Teatro do Sesi, surgiu há pouco mais de quatro anos como revelação da dramaturgia carioca. A superficial habilidade com que manipulava o universo de Nelson Rodrigues, repetiria em narrativas inspiradas em histórias de suspense e comédias em torno de manifestações da cultura pop. Com tantos e tão irregulares textos, Bilac amplia com esta atabalhoada e inexpressiva peça os seus contraditórios recursos de dramaturgo. Há a pretensão de trabalhar a estrutura narrativa como veículo da ação dramática, conotada como a própria forma de se contar. Na frustrada Caixa de Areia, Jô Bilac abusa no uso dos frágeis instrumentos da sua escrita para sobrepor narrativas com múltiplas intencionalidades, todas obscuramente desenvolvidas  em imagens, debilmente simbólicas e textualmente vazias. Como falta ao autor domínio e medida das suas ambições, revelam-se as fraturas que marcam a ação, incapaz de compor uma unidade que explicite alguma idéia menos aleatória do que o genérico sobre morte, critica e disfunções familiares. A direção dupla de Jô Bilac e Sandro Pamponet só atropela o texto, com o acréscimo de mais elementos desviantes, como máscaras e ocupação do proscênio, que colaboram ainda mais para ressaltar a confusa dramaturgia. O elenco – Taís Araújo, Júlia Mariani, Cris Larin, Luiz Henrique Nogueira e Jaderson Fialho – interpreta com a cautela da dúvida o que lhe parece distante.

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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Festivais


Festival de Curitiba 2013

Com movimentos lentos e cuidadosos, a 22ª edição do Festival de Curitiba se mexeu. Pouco e com algumas reticências, a curadoria da mostra procurou se afastar da série de espetáculos do Rio e de São Paulo dos anos anteriores e levar a Curitiba montagens que trazem alguma proposta para além do encenador do momento, do ator em evidência na televisão e do gênero da vez. Não que essas linhas curatoriais tenham sido abandonadas, já que a maioria dos  espetáculos da programação vem do eixo, e seria muito difícil escapar desse quadro da produção teatral brasileira. Os nomes sonantes do vídeo continuam na vitrine curitibana, ao mesmo tempo em que alguns gêneros se mantenham como balizadores de uma cena mais identificada com o entretenimento. Mas são detalhes para festival que incluiu este ano propostas instigantes, até patrocinou algumas delas, e que surpreendeu na mostra paralela Fringe. 

Formalismo artesanal que se cristaliza nas referências 
Haikai – Em Curitiba, Roberto Alvim, diretor carioca radicado em São Paulo, procura, ao ritmo da estrutura da escrita poética japonesa, transferir à cena o ruído da palavra que se compõe pelo formalismo. É de dentro do formato que Alvim estabelece o arco da teatralidade, do desenho do traço que economiza a expressão e do pensamento sintético que elimina a busca do sentido. Três atores, aparentemente desprovidos de personagens, em falas alternadas cujas vozes perseguem a tensão, mais do que a atribuição de qualquer valor narrativo, provocam em 25 minutos um estranhamento na recepção da platéia. Os códigos de apreensão, à primeira vista, parecem subvertidos. Na falta de ordenação de conhecimento ao que foi proposto, a linguagem se transforma em sonoridade (há uma cena em que se fala língua intrigante, que aparentemente, soa como grego), o movimento em estática e a projeção em incomunicabilidade. O arcabouço de Haikai, no entanto, cristaliza mais do que avança e retém mais do que pulsa. Ao se referir ao aforismo japonês, o diretor não reproduz a essência da forma, descaracterizando o textual sem integrá-lo ao cênico. Por outro lado, o espectador se defronta com a construção em escala artesanal de imagens familiares a encenadores contemporâneos. Lá estão os neons frios e vermelhos, de Bob Wilson, e a iluminação a serviço de peças curtas de Beckett, de Gerald Thomas. Resta a palavra de Roberto Alvim reproduzida no programa como carta de princípios: “Não se trata de entendimento. Trata-se de produção e experimentação de intensidades. É preciso furar a dinâmica neurótico-histérica do sujeito/ dos afetos.. Inconsciente e pulsão. Chega de verdade.”          
 
Contundência etnográfica de instalação performática
Recusa – A Cia. Balagan de São Paulo, com direção de Maria Thaís e dramaturgia de Luiz Alberto de Abreu, fundamenta a cena através de mitos da cultura indígena, conotados por notícias recentes. Saga de dupla de índios, de padre e fazendeiro que são de devorados e devoram, de Macunaíma e seu irmão, ritualizada em canto, dança e línguas ancestrais em contrapontos de histórias, corpos e vozes. Quase registro etnográfico, a dramaturgia confunde planos narrativos, oscilando entre a representação de etnias e suas linguagens derivativas, e fatos, ideologia e crítica. Recusa é construído dessas ressonâncias, nas quais estão presentes algum orientalismo, vaga memória de outras encenadores e intérpretes e volume de pesquisa que se reflete no rigor das atuações. Os duplos que se transmutam em homens, animais e natureza e se interpenetram em símbolos impulsionadores, desaguam em  fluxo narrativo que captura sons e movimentos compondo, ao lado da cenografia de Márcio Medina e dos atores  Antônio Salvador e Eduardo Okamoto, esta instalação performática fracionadamente contundente.        
Shakespeare assaltado pelas sombras de clowns
Hamlet – Do Rio Grande do Norte, o Clowns de Shakespeare apresentou a tragédia de Shakespeare com direção do paulista Marcio Aurélio, perdida entre os extremos da nomenclatura que define o grupo. Ao contrário da importação do espetáculo anterior, quando levaram a Natal o diretor Gabriel Villela para encenar Ricardo III, em bem sucedida montagem, desta vez, Aurélio, os Clowns e o trágico não se entenderam. E não apenas pela inadequação de estilos, mas de expectativas. Marcio Aurélio enquadrou-a na perspectiva de desmontar e redimensionar as máscaras da representação, enquanto o grupo tenta se equilibrar no malabarismo popular de seu uso. A tradução, verbal e cênica, se desencontra na encruzilhada em que a tendência a facilitar, criticamente, o que não se mostra possível de realizar, torna híbrido e expõe as fraturas do que se pretendia driblar. A adaptação do texto assinada pelo diretor, que entre outras intervenções, criou um prólogo que, supostamente, daria o tom da encenação, mas que se restringe a condensar a trama, fragmentando o núcleo narrativo e margeando a superficialidade. Nada faz supor que tenha existido alguma idéia em torno da qual Hamlet não se mostrasse alguém tão desprovido de quaisquer dos sentimentos que o impulsiona na direção de saber quem é. As suas investidas para revelar as vilanias da vida se camuflam em movimentos e gestos vazios e na lembrança de que, ainda que de Shakespeare, os atores se denominam clowns.
 
Ironia e niilismo no teatro do cinema
Fringe – Dos estados do Brasil com maior representatividade teatral, mais de 300 espetáculos se oferecem durante os dez dias do festival num balcão de exposição que está distante de sensibilizar plateias. É comum assistir a espetáculos com cinco pessoas, em melancólica evidência de desinteresse. Nos 16 anos do Fringe esse quadro pouco mudou, mas os organizadores procuram ordenar a volumosa oferta com mostras temáticas. Este ano, estão disponíveis, entre outras, as mostras baiana e mineira, o coletivo de pequenos conteúdos e a de teatro para ver de perto. Na de novos repertórios se destacou Em Breve, nos Cinemas, produção da companhia curitibana Teatro de Breque, que encena fragmentos da vida e obra do autor americano David Foster Wallace, que se suicidou em 2008. A montagem interpõem narrativas, reais e ficcionais, linguagens, cinematográfica e teatral, e conhecimentos, filosóficos e matemáticos, com ironia e algum niilismo. Com direção de Nina Rosa Sá e cenário de Fernando Marés, Em Breve, nos Cinemas é a maior surpresa do Fringe.             

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