segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

47ª Semana da Temporada 2011


Shakespeare voa no Arquivo e desaparece na Praça Tiradentes

Crítica/ Penso Ver O Que Escuto
Olhar  sombrio sobre o tempo presente 
Numa tenda armada no pátio central do Arquivo Nacional, os diretores Fábio Ferreira e Cláudio Baltar propõem empreender um vôo, com incisivo toque contemporâneo, sobre a obra de Shakespeare. E este sobrevôo não é apenas imagem para analisar a dramaturgia cênica que a dupla construiu para tentar encenar “uma outra idéia de contemporaneidade...olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, os brilhos, mas o escuro, as sombras.” Não são apenas palavras que abrem esse ensaio sobre os dramas históricos de Shakespeare  - partindo de Ricardo II, enredando Henrique IV, V e VI, chegando a Ricardo III -, mas a procura de pulsação de atualidade, dramatúrgica e cênica, para obra de conotações tão inglesamente clássicas. Das sombrias vilanias pela disputa de poder, do escuro de torpes impulsos, de tão pouco que resta dizer, se impõe a audição de “palavras mudas“, de escutar o que o presente nos deixa ver. Numa compilação desses dramas intrincados, em que a ação parece menos importante a ser seguida como a um manual didático ou necessária a consulta a uma árvore genealógica (como a publicada no programa do espetáculo), o que jorra como um néctar poético são as palavras, capazes percorrer tantos desvãos humanos, tocando profundos sentimentos e abjurações com igual força expressiva. A montagem desta panorâmica shakespeariana parecerá pouco ortodoxa, desobediente a cânones e preceitos, insolentemente nacional. São imagens sucessivas de nervosidade teatral acrobática, num enquadramento físico em que um varal de roupas se transforma em guerra sequencial, e galhos secos se transformam em floresta de homens abatidos. E uma torre se torna eixo malabarístico para que se capture os instantes que antecedem a morte. Em movimentos e vozes, no físico e no poético, os atores oscilam à volta dos que “ficam sentados como se fossem pedras”, buscando emprestar através do espaço aéreo, significações que deixam soltas no ar palavras enraizadas e regadas pela condição humana. São várias as cenas que arrebatam. Poucas as que se perdem. Muitas que desequilibram entre  voz e  corpo. Algumas que ritualizam e reeditam a narrativa teatral robusta. Penso Ver O Que Escuto tem uma inteireza de concepção, que eventuais observações sobre a sua artesania parecerão secundárias diante das reações contraditórias e estimulantes que provoca pela abusada carga criativa.                     

Crítica/ A Megera Domada
Subversão involuntária da gramática cênica
É suposto Shakespeare e A Megera Domada estarem em cena no Teatro João Caetano. Mas nem um nem outra aparecem no palco da Praça Tiradentes, a não ser como evidências do mau uso do nome do autor e como contrafação de uma montagem teatral. O teatro tem seus fundamentos e improvisá-los ou fazer da sua prática uma deturpação leva ao desmascaramento do oportunismo. Não há no palco desta subversão involuntária das mínimas regras da gramática cênica, qualquer elemento a que se possa atribuir qualidade. Tradução, adaptação, direção, elenco, cenário, música, figurino, nada se justifica por qualquer opção artística e base técnica. Descuidada como realização, precária como cena, vazia de idéias, desrespeitosa com o público, esse arremedo amadorístico de teatro se torna ainda mais grave quando se constata que tal produção se viabiliza com apoios substanciais. Se empresas privadas associam seu nome a um empreendimento tão lamentável, e abrem seus cofres para comprometer sua marca e seu dinheiro com o desperdício, é uma decisão interna e indiscutível. Mas as três instancias do poder público investirem dinheiro do contribuinte é inconcebível. O Ministério da Cultura, a Secretaria de Estado de Cultura, a Prefeitura do Rio de Janeiro e a Secretaria Municipal de Cultural são patrocinadores desta exibição de um tipo de teatro que o Rio não assistia há tempos, banido pelo profissionalismo de produção e pela procura de valorização artística. Tudo que esse lamentável espetáculo arruína em menos de duas horas.  

                                                    macksenr@gmail.com