quarta-feira, 30 de novembro de 2011

46ª Semana da Temporada 2011


O diretor João das Neves em dose dupla

CríticaAs Polacas – As Flores do Lodo
Histórias de preconceitos e injustiças
As Polacas, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, trata das prostitutas vindas da Europa do Leste para a zona do meretrício do Mangue, nas primeiras décadas do século passado. Tangidas para cá pela discriminação aos judeus em seus países de origem, acrescentada aqui ao  preconceito pelo exercício da profissão, foram enganadas pelos próprios conterrâneos, com promessas de casamento. É desta pequena humanidade, que chegou a se sindicalizar e a manter um cemitério que pudesse abrigá-las, de acordo com seus preceitos religiosos, após a morte, de que trata o texto de João das Neves. Mas não somente como registro ou comentário sobre os costumes de um período da vida nacional. O autor e diretor desta montagem intentou estabelecer, sob a perspectiva das atitudes preconceituosas, a sua visão sobre um grupo social, hoje estudado no âmbito acadêmico. Este enfoque, coerente com a carreira de João das Neves (foi um dos fundadores do Grupo Opinião e sempre desenvolveu prática teatral politicamente interveniente) reforça a observação crítica em detrimento de maior elaboração dramatúrgica. Refletindo em cena, sem muitas nuances dramáticas, pesquisa sobre as polacas, que parece ter sido a base do seu texto, destaca alguns casos como exemplares, sem contudo criar ambientação mais verídica. A ambição de traçar quadro social, representado pelas judias perseguidas na Europa, a injustiça social brasileira, figurada por prostituta negra e coronéis do interior, fregueses abonados dos prostíbulos, é bem maior do que o fôlego demonstrado por cenas descosturadas, descontínuos climas dramáticos e proselitismo choroso. O diretor João das Neves não colaborou para encorpar no palco o que o autor João das Neves não conseguiu na dramaturgia. A música, que parece ter sido introduzida para compensar buracos da narrativa, e os quadros com movimentos congelados, que, aparentemente, tentam driblar o esboço cenográfico que nada ambienta, acentuam a fragilidade da montagem. O longo número musical da abertura, despropositado, tanto no tempo de duração  quanto na  fixidez dos dançarinos, anuncia a pouca dinâmica das cenas seguintes e o esgotamento dos recursos inexpressivos. A presença de atores que se misturam ao público é o menor deles. O elenco – Luciana Mitkiewicz, Ligia Tourinho, Wilson Rabelo, Gilray Coutinho, Ivone Hoffman, Carla Soares, Alexandre Akerman, Felipe Habib, Leonardo Miranda, Maria Elias, Ilea Ferraz e Rodrigo Cohen – é bastante irregular, e se mostra perdido em meio a texto dispersivo, e a montagem de rala densidade.  


Crítica/ Galanga – Chico Rei
Reverência festiva à cultura afro-brasileira
Não que seja uma dramaturgia sofisticada. Muito menos, que tenha a intenção de inovar o musical ou folclorizar a linguagem popular. Calanga – Chico Rei, que pode ser visto no Teatro do Jockey, é tão somente um musical de estrutura simples, quase um show teatral, em que o repertório musical, a coreografia e as inventivas soluções cênicas transformam o espetáculo em agradável e, algumas vezes, vibrante exposição da cultura afro-brasileira. O texto de Paulo César Pinheiro, na forma de narração, conta a história do rei africano Galanga, trazido como escravo para o Brasil, e que com sua ardilosa inteligência em anos de trabalho no garimpo de ouro em Minas Gerais, comprou sua alforria. Como um contador de caso, o narrador distribui essa história para além da oralidade, transformando sua  versão falada em  música, coreografia e manifestação festiva. As dez canções de Paulo César Pinheiro, a maioria escrita para o musical, passeiam por ritmos variados (congada, pontos de candomblé, folclore tradicional), constituindo-se em produção altamente criativa e que demonstram possibilidade de audição  própria fora do libreto do espetáculo. À qualidade musical se acrescenta a beleza do conjunto dos atores, vestidos de branco, utilizando-se de instrumentos musicais, eles próprios formas decorativas, e de objetos sonoros, como as latas-grilhões, presas ao calcanhar, que marcam o ritmo musical e coreográfico. A cenografia do diretor João das Neves é, ao mesmo tempo, despojada e envolvente, com seus estandartes de procissão e altar que reúne o sincretismo religioso, desvendado apenas ao final num sutil abrir de cortina. João das Neves manobrou com destreza a feitura da cena, dosando com extrema habilidade a palavra e a sua representação pela musica e dança. Em sucessivos quadros, o diretor reinventa, permanentemente, a montagem, provocando no espectador a expectativa de encontrar igual vibração da cena anterior. É premiado nesta sua expectativa. A platéia é embalada pelas ótimas canções e singeleza do congado, e envolvida pela dignidade, elegância e autoridade do narrador Mauricio Tizumba, coadjuvado por onze atores-cantores-músicos-bailarinos que tornam esse musical uma prazerosa reverência à cultura afro-brasileira.        


Cenas Curtas

Dois documentários sobre diretores teatrais chegam aos cinemas da cidade. Domingos, a estréia na direção da atriz Maria Ribeiro, faz um retrato de Domingos de Oliveira, em depoimento sobre as suas atividades nos palcos e no cinema. E Evoé – Retrato de um Antropófago, filme de Tadeu Jungle e Elaine Cesar, “mistura de forma labiríntica depoimentos recentes e imagens de José Celso Martinez Corrêa”. 

Os espetáculos interessados em participar da mostra Finge do 21º Festival de Teatro de Curitiba, que acontece de 27 de março a 8 de abril de 2012, devem se cadastrar, até 4 de dezembro, pelo site www.fringe.com.br. A mostra, que ocupa todos os espaços disponíveis em Curitiba, reúne mais de três centenas de montagens durante os dez dias de realização do festival.

O último mês do primeiro projeto de ocupação do Teatro Dulcina, depois da reforma, reúne três espetáculos que fizeram carreira curtas em outros espaços. Cartas de Maria Juileta e Carlos Drumond de Andrade, direção e interpretação de Sura Berditchevisky se apresenta às quartas e quintas, enquanto a comédia musical O Meu Sangue Ferve Por Você ocupa o palco às terças. De sexta a domingo será a vez de Fragmentos, textos de vários autores baseados em Roland Barthes. Para as crianças, O Homem que Amava Caixas, sábados e domingos.

                                   macksenr@gmail.com