sábado, 31 de dezembro de 2011

Temporada 2012


Estréias de Janeiro
Jonathan Haagensen e Mariana Ximenes em Os Altruistas
Dia 5Meu Avesso É Mais Visível. Produção da Cia. das Inutilezas, direção e autoria de Emmanuel Aragão. Grupo familiar se isola em um sítio, que acabou de ser vendido, empacotando objetos e remexendo em lembranças. Com Liliane Rovaris, Michel Blois, Rossini Viana Jr., Arthur Schmidt, Carolina Bianchi e Gabriel Pardal. Espaço Sesc – Mezanino.

Dia 6Disney Killer. O autor Philip Ridley criou personagens gêmeos, movidos a chocolate e pílulas para dormir, que enfrentam situações aterrorizantes. Em tradução e direção de Darson Ribeiro, que também participa do elenco, a montagem tem ainda no elenco, Samantha Dalsoglio, Alexandre Tigano e Felipe Folgosi. Espaço Cultural Sérgio Porto.     

Dia 6Os Datilógrafos. Do americano Murray Schisgal, com direção de Celso Nunes, cenário de José Dias e figurino de Kalma Murtinho. A rotina burocrática de um escritório é suportada por casal, que não consegue escapar da mesmice de uma vida banal e sem lugar para a fantasia. Com Paula Campos e Fabrício Belsoff. Centro Cultural Solar de Botafogo.

Dia 6A Vingança do Espelho: A História de Zezé Macedo. Texto de Flávio Marinho e direção de Amir Haddad, a montagem percorre a vida e carreira da atriz que ficou conhecida por seus personagens caricatos nas chanchadas da Atlântida. No papel de Zezé, a atriz Betty Gofman. Completando o elenco: Antonio Fragoso, Marta Paret, Mouhamed Harfouch e Tadeu Mello. Teatro Laura Alvim.

Dia 12Xanadu. Em versão brasileira de Artur Xexéo o musical da Broadway, com direção de Miguel Falabella, baseado em produção cinematográfica da década de 80, com Olivia Newton-John, mostra a descida de deuses gregos à Terra para ajudar a um artista. Daniele Winits, Thiago Fragoso, Sidney Magal, Gottsha e Sabrina Korgut estão no elenco. Oi Casa Grande.

Dia 12A Mecânica das Borboletas. Texto de Walter Daguerre reúne família  que assiste a um dos seus filhos fugir, levando a economia dos pais. De volta, 20 anos depois, provoca reações conflituadas. A direção é de Paulo de Moraes, com Suzana Faini, Eriberto Leão, Ana Kutner e Otto Jr.. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.   

Dia 12 A Propósito de Senhorita Júlia. A cada temporada, se renovam as versões deste texto de Strindberg, que se mantém instigante como revela a atração e repulsa de sentimentos e o emaranhado de preconceitos expostos na malha social. A montagem, dirigida por Walter Lima Jr., tem no elenco, Alessandra Negrini, Armando Babaioff e Dani Ornellas.Teatro Nelson Rodrigues.  

Dia 13Duplo Crimp. O espetáculo dirigido por Felipe Vidal encena O Campo e A Cidade, dois textos do provocante autor inglês Martin Crimp. As peças, ainda que independentes, dialogam entre si, se complementando, mantendo o estilo de Crimp, de experimentar múltiplas construções dramatúrgicas. Teatro Glaucio Gill.

 Dia 13Os Altruístas. Mais um texto de Nicky Silver, autor da moda já há algumas temporadas, que agora se fixa em atriz de novela, sempre em estado de ebulição emocional, que manifesta em veborragia politicamente incorretas. Na direção Guilherme Weber, e no elenco Mariana Ximenes, Kiko Mascarenhas, Miguel Thiré, Jonathan Haagensen e Stella Rabello. Espaço Tom Jobim.

 Dia 14As Mimosas da Praça Tiradentes. Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche escreveram esse musical, envolvendo personagens em torno deste centro de cabarés, teatros, revistas e shows, dos primeiros anos até a sua decadência. Cláudio Tovar, César Augusto, Gustavo Gasparani, Jonas Hammar, Marya Bravo e Milton Filho interpretam drag queens. Teatro Carlos Gomes.

 Dia 14As Criadas. O clássico de Jean Genet volta em versão dirigida por Edson Zille, com Ângela Câmara, Sabrina Fortes e Joana Cabral. Segundo o diretor, “a montagem expõe o jogo cênico de maneira que a representação dos papéis, aconteça assumidamente diante do público.” Café do Teatro Glaucio Gill.

Dia 18A Bailarina, O Iluminador E A Pianista Maquiada. A companhia Galharufa do Espírito Santo traz ao Rio a comédia de Diego de Angeli, também o diretor, e que gira em torno da criação teatral. Participam Higor Campagnarto, Tayana Dantas, Thais Simonasse e Úrsula Cabral. Teatro Gláucio Gill.   
“DUPLO CRIMP”
Dia 19 -   Breu. Pedro Brício lança mais um texto da sua profícua produção, desta vez ambientado nos anos 70, numa casa suburbana, no período da ditadura militar. Andréia Horta e Kelzy Ecard vivem personagens em permanente tensão. A direção dupla é assinada por Miwa Yanagizawa e Maria Sílvia Siqueira Campos. Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil

Ano Nelson Rodrigues
Não duvide, e não há como escapar, que teremos uma overdose de montagens baseadas em textos de Nelson Rodrigues nos próximos meses. Os cem anos de seu nascimento, que se comemoram em agosto de 2012, serão o pretexto para que se encene, publique, filme, sambe e debata-se a obra do dramaturgo pernambucano, tão visceralmente carioca. A Funarte lança no primeiro trimestre do ano, edital para espetáculos de todo o país, inéditos ou não, dos 17 textos teatrais de Nelson para ocupar os Teatros Dulcina e Glauce Rocha durante o mês de agosto. A diretora Christiane Jathay ocupa, desde 2011, a Casa França-Brasil com o projeto In Drama, que analisa o teatro rodriguiano através de leituras, diálogo entre várias expressões artísticas. Em fevereiro, dirige e interpreta Vestido de Noiva, em formato de performance. A mesma peça ocupará, em março, a rotunda do Centro Cultural Banco do Brasil. Com concepção cenográfica de Daniela Thomas, o espaço durante o dia será ambiente para exposição, e à noite, para a representação teatral. No papel de Madame Clecy, a atriz Viviane Pasmanter. O Beijo no Asfalto ganhará contornos de musical, com composições e atuação de Claudio Lins, e direção de João Fonseca. Em concepção de bonecos e com projeções poderá ser vista, em agosto, no Teatro Nelson Rodrigues, a transposição de Valsa N° 6. Do Mato Grosso deve se apresentar em março na cidade a Cia. Teatro Mosaico de Cuiabá, com sua interpretação para Anjo Negro.     

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sábado, 24 de dezembro de 2011

Retrospectiva da Temporada 2011


 Boa Safra de Gerações
Chico Diaz em  A Lua Que Vem da Ásia: ano de ótimas interpretações
Foi um bom ano para o teatro carioca. Os velhos e alguns novos problemas ensombraram a temporada teatral de 2011, mas foram menos importantes do que a sucessão de bons espetáculos, ótimas interpretações, inventivos cenários, e estimulante apropriação de outra perspectiva dos criadores da cena carioca. De maneira discreta, mas empenhada, o teatro reinventa seu contorno, diluído ao longo dos anos por preconceitos estéticos, ausência de fomento público, crise econômica e falta de ousadia. Desenhou-se este ano revitalização que apontou para fixar geração de autores, atores, músicos, técnicos, tradutores, diretores, que não são apenas promissores, mas que levaram aos palcos vivência profissional solidificada por variadas formas de reflexão sobre as razões para estar em cena. Ao aumento das dotações de empresas privadas e das secretarias de cultura do estado e município correspondeu a diminuição dos espaços disponíveis para escoar a crescente produção, o que provocou temporadas curtas, boas bilheterias abortadas e descontinuidade de público. O segundo incêndio durante a reforma do Teatro Villa-Lobos adiou a reabertura da casa de espetáculo que, fechada há dois anos, se junta ao palco vazio do Teatro Teresa Rachel, com frustrada reinauguração em 2011. Houve apenas um pequeno alento com a abertura do Poeirinha. Mas se os espaços rarearam, grupos estrangeiros voltaram a incluir o Rio nas suas turnês brasileiras. Peter Brook, depois de uma década, trouxe ao Teatro Dulcina Uma Flauta Mágica, versão minimalista da ópera de Mozart. E Ariane Monouchkine e seu Théâtre du Soleil arrebataram com Os Náufragos da Louca Esperança. 
Consolidaram-se os musicais, não apenas numericamente, mas no aprimoramento técnico e artístico e na recepção do público. O Violinista no Telhado e Judy Garland – O Fim do Arco-Íris, montagens da dupla produtiva Möeller-Botelho; Tim Maia – Vale Tudo, O Musical, Emilinha e Marlene – As Rainhas do Rádio, A Aurora da Minha Vida – Um Musical Brasileiro, 4 Faces do Amor, Calanga – Chico Rei, e Outside – Um Musical Noir, versões nacionais para o gênero, contabilizaram generosa acolhida das platéias. A música no teatro também teve um ano de boa safra, tanto na direção musical de Liliane Secco (4 Faces do Amor), quanto nas trilhas originais de Paulo César Pinheiro (Calanga – Chico Rei) e de Marcelo Alonso Neves (Palácio do Fim).         
Autores que definem, cada vez com mais segurança e pessoalidade o seu universo dramatúrgico, lançaram textos interessantes. A diversidade temática de Pedro Brício (Me Salve, Musical! e Trabalhos de Amores Quase Perdidos), a cena textual de Felipe Rocha (Ninguém Falou que Seria Fácil), e o depuramento estilístico de Rodrigo Nogueira (Obituário Ideal) mantiveram o sopro de renovação na escrita teatral. Com o mesmo ar de novidade, grupo de atores acrescentou qualidade à temporada com suas interpretações. Rafael Primot (Inverno da Luz Vermelha), Chico Diaz (A Lua Vem da Ásia), Rodrigo Pandolfo (R & J de Shakespeare   ), Charles Frick (O Filho Eterno), Caio Blat (Um Coração Fraco), Thiago Abravanel (Tim Maia – Vale Tudo, O Musical), Pedro Osório (Um Número) se destacaram em meio a veteranos como José Mayer (O Violinista no Telhado) e Gilberto Gawronski (Ato de Comunhão). Já entre as atrizes, veteranas como Débora Olivieri (Rosa), Analu Prestes (Um Dia Como os Outros e Mulheres Sonharam Cavalos), Vera Holtz (Palácio do Fim) e Claudia Netto (Judy Garland – O Fim do Arco-Íris) formaram com Letícia Isnard (A Estupidez), Dani Barros (Estamira), Renata Paschoal (A Lição) e Helga Nemeczyk (A Aurora da Minha Vida – Um Musical Brasileiro), ótimo elenco feminino. 
Crônica da Casa Assassinada: ambientação mística-mineira
Entre os diretores, Gabriel Villela, ampliou seu universo místico-mineiro na adaptação do romance de Lúcio Cardoso, Crônica da Casa Assassinada. Monique Gardenberg mostrou vigor em Inverno da Luz Vermelha), e Christiane Jathay prosseguiu, com ousadia na adaptação e direção de Julia, a sua integração entre teatro e outras expressões artísticas. Jefferson Miranda reafirmou sua permanente inquietude em Você Precisa Saber de Mim), e Fábio Ferreira e Claudio Baltar colocaram Shakespeare de cabeça para baixo em Penso Ver O Que Escuto). Daniel Herz brincou com Pirandello (Adultério) e valorizou Cristovão Teza (O Filho Eterno). Ignez Vianna revitalizou cenicamente Artur Azevedo (Amor Confesso). O ano também deixou a lembrança de ótimos cenários, como o assinado por Márcio Vinícius (Crônica da Casa Assassinada), a impecável e ascética área criada por Marcos Flaskman (Palácio do Fim), e a divertida concepção de Bia Junqueira (Auto Peças 2 Peças de Encaixar). Fernando Mello da Costa arquitetou a passagem de tempo (Um Coração Fraco). Marcelo Lipiani e Lidia Kosovsky recriam ambientes duplos (Um Dia Como os Outros e Cozinha e Dependências) e Lipiani foi responsável pela ambientação multimídia de Julia e Lia Renha pela exuberância de Lia Renha (A Escola do Escândalo). Na iluminação, Maneco Quinderé criou luz sofisticada para Palácio do Fim, e Fernanda Mantovani deu clima ao cenário simples de José Dias em Breve Encontro. Mais uma vez e com visíveis dificuldades, o festival Tempo apresentou programação de alto nível, com destaque para o monólogo francês A Lei do Caminhante.
Sergio Britto e Ítalo Rossi, com Fernanda Montenegro, em O Cristo Proclamado (1961)
A geração fundamental na construção do moderno teatro brasileiro perdeu dois de seus nomes incontestáveis: Ítalo Rossi e Sergio Britto.

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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

52ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ A Agonia do Rei
O humor absurdo de um Ionesco histórico
Este texto de Eugene Ionesco, de 1962, que termina temporada no Teatro dos Quatro, é um exemplar do que se convencionou definir como “teatro do absurdo”. E, realmente, o é. O rei, próximo da morte, que não percebe que seu poder está perdido pela decadência, continua a tentar exercer sua autoridade, desmentida pelos que estão à sua volta e pela farsa que provoca. Não é muito fácil encenar Ionesco nos dias que correm. Afinal, o que a sua dramaturgia trazia de inovador e de relativa petulância em relação à tradição literária francesa, se diluiu ao longo de cinco décadas, e hoje se limita ao registro dramatúrgico histórico. A Agonia do Rei, em especial, é uma evidência da passagem do tempo. Evidencia-se o peso da verborragia do texto e a desconstrói-se o absurdo da trama. O diretor Dudu Sandroni intenta reavivar a narrativa, impondo-lhe toques de humor que, ao contrario de ampliar o absurdo, o esvazia. O cenário de Lidia Kosovsky tira partido de panejamento vermelho para criar, com reduzidos, mas eficientes recursos (espelho, planos alternados) vaga suntuosidade decadente. No elenco se destacam Ednei Giovenazzi e Kelzy Ecard, em interpretações bem sintonizadas com a proposta da direção.   


Cena Curta
Julia, montagem de Christiane Jathay, recebeu três indicações
Foram escolhidos os finalistas do segundo semestre da temporada 2011 da 24ª edição do Prêmio Shell de Teatro nas oito categorias em disputa:
Autor: Rodrigo Nogueira (Obituário Ideal) e Eduardo Bakr (4 Faces do Amor).
Diretor: Inez Viana (Amor Confesso), Christiane Jatahy (Julia) e José Wilker (Palácio do Fim)
Ator: Rafael Primot (Inverno da Luz Vermelha) e Gracindo Jr. (Judy – O Fim do Arco-Íris)
Atriz: Claudia Netto (Judy – O Fim do Arco-Íris), Dani Barros (Estamira) e Vera Holtz (Palácio do Fim)
Música: Liliane Secco (direção musical e arranjos de 4 Faces do Amor) e Warley Goulart (direção musical de Não Me Digas Adeus)
Cenógrafo: Marcelo Lipiani (Julia) e Daniela Thomas (Inverno da Luz Vermelha)
Figurinista: Marcelo Pies (Judy – O Fim do Arco-Íris) e Beth Filipeck e Renaldo Machado (Palácio do Fim)
Iluminação: Maneco Quinderé (Palácio do Fim) e Fernanda Mantovani (Breve Encontro)
Categoria Especial: Tablado pelos 60 anos de atividades e a adaptação de Senhorita Julia, de Strindberg, por Christiane Jathay.

Barbara Heliodora recebe homenagem especial pelo exercício da crítica teatral ao longo dos últimos 54 anos. 

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

51ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ A Noite dos Palhaços Mudos
Pantomima da reiteração do ridículo humano
A linguagem dos palhaços tem código próprio, situado entre a pantomima e o humor que mimetiza o ridículo humano. Em raras  criações, ampliam-se essas características até a um ponto de inflexão que alcança o poético. A dificuldade na apropriação cênica desta linguagem está em que seu código tem poucas variantes, obedecendo a gramática de gestos, situações e imagens que oferecem restrita originalidade expressiva. O clown subsiste reiterativamente, sobrevivendo como tradição e como recorrente afirmação de suas técnicas. A Noite dos Palhaços Mudos, até domingo no Teatro Poeira, confirma tais limitações. Espetáculo paulista da companhia La Mínima estreou há três anos na capital paulista, chegando ao Rio com sua dose de novidade bastante esmaecida. Na história do cartunista Laerte, a dupla de palhaços vai em busca do nariz, um dos símbolos da sua comicidade, depois que é arrancado por representante de grupo de extermínio. Acabar com os palhaços sem fala é o objetivo dos vilãos desta narrativa no espírito dos quadrinhos, transportada para o universo dos clowns. A perseguição à dupla é pretexto para que os atores Domingos Montagner e Fernando Sampaio, além de Fernando Paz, desenrolem os fios da trama de gesticulação, movimentos, caretas, malabarismos, mímica e truques variados, em demonstração do repertório clássico do gênero. Se em alguns momentos se consegue comunicabilidade, em outros, a montagem de Álvaro Assad somente confirma a previsibilidade do palhaço. Neste sentido, o espetáculo cumpre o protocolo: reafirma a linguagem, fixa seus cânones e expõe as técnicas. Só não consegue ultrapassar as reduzidas possibilidades de sua reinvenção no espaço teatral.

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

50ª Semana da Temporada 2011


O Que Se Pode Ver até Domingo

Crítica/ Chopin & Sand: Romance Sem Palavras
Recital dramático para ouvir excelente música 
Walter Daguerre, autor de Chopin & Sand, em cartaz no Teatro do Leblon, demonstra, uma vez mais em sua carreira de dramaturgo, sensibildade para roteirizar temas para os quais é solicitado a escrever. Em outros trabalhos, já revelou esta capacidade de atender à encomendas, sem que com isto a extensão de sua dramaturgia seja prejudicada. Neste texto, Daguerre constrói recital dramático, em que a relação do compositor polonês com a escritora francesa é mostrada como choque de personalidades e estilhaços do processo de criação de ambos. Envolvidos pela música de Chopin, o casal perpassa a convivência como projeões de monólogos interiores. E o autor não economiza detalhes deste romance duradouro, já que percorreu o longo e tumultuado relacionamento, expondo as marcas deixadasna em Chopin e George Sand (pseudônimo literário de Aurore Lucile Dupin). O excesso de detalhes é responsável pela duração algo estendida da montagem. A diretora Jacqueline Laurence criou atmosfera de recital que, vagarosa e progressivamente, vai conquistando a platéia com o costurado diálogo entre música e dramática, numa narrativa crescente que se deixa levar em fluida corrente. Cenário e figurino de Ronald Teixeira adequados; iluminação de Renato Machado bem desenhada; participação no piano de Linda Bustani em alto nível de execução. Françoise Fourton e Marcelo Nogueira no elenco, se desemcumbem com cuidado de seus papéis, conjugando o espírito de um espetáculo de contornos bem convencionais, com o prazer de ouvir excelente música.

Crítica/ Ana e o Tenente
Dueto de desgarrados num espaço de melancolia
O texto de Rafael Camargo, que está em cena no Teatro do Jockey, antes de ser o confronto existencial entre um casal num parque de diversões decadente, parece um desabafo, ou um jogo de contrários de inspiração beckettiana, que intenta refletir um certa perplexidade. O dueto de desgarrados, confinados numa espaço de melancólica diversão (talvez, de lembranças infantilizadas), está em fim de linha, estabelecendo conversa de surdos, em que cada um representa a sua própria disfunção vivencial. O casal se pergunta, cada um na medida das suas dúvidas ou da falta delas, o seu lugar no mundo, os seus medos no desvendamento dos afetos, e na dificuldade de abandonar aquilo que parece já ter terminado. A abrangência pretendida por Camargo, é apenas parcialmente alcançada. Há um ar um tanto filosófico e evidente negação do realismo que impõem um estranhamento narrativo. A contradição está em que o autor recorre a  ambientação dramática referenciada, exatamente, por elementos realistas. O diretor Joelson Medeiros acentua esse estranhamento, projetando montagem com pretensões a utilizar metaliguagem cênica, pairando sobre poética de imagens corriqueiras e antirealismo sem fundamento. Isabel Pacheco, ela com menos recursos, e Sérgio Medeiros, ele com maior uniformidade interpretative, procuram dar vida (e, em alguns momentos, até conseguem) a personagens que se existem somente como abstrações.  


Crítica/ Beatles Num Céu de Diamantes
Coro vibrante na encenação do repertório do Beatles
Há três anos da estréia e seis temporadas depois, o bem sucedido musical Beatles Num Céu de Diamantes está de volta no Teatro Clara Nunes. A seleção de composições dos Beatles, numa primeira visão, poderia parecer um recital-coletânea, em que as canções se sucederiam, aglutinadas por temas ("o sonho, a fuga, a descoberta, os encontros, o amadurecimento, um sonho dentro do sonho, a volta"). A sequência das músicas, todas cantadas em inglês, apontava para a dúvida de que  não tivessem a essência dramática que pudesse torná-las encenáveis. Mas qualquer predisposição para rotular a montagem de Charles Möeller acaba por ser frustrada por espetáculo que encontra na sua própria estrutura a relação cênica que o transforma num musical atraente. Nada de texto que interligue as músicas, muito menos situações que as provoquem ou as introduzam, mas somente orquestração de movimento e voz que desenham cena encorpada e envolvente. O mecanismo que faz com que esse musical funcione com tanta vibração, sensibilidade e impacto comunicativo, se deve muito a excelência técnica da dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho. Nada parece estar a mais. Desde a seleção das músicas ao elenco adequado, as escolhas se baseiam no depuramento técnico de todos os seus integrantes. A direção musical de Cláudio Botelho, não só valoriza o material musical, como encontra sonoridade que amplia as possibilidades de audição de canções bastante conhecidas. Os arranjos musicais de Della Fischer, e os vocais de Jules Vandystad são preciosistas no detalhamento e na exploração de sutilezas sonoras nem sempre pressentidas por ouvintes menos especializados. O uso de poucos elementos cenográficos, a iluminação ágil e os músicos completam a segura equipe. Não há como destacar, individualmente, os atores. O elenco aproveita cada uma das oportunidades de "solo", e se harmoniza como um coro de intérpretes plenamente integrados ao espírito do musical, em intervenções, algumas surpreendentes, e com várias demonstrações virtuosísticas.

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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

49ª Semana da Temporada 2011


Onde Fica o Divã Teatral?
  
Crítica/ O Caso Valkiria
Desconstrução neurótica em milagroso teampo terapêutico
Em psicologia se faz estudo de caso, analisando determinado distúrbio à luz da teoria. Transpô-lo para a cena, como fez Claudia Süssekind,  autora deste texto em cartaz no Teatro Vanucci, não é tão mecânico como uma transferência direta. No teatro não é bem assim. Não há como apresentar, com a ligeireza como é mostrado e por mais que se procure dar forma dramática à sua exposição, as bases das dores físicas de uma paciente com difícil relação com as seqüelas emocionais da infância. A elaboração neurótica, que Claudia intenta, fragilmente, demonstrar, parecerá, até mesmo ao espectador sem qualquer referência a questões psicológicas, linear e de involuntária ruptura do tempo terapêutico (a narrativa se resolve magicamente). O caso retratado, pode até ser baseado em situação verídica, mas o tratamento dramático se ressente de domínio da escrita e da ausência de equilíbrio na ação. Valkiria, a personagem titulo, resiste à ajuda da irmã e do analista no esforço de resistir a desfazer o bloqueio e a vivenciar a consciência. Esta dificuldade se estende por dois terços do espetáculo, até que no terço final, com rapidez e superficialidade, Valkiria se torna detentora plena de sua existência. O diretor Victor Garcia Peralta, por mais que tenha se cercado de adereços e utilizado iluminação teatral, deixa a impressão de que  encenou com um tanto mais de cuidado do que aquele que se oferece a um evento, didático ou psicodramático, de explicitação de um caso-padrão. A montagem não sai da superfície plana e rasa imposta pelo texto, com fortes reflexos na interpretação do elenco. Marcos Breda se mostra constrangedoramente contido, enquanto Thais Garayp procura tirar partido de suas intervenções. Yásmin Gazal e Ana Jansen têm atuações inexpressivas, e Thávyne Ferrari completa o elenco. Helena Ranaldi, apesar das investidas tímidas de modulações interpretativas. sucumbe ao aspecto monocórdio e inexpressivo personagem.          


Crítica/ Senhora Solidão
Entre o humor meio amargo e o melodrama leitoso
Há a tentativa neste texto de Leandro Muniz de traçar urdidura dramatúrgica em que a solidão ganha contornos de lembranças diante de proposta de terapia que exorcize as angustias e desajustes, através da memória estimulada. Um encontro terapêutico pouco ortodoxo (parece, vagamente, um psicodrama ou uma dessas técnicas de preparação de elenco, tão em voga no cinema), expõe os traumas de grupo de pessoas, a orientadora incluída, liberando os seus nós emocionais. Na mistura dos problemas, divididos pelos quatro participantes da sessão, se pretende chegar à revelação das causas e transpor os efeitos. Passado e presente, o vivido e o agora, se interpenetram na construção das identidades. Sob essa perspectiva, Leandro Muniz consegue desenhar narrativa interessante, que não encontra traço mais definido na encenação, assinada pelo próprio autor. Esse relativo descompasso, faz desconfiar da segurança de Muniz na escrita, já que a montagem fica indefinida entre o humor meio amargo e o melodrama leitoso. Enquanto reproduz o jargão de certo tipo de técnica de recondicionamento de comportamento, parece que se está diante de linha crítica. Em seguida, volta-se para situações de um quase ridículo derramamento de emoções caricatas, que desconsertam e esvaziam o entrecho. Assim como a montagem, em cartaz no Teatro do Planetário, o elenco – Alex Nader, Bia Guedes, Cristina Fagundes e Luis Lobianco – parece muito cru, incapaz de superar a visível inexperiência e de ir além da disciplina dos, talvez, persistentes ensaios.

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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

48° Semana da Temporada 2011


Marcelo Rubens Paiva; Diretor e Autor

Crítica/ Deus É Um DJ
Som e imagem fluídas numa fúria de sensações 
Os dois personagens deste texto do alemão Falk Richter são um DJ e uma VJ, que confinados num espaço fechado, onde se submetem ao espetáculo de um reality show, desempenham os papéis que os ritos de suas atividades lhes confere. Apoiados por trilha sonora da época em que a peça foi escrita (final dos anos 90), e por imagens que sublinham grafismo do mesmo período, o casal se pretende representação da década da convergência de uma certa estética com a tecnologia, do esvaziamento de conteúdos e da avalanche, por várias vias, do fluxo de informação que atropela a construção dos discursos. O flagrante da emergência de fenômeno que se acirra e que se vive cada vez com mais intensidade, se reflete na narrativa de Richteter e tem o seu melhor ponto de inflexão teatral na fixação dos elementos de  cultura sustentada pela contemporaneidade. Mas a narrativa se fragiliza, exatamente, pelo caráter de atualidade. O tempo deixou marcas no texto na citação de tecnologia e comportamentos desgastados pela urgência e ritmo com que os códigos são convertidos continuamente. A estrutura é irregular e apenas a interseção de música e imagem não é suficiente para criar identidade dramatúrgica, que atingiria maior abrangência se construída a partir dos próprios registros das linguagens dos DJs e dos VJs. Não por acaso, os monólogos iniciais de cada um dos personagens – ele, falando de viagem pelo deserto: ela, contando a experiência num programa banal de televisão – reproduzem com acuidade o espaço vivencial das suas atuação profissional, capturando seus códigos e universo musical e imagético. DJ e VJ expõem a natureza do som e imagem que produzem. Ecoam a fúria das sensações fluídas de uma geração na sua maneira de estar, perceber e expressar o seu tempo. Esta introdução se destaca, decisivamente, do restante.O diretor Marcelo Rubens Paiva poderá até ter percebido a desestruturação do texto, tanto que conduz a montagem com excesso de informalidade, buscando explicar, mais do que situar o que está acontecendo na cena. Mas o mundo que se pretende mostrar, não aparece, camuflado na sequência de quadros banais (o pior deles, o da aula de culinária), e sem projetar o que provoca os acordes e os traços de intenso ruído cultural. A concepção cenográfica não colabora muito para que se estabeleça a ambientação dramática de um  show de realidade. Tanto Maria Ribeiro quanto Marco Damigo estão bastante à vontade nesta linha mais informal, buscando intimidade com a platéia. Nas cenas iniciais, a dupla tem desempenho na medida, com ótimos momentos. Nas demais se perdem, perseguindo cumplicidades.


Crítica/ C’Est La Vie
Hesitação entre o nonsense e o humor agridoce 
Há quase uma indicação de reportagem, numa primeira impressão, na escrita de Marcelo Rubens Paiva nesta narrativa que se utiliza da história de mulher solitária que liga para o serviço do disque-denúncia. Os telefonemas, entre o patético e o absurdo, recebidos pela central, também um tanto patética e absurda, acabam por aproximar a mulher de um dos atendentes. Do encontro, criam-se laços desatados, como as existências desses personagens desgarrados. Mas o que poderia ser impulso de repórter do autor, revela-se desvio do mote inicial. Sem muita realidade, a não ser a da solidão urbana e do telemarketing emocional, o entrecho se reduz a observações sem muita sustentação de rotineira comédia. O desenvolvimento da trama vai se definhando e mostrando a sua inconsistência, atingindo, sem que seja, aparentemente, o seu propósito, os limites do nonsense. Gilberto Gawronski e Luis Fernando Philbert, que assinam a direção, reforçaram essa linha de humor absurdo, deixando ainda mais expostas as fraturas do texto. A proximidade que se estabelece com a obra de Marcel Duchamps, já postiça na narrativa, se acentua na cenografia, dividida entre Gawronski e Nello Marrese. O elenco – Ester Jablonski, Adriano Garib e Zemmanuel Pinto – se conduz com hesitação em adotar o nonsense ou o tom de comédia agridoce.

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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

47ª Semana da Temporada 2011


Shakespeare voa no Arquivo e desaparece na Praça Tiradentes

Crítica/ Penso Ver O Que Escuto
Olhar  sombrio sobre o tempo presente 
Numa tenda armada no pátio central do Arquivo Nacional, os diretores Fábio Ferreira e Cláudio Baltar propõem empreender um vôo, com incisivo toque contemporâneo, sobre a obra de Shakespeare. E este sobrevôo não é apenas imagem para analisar a dramaturgia cênica que a dupla construiu para tentar encenar “uma outra idéia de contemporaneidade...olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, os brilhos, mas o escuro, as sombras.” Não são apenas palavras que abrem esse ensaio sobre os dramas históricos de Shakespeare  - partindo de Ricardo II, enredando Henrique IV, V e VI, chegando a Ricardo III -, mas a procura de pulsação de atualidade, dramatúrgica e cênica, para obra de conotações tão inglesamente clássicas. Das sombrias vilanias pela disputa de poder, do escuro de torpes impulsos, de tão pouco que resta dizer, se impõe a audição de “palavras mudas“, de escutar o que o presente nos deixa ver. Numa compilação desses dramas intrincados, em que a ação parece menos importante a ser seguida como a um manual didático ou necessária a consulta a uma árvore genealógica (como a publicada no programa do espetáculo), o que jorra como um néctar poético são as palavras, capazes percorrer tantos desvãos humanos, tocando profundos sentimentos e abjurações com igual força expressiva. A montagem desta panorâmica shakespeariana parecerá pouco ortodoxa, desobediente a cânones e preceitos, insolentemente nacional. São imagens sucessivas de nervosidade teatral acrobática, num enquadramento físico em que um varal de roupas se transforma em guerra sequencial, e galhos secos se transformam em floresta de homens abatidos. E uma torre se torna eixo malabarístico para que se capture os instantes que antecedem a morte. Em movimentos e vozes, no físico e no poético, os atores oscilam à volta dos que “ficam sentados como se fossem pedras”, buscando emprestar através do espaço aéreo, significações que deixam soltas no ar palavras enraizadas e regadas pela condição humana. São várias as cenas que arrebatam. Poucas as que se perdem. Muitas que desequilibram entre  voz e  corpo. Algumas que ritualizam e reeditam a narrativa teatral robusta. Penso Ver O Que Escuto tem uma inteireza de concepção, que eventuais observações sobre a sua artesania parecerão secundárias diante das reações contraditórias e estimulantes que provoca pela abusada carga criativa.                     

Crítica/ A Megera Domada
Subversão involuntária da gramática cênica
É suposto Shakespeare e A Megera Domada estarem em cena no Teatro João Caetano. Mas nem um nem outra aparecem no palco da Praça Tiradentes, a não ser como evidências do mau uso do nome do autor e como contrafação de uma montagem teatral. O teatro tem seus fundamentos e improvisá-los ou fazer da sua prática uma deturpação leva ao desmascaramento do oportunismo. Não há no palco desta subversão involuntária das mínimas regras da gramática cênica, qualquer elemento a que se possa atribuir qualidade. Tradução, adaptação, direção, elenco, cenário, música, figurino, nada se justifica por qualquer opção artística e base técnica. Descuidada como realização, precária como cena, vazia de idéias, desrespeitosa com o público, esse arremedo amadorístico de teatro se torna ainda mais grave quando se constata que tal produção se viabiliza com apoios substanciais. Se empresas privadas associam seu nome a um empreendimento tão lamentável, e abrem seus cofres para comprometer sua marca e seu dinheiro com o desperdício, é uma decisão interna e indiscutível. Mas as três instancias do poder público investirem dinheiro do contribuinte é inconcebível. O Ministério da Cultura, a Secretaria de Estado de Cultura, a Prefeitura do Rio de Janeiro e a Secretaria Municipal de Cultural são patrocinadores desta exibição de um tipo de teatro que o Rio não assistia há tempos, banido pelo profissionalismo de produção e pela procura de valorização artística. Tudo que esse lamentável espetáculo arruína em menos de duas horas.  

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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

46ª Semana da Temporada 2011


O diretor João das Neves em dose dupla

CríticaAs Polacas – As Flores do Lodo
Histórias de preconceitos e injustiças
As Polacas, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, trata das prostitutas vindas da Europa do Leste para a zona do meretrício do Mangue, nas primeiras décadas do século passado. Tangidas para cá pela discriminação aos judeus em seus países de origem, acrescentada aqui ao  preconceito pelo exercício da profissão, foram enganadas pelos próprios conterrâneos, com promessas de casamento. É desta pequena humanidade, que chegou a se sindicalizar e a manter um cemitério que pudesse abrigá-las, de acordo com seus preceitos religiosos, após a morte, de que trata o texto de João das Neves. Mas não somente como registro ou comentário sobre os costumes de um período da vida nacional. O autor e diretor desta montagem intentou estabelecer, sob a perspectiva das atitudes preconceituosas, a sua visão sobre um grupo social, hoje estudado no âmbito acadêmico. Este enfoque, coerente com a carreira de João das Neves (foi um dos fundadores do Grupo Opinião e sempre desenvolveu prática teatral politicamente interveniente) reforça a observação crítica em detrimento de maior elaboração dramatúrgica. Refletindo em cena, sem muitas nuances dramáticas, pesquisa sobre as polacas, que parece ter sido a base do seu texto, destaca alguns casos como exemplares, sem contudo criar ambientação mais verídica. A ambição de traçar quadro social, representado pelas judias perseguidas na Europa, a injustiça social brasileira, figurada por prostituta negra e coronéis do interior, fregueses abonados dos prostíbulos, é bem maior do que o fôlego demonstrado por cenas descosturadas, descontínuos climas dramáticos e proselitismo choroso. O diretor João das Neves não colaborou para encorpar no palco o que o autor João das Neves não conseguiu na dramaturgia. A música, que parece ter sido introduzida para compensar buracos da narrativa, e os quadros com movimentos congelados, que, aparentemente, tentam driblar o esboço cenográfico que nada ambienta, acentuam a fragilidade da montagem. O longo número musical da abertura, despropositado, tanto no tempo de duração  quanto na  fixidez dos dançarinos, anuncia a pouca dinâmica das cenas seguintes e o esgotamento dos recursos inexpressivos. A presença de atores que se misturam ao público é o menor deles. O elenco – Luciana Mitkiewicz, Ligia Tourinho, Wilson Rabelo, Gilray Coutinho, Ivone Hoffman, Carla Soares, Alexandre Akerman, Felipe Habib, Leonardo Miranda, Maria Elias, Ilea Ferraz e Rodrigo Cohen – é bastante irregular, e se mostra perdido em meio a texto dispersivo, e a montagem de rala densidade.  


Crítica/ Galanga – Chico Rei
Reverência festiva à cultura afro-brasileira
Não que seja uma dramaturgia sofisticada. Muito menos, que tenha a intenção de inovar o musical ou folclorizar a linguagem popular. Calanga – Chico Rei, que pode ser visto no Teatro do Jockey, é tão somente um musical de estrutura simples, quase um show teatral, em que o repertório musical, a coreografia e as inventivas soluções cênicas transformam o espetáculo em agradável e, algumas vezes, vibrante exposição da cultura afro-brasileira. O texto de Paulo César Pinheiro, na forma de narração, conta a história do rei africano Galanga, trazido como escravo para o Brasil, e que com sua ardilosa inteligência em anos de trabalho no garimpo de ouro em Minas Gerais, comprou sua alforria. Como um contador de caso, o narrador distribui essa história para além da oralidade, transformando sua  versão falada em  música, coreografia e manifestação festiva. As dez canções de Paulo César Pinheiro, a maioria escrita para o musical, passeiam por ritmos variados (congada, pontos de candomblé, folclore tradicional), constituindo-se em produção altamente criativa e que demonstram possibilidade de audição  própria fora do libreto do espetáculo. À qualidade musical se acrescenta a beleza do conjunto dos atores, vestidos de branco, utilizando-se de instrumentos musicais, eles próprios formas decorativas, e de objetos sonoros, como as latas-grilhões, presas ao calcanhar, que marcam o ritmo musical e coreográfico. A cenografia do diretor João das Neves é, ao mesmo tempo, despojada e envolvente, com seus estandartes de procissão e altar que reúne o sincretismo religioso, desvendado apenas ao final num sutil abrir de cortina. João das Neves manobrou com destreza a feitura da cena, dosando com extrema habilidade a palavra e a sua representação pela musica e dança. Em sucessivos quadros, o diretor reinventa, permanentemente, a montagem, provocando no espectador a expectativa de encontrar igual vibração da cena anterior. É premiado nesta sua expectativa. A platéia é embalada pelas ótimas canções e singeleza do congado, e envolvida pela dignidade, elegância e autoridade do narrador Mauricio Tizumba, coadjuvado por onze atores-cantores-músicos-bailarinos que tornam esse musical uma prazerosa reverência à cultura afro-brasileira.        


Cenas Curtas

Dois documentários sobre diretores teatrais chegam aos cinemas da cidade. Domingos, a estréia na direção da atriz Maria Ribeiro, faz um retrato de Domingos de Oliveira, em depoimento sobre as suas atividades nos palcos e no cinema. E Evoé – Retrato de um Antropófago, filme de Tadeu Jungle e Elaine Cesar, “mistura de forma labiríntica depoimentos recentes e imagens de José Celso Martinez Corrêa”. 

Os espetáculos interessados em participar da mostra Finge do 21º Festival de Teatro de Curitiba, que acontece de 27 de março a 8 de abril de 2012, devem se cadastrar, até 4 de dezembro, pelo site www.fringe.com.br. A mostra, que ocupa todos os espaços disponíveis em Curitiba, reúne mais de três centenas de montagens durante os dez dias de realização do festival.

O último mês do primeiro projeto de ocupação do Teatro Dulcina, depois da reforma, reúne três espetáculos que fizeram carreira curtas em outros espaços. Cartas de Maria Juileta e Carlos Drumond de Andrade, direção e interpretação de Sura Berditchevisky se apresenta às quartas e quintas, enquanto a comédia musical O Meu Sangue Ferve Por Você ocupa o palco às terças. De sexta a domingo será a vez de Fragmentos, textos de vários autores baseados em Roland Barthes. Para as crianças, O Homem que Amava Caixas, sábados e domingos.

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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

45ª Semana da Temporada de 2011


Crítica/ Aquela Outra
A mesma feminilidade em dois tempos
Lícia Manzo, autora de Aquela Outra, demonstra sensibilidade de retirar das relações contemporâneas, aspectos que possam levá-la a fazer comentários sobre aquilo que provoca os desajustes mais comuns no cotidiano. Se no texto anterior, História de Nós Dois, encenado com grande resposta de público, a autora tratava dos desencontros de um casal em processo de separação, no atual, em cartaz no Teatro do Leblon, estabelece contraponto entre duas mulheres (ou seriam duas feminilidades?) em épocas diferentes. A que vive em 1959, é mãe de família, dona de casa, dedicada aos filhos, servindo ao marido, mas frustrada pela ausência de qualquer possibilidade de se realizar profissionalmente. A que está bem instalada profissionalmente neste 2011, com um filho cuja convivência delega a alguém e namorado que não coabita com ela, vive mergulhada na insatisfação de não ter domínio de seu tempo e da sua existência. O paralelismo das frustrações e das vontades não realizadas em tempos contrastados é o que Lícia Manzo propõe nesta comédia de costumes em formato de dois monólogos que se entrelaçam no diálogo sobre as dúvidas de uma (a atual) e de outra (a do passado). Lícia descreve as condições culturais que marcam o feminino e as condicionantes para que a mulher possa se expressar mais amplamente como ser social. Os problemas que afligiam as pioneiras do feminismo são mostrados através das suas consequências práticas, mas sem avançar muito na discussão das suas contradições teóricas. Clarice Niskier organiza a cena, centrando-se na nas atrizes. Há uma tentativa de individualizar as atuações por meio dos traços das épocas. Deste modo, quando acontece a interação entre os tempos, os registros dos anos tendem a parecer menos determinados pela cenografia, figurinos ou referências às modificações tecnológicas (recurso um tanto evidente e previsível do texto). A diretora conduz o elenco, apontando em cada uma das intérpretes, o que seria marcante em comportamento na  época. A solução cenográfica de Luís Martins é simples, mas integra bem os anos 50 com a atualidade, assim como os figurinos de Kika Lopes. Merece citação a música de Marcelo Alonso Neves. Cristina Flores adota uma interpretação agitada, nervosa, de intensidade por demais composta. Tânia Costa equilibra melhor a narrativa da vida monótona e frustrada da dona de casa, como as atitudes intervenientes da personagem nos dias atuais. 

  
Crítica/ Não Me Digas Adeus
Na busca de encontrar um rumo estilístico
Em concursos de dramaturgia como o da Seleção Brasil em Cena do Centro Cultural Banco do Brasil, que atualmente apresenta no Teatro III o vencedor deste ano, Não Me Digas Adeus, de Juliano Marciano, qualquer avaliação precisa ser feita em cotejo com os demais concorrentes. Para os jurados desta edição, o texto de Juliano se destacou entre as mais de 250 inscrições, e foi considerado o melhor entre todos. Para quem é apenas espectador, as razões pelas quais Não Me Digas Adeus ganhou o primeiro prêmio ficam difíceis de compreender. Não que seja uma narrativa sem nenhuma qualidade, mas a medida para medi-las será a da montagem assinada por Gilberto Gawronski. Ao autor, pode-se atribuir alguma organização textual, e o esforço de reproduzir, estilisticamente, um melodrama. E pouco mais. Marciano conduz os diálogos e a trama perseguindo um melodrama cômico, mas não tem fôlego para levá-los muito longe. A convenção estilística não se revela suficiente como linguagem que abasteça o desenvolvimento narrativo. A direção e a cenografia de Gawronki criam ambientação cafona, com trilha musical que acompanha os derramamentos amorosos e as paixões suburbanas de canções populares, tentado enquadrar a brincadeira com as linguagens. O diretor não ultrapassa o crescente desinteresse que a trama provoca e o esgotamento da brincadeira, que depois de uma apresentação simpática (as primeiras cenas) não tem mais como se sustentar pela falta de apóio efetivo no texto. O jovem elenco – Diego Araújo, Nelson Yabeta, Nina Reis, Paula Jubé e Rafael Ferrão - demonstra  empenho e entrega na medida do entusiasmo de estreantes recém saídos de escola de teatro. Essa alegria de estar em cena é superior a qualquer observação que se possa fazer em relação aos seus desempenhos.


Crítica/ Amor Confesso
O casamento em frenético ritmo cômico
São oito contos de Arthur Azevedo sonorizados por seis canções de compositores populares e embalados por frenético ritmo cômico. A reunião desses elementos no palco do Centro Cultural dos Correios resulta na divertida encenação de Ignez Viana, que trata do casamento, através do viés da traição, com extremo bom humor. A dupla de atores, Claudia Ventura e Alexandre Dantas, costurou a dramaturgia cênica das histórias curtas de Azevedo com comicidade azeitada ao nosso tempo. Quase clownesco em alguns momentos, com ironia inteligente em outros, vivaz o tempo todo, o elenco enxuto, além do pianista Roberto Bahal, percorre com intensa movimentação os conflitos ingênuos de casais que avançam sobre os maliciosos maus costumes de sua época. A montagem estabelece um jogo dinâmico em que a apresentação dos contos é antecedida por simpática introdução para determinar seu enquadramento e aliciar a plateia. As músicas – de Vai Vadiar a Errei, Sim, de Mulata Assanhada a Futuros Amantes - se transformam em observações bem humoradas. A diretora utiliza o histrionismo dos atores para tornar ágil e aproveitar a inventividade  do casal para deixar que não se quebre o ritmo. Tanto Claudia Ventura quanto Alexandre Dantas mantêm o humor, entre o físico e o chanchadístico, entre o palhaço e o cômico popular, justificando em uma hora e meia – talvez um corte fizesse com que essa agradável montagem fosse ainda mais animada –, tão despretensiosamente e com competência, a palavra divertimento, tantas vezes usada para apresentar certos espetáculos, mas que nem sempre cumprem o que anunciam.

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