Crítica/
Aos
Domingos
Julia Spadaccini tem demonstrado em outros textos
já encenados domínio da escrita teatral com acurada perspectiva para a sua
concretização cênica. Diálogos intensos, situações múltiplas, jogo de
identidades, Spadaccini manipula com destreza a movimentação desses elementos, capturando
em ações voláteis sentimentos de modos de viver atuais. Em Aos Domingos, em cartaz no Teatro Glaucio Gill, a autora desvia-se
de sua curva para enveredar pela reta do realismo. A construção de estrutura
sequencial e coerente, sustentada por veracidade psicológica que projete alguma
emoção ou percepção do real, está desenhada em traços disciplinados neste
texto. O encontro de irmãos em almoço de domingo, em que lembranças,
ressentimentos, melancolia, culpa e solidão se alinham numa prestação de contas
afetiva, não desmente as qualidades da autora revelados em diferente registro
dramático. Ainda que se possa apontar algum desequilíbrio no comportamento dos
personagens (são algo esquemáticos em seu desenvolvimento), na condução da
narrativa (uma das chaves de relacionamento é perceptível a meio da história) e
nas coordenadas da ambientação (a atmosfera se esvai logo de início), Aos Domingos revela nova linha
exploratória na dramaturgia de Julia Spadaccini, derivativa, mas possível. Bruce
Gomlevsky coordena esse material com mão discreta, procurando mais a fluência
do que a impressão de alguma marca de direção. Gomlevsky peca mais pelo que deixa de fazer, do que
propriamente pelo que faz. A utilização das canções de Edith Piaf, que se supõe
estejam nas rubricas, são excessivas e enfraquecem a sua eventual função
dramática. E o diretor não economiza em suas execuções. A concepção cenográfica
de Nello Marese e Natalia Lana empobrece a cena, tanto nos dois elementos
laterais, a árvore e o balanço, quanto na transparência de fundo e na projeção
no final. O diretor se apropria do cenário com pouca inventividade, como nas
duas vezes em que usa o balanço. Juliana Teixeira adota um tom nervoso, de
intensidade maior do que, aparentemente, pede a personagem, mas ainda assim
ultrapassa com alguma nuance a perigosa vizinhança da histeria. Jorge Caetano não
alcança, com presença tímida e equidistante, a figura do irmão. Bruno Padilha,
no menos convincente personagem, cuja chegada e saída dão a medida de sua mera passagem,
não tem muito o que desenvolver em cena. Paulo Giardini é que se mostra mais à
vontade como o marido insensível e grosseiro.
Crítica/ Calango Deu!
Essa reunião de “causos de Dona Zaninha”, que
está encerrando temporada no Teatro Glauce Rocha, sempre com ótima repercussão
de público, é o espetáculo de diminutivos, a começar pela personagem-título. A
atriz e autora mineira Suzana Nascimento reuniu memórias de infância, costumes
da sua terra, histórias fantásticas e cantos que se entoam, ou entoavam, entre montanhas
das Gerais. Suzana transcreve, cenicamente, a recolha desse vasto material,
recorrendo ao espírito de uma mineiridade
real e ficcionada, verdadeira e imaginária. Para tanto, cria situação de
intimidade com a plateia, servindo café e cachaça aos espectadores, falando com
prosódia típica de várias regiões mineiras de lembranças do trem de ferro e do
rádio, de alpendres e de modinhas, ora ingênuas, ora maliciosas. Em Calango Deu! transpõe-se a geografia nostálgica
do minerim, da tagarelice de Zaninha,
dos sabores do pãozinho de queijo, do cafezinho feito na hora e da cachacinha
artesanal, para apresentar relicário de pequeninos retratos de prosa sobre Minas. Por entre caixas desdobráveis em que vão surgindo, cozinha, sala,
oratório, quarto, a atriz vestida com rendas, que evocam tempos passados, desfia
manifestações da cultura interiorana com expressiva intimidade com tal universo.
O diretor Isaac Bernat traduziu essa intimidade com igual simplicidade com que
a atriz conta, em aproximadamente duas horas, sua histórias ingênuas e atraentes
para público nostálgico. A comunicabilidade do espetáculo pôde ser medida em
apresentação, ainda na última temporada no Teatro Café Pequeno, em que uma
platéia, com média de idade de 70 anos, estava enlevada com a atriz e suas
histórias, e participava com evidente prazer de cada canção ou palavra que
parecia reviver-lhes o passado. Calango Deu! alcança com seus inhos, de
maneira certeira, aquele que é o seu público preferencial, os passadistas.
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