Chico Diaz em A Lua Que Vem da Ásia: ano de ótimas interpretações |
Foi um bom ano para o teatro carioca. Os velhos e alguns novos problemas ensombraram a temporada teatral de 2011, mas foram menos importantes do que a sucessão de bons espetáculos, ótimas interpretações, inventivos cenários, e estimulante apropriação de outra perspectiva dos criadores da cena carioca. De maneira discreta, mas empenhada, o teatro reinventa seu contorno, diluído ao longo dos anos por preconceitos estéticos, ausência de fomento público, crise econômica e falta de ousadia. Desenhou-se este ano revitalização que apontou para fixar geração de autores, atores, músicos, técnicos, tradutores, diretores, que não são apenas promissores, mas que levaram aos palcos vivência profissional solidificada por variadas formas de reflexão sobre as razões para estar em cena. Ao aumento das dotações de empresas privadas e das secretarias de cultura do estado e município correspondeu a diminuição dos espaços disponíveis para escoar a crescente produção, o que provocou temporadas curtas, boas bilheterias abortadas e descontinuidade de público. O segundo incêndio durante a reforma do Teatro Villa-Lobos adiou a reabertura da casa de espetáculo que, fechada há dois anos, se junta ao palco vazio do Teatro Teresa Rachel, com frustrada reinauguração em 2011. Houve apenas um pequeno alento com a abertura do Poeirinha. Mas se os espaços rarearam, grupos estrangeiros voltaram a incluir o Rio nas suas turnês brasileiras. Peter Brook, depois de uma década, trouxe ao Teatro Dulcina Uma Flauta Mágica, versão minimalista da ópera de Mozart. E Ariane Monouchkine e seu Théâtre du Soleil arrebataram com Os Náufragos da Louca Esperança.
Consolidaram-se os musicais, não apenas numericamente, mas no aprimoramento técnico e artístico e na recepção do público. O Violinista no Telhado e Judy Garland – O Fim do Arco-Íris, montagens da dupla produtiva Möeller-Botelho; Tim Maia – Vale Tudo, O Musical, Emilinha e Marlene – As Rainhas do Rádio, A Aurora da Minha Vida – Um Musical Brasileiro, 4 Faces do Amor, Calanga – Chico Rei, e Outside – Um Musical Noir, versões nacionais para o gênero, contabilizaram generosa acolhida das platéias. A música no teatro também teve um ano de boa safra, tanto na direção musical de Liliane Secco (4 Faces do Amor), quanto nas trilhas originais de Paulo César Pinheiro (Calanga – Chico Rei) e de Marcelo Alonso Neves (Palácio do Fim).
Autores que definem, cada vez com mais segurança e pessoalidade o seu universo dramatúrgico, lançaram textos interessantes. A diversidade temática de Pedro Brício (Me Salve, Musical! e Trabalhos de Amores Quase Perdidos), a cena textual de Felipe Rocha (Ninguém Falou que Seria Fácil), e o depuramento estilístico de Rodrigo Nogueira (Obituário Ideal) mantiveram o sopro de renovação na escrita teatral. Com o mesmo ar de novidade, grupo de atores acrescentou qualidade à temporada com suas interpretações. Rafael Primot (Inverno da Luz Vermelha), Chico Diaz (A Lua Vem da Ásia), Rodrigo Pandolfo (R & J de Shakespeare ), Charles Frick (O Filho Eterno), Caio Blat (Um Coração Fraco), Thiago Abravanel (Tim Maia – Vale Tudo, O Musical), Pedro Osório (Um Número) se destacaram em meio a veteranos como José Mayer (O Violinista no Telhado) e Gilberto Gawronski (Ato de Comunhão). Já entre as atrizes, veteranas como Débora Olivieri (Rosa), Analu Prestes (Um Dia Como os Outros e Mulheres Sonharam Cavalos), Vera Holtz (Palácio do Fim) e Claudia Netto (Judy Garland – O Fim do Arco-Íris) formaram com Letícia Isnard (A Estupidez), Dani Barros (Estamira), Renata Paschoal (A Lição) e Helga Nemeczyk (A Aurora da Minha Vida – Um Musical Brasileiro), ótimo elenco feminino.
Crônica da Casa Assassinada: ambientação mística-mineira |
Entre os diretores, Gabriel Villela, ampliou seu universo místico-mineiro na adaptação do romance de Lúcio Cardoso, Crônica da Casa Assassinada. Monique Gardenberg mostrou vigor em Inverno da Luz Vermelha), e Christiane Jathay prosseguiu, com ousadia na adaptação e direção de Julia, a sua integração entre teatro e outras expressões artísticas. Jefferson Miranda reafirmou sua permanente inquietude em Você Precisa Saber de Mim), e Fábio Ferreira e Claudio Baltar colocaram Shakespeare de cabeça para baixo em Penso Ver O Que Escuto). Daniel Herz brincou com Pirandello (Adultério) e valorizou Cristovão Teza (O Filho Eterno). Ignez Vianna revitalizou cenicamente Artur Azevedo (Amor Confesso). O ano também deixou a lembrança de ótimos cenários, como o assinado por Márcio Vinícius (Crônica da Casa Assassinada), a impecável e ascética área criada por Marcos Flaskman (Palácio do Fim), e a divertida concepção de Bia Junqueira (Auto Peças 2 – Peças de Encaixar). Fernando Mello da Costa arquitetou a passagem de tempo (Um Coração Fraco). Marcelo Lipiani e Lidia Kosovsky recriam ambientes duplos (Um Dia Como os Outros e Cozinha e Dependências) e Lipiani foi responsável pela ambientação multimídia de Julia e Lia Renha pela exuberância de Lia Renha (A Escola do Escândalo). Na iluminação, Maneco Quinderé criou luz sofisticada para Palácio do Fim, e Fernanda Mantovani deu clima ao cenário simples de José Dias em Breve Encontro. Mais uma vez e com visíveis dificuldades, o festival Tempo apresentou programação de alto nível, com destaque para o monólogo francês A Lei do Caminhante.
Sergio Britto e Ítalo Rossi, com Fernanda Montenegro, em O Cristo Proclamado (1961) |
A geração fundamental na construção do moderno teatro brasileiro perdeu dois de seus nomes incontestáveis: Ítalo Rossi e Sergio Britto.