sábado, 28 de maio de 2011

Palco Nostálgico


Memória de Rubens Corrêa


Livro/ Um Salto Para Dentro da Luz

As biografias lançadas pela Coleção Aplauso, quase sempre, sintetizam entrevistas com os nomes selecionados, e com maior ou menor habilidade, as reproduzem sem qualquer comentário. É uma opção editorial, que funciona mais como registro de carreira do que propriamente como balanço ou análise da vida profissional. Mas há exceções, como em Rubens Corrêa – Um Salto Para Dentro da Luz, de Sérgio Fonta, não só pelo fato do ator ter morrido em 1996, como o autor procurar imprimir cunho mais jornalístico à biografia. Preso ao tom laudatório e de homenagem reverente – não se fazem apreciações que destoem desta linha –, Sérgio Fonta investe na vida e carreira de Rubens, destacando desde o seu nascimento em Aquidauana, Mato Grosso, passando por sua formação no Internato São José, na Tijuca, e pela refinada educação musical (pensou em ser pianista), até transcrever sua trajetória teatral. Ator de papéis marcantes – do Tablado e da Fundação Brasileira de Teatro, como amador, e do Teatro do Rio ao Teatro Ipanema, como profissional – Rubens percorreu repertório em que valorizou personagens encorpados, como Sade, Artaud, Althusser e autores como Gogol, Arrabal e Beckett. Fonta destaca entre suas interpretações, aquelas que considerou sete maravilhas - Prodígio do Mundo Ocidental, Diário de um Louco, Marat-Sade, O Arquiteto e o Imperador da Assíria, Hoje É Dia de Rock, O Beijo da Mulher-Aranha e Artaud. Apoiando-se em críticas, entrevistas, reportagens, textos de programas e fotos, mapeia as atuações de Rubens no teatro, cinema e televisão, dos anos 50 até aos 90. A personalidade tímida de um homem discreto, bom ouvinte, como mencionam vários entrevistados, Rubens era uma força em cena, ator que buscava no recôndito de seus silêncios e ruídos interiores a explosão dramática para os personagens que interpretava. Sérgio Fonta é criterioso na abordagem de aspectos mais íntimos e repórter seletivo nos depoimentos de amigos e companheiros de palco, que são unânimes em elogiar Rubens por sua dedicação e empenho como arquiteto de exercício existencial da profissão, vivida em permanente vertigem. Como escreve Fonta: “Rubens Corrêa, numa conversa com estudantes de teatro, lembrava fala de personagem da peça Woyzeck  - Cada ser humano é um abismo e a gente tem vertigens quando se debruça sobre eles -, e afirmava que a missão do ator é provocar, dentro de cada espectador, o abismo e a vertigem de seu mergulho em seus personagens. Para que as pessoas pensem, se emocionem e amem com mais intensidade.”   

Rubens como Artaud: encantação metafísica 
Crítica/ Artaud!

Antonin Artaud (1896-1948) não foi uma personalidade criativa amansada pelas pressões que sofreu nos manicômios em que esteve internado ou por outras pressões sociais a que foi submetido ao longo de vida tumultuada. Perseguindo a “metafísica em ação”, Artaud projetava um teatro à procura da totalidade, unindo a idéia de “pensamentos em estado puro” à da “linguagem em forma de encantação”. O espetáculo Artaud! é síntese desse pensamento, fulgurantemente anárquico, diante do qual o espectador contemporâneo não pode deixar de se surpreender. O delírio pessoal e criador de Artaud se articula através da visão da vida e da arte esteticamente definidas, que resulta em formas de expressão de surpreendente alcance como linguagem. Na montagem dirigida por Ivan Albuquerque e interpretada por Rubens Corrêa, fragmentos desse universo múltiplo são oferecidos como tessitura fina de um louco solitário que seu tempo não soube apreender. O recital está dividido em módulos (teatro, loucura, depoimentos, criação), que tecem o rosto contraído de vários Artauds, revelando realidades “pelo direito e avesso”. A alucinação, que o próprio Artaud pretendia que fosse “o principal meio dramático”, acompanha os movimentos de Rubens Corrêa que, com intensidade, desenha os diversos momentos pelos quais o personagem transita, rebuscando as nuanças e os estágios dos estados alucinatórios. A passagem temática é realizada com sutilezas. À explosão inicial, que marca a sua visão de teatro, segue-se crescente dilaceramento representado por tom nervoso e menos tenso. A mudança se processa com os movimentos de mãos de Rubens por trás do encosto de uma cadeira que domina a cena (“meu corpo voa em pedaços”). Evitando o estado de demência, que poderia  conferir um caráter psicológico evidente, o ator preferiu recorrer a seu arsenal técnico e colocar em cena a exposição de suas possibilidades. Pode-se discordar da contenção que não permite que sua linha interpretativa alcance o ponto de quase delírio, mas não se pode negar a competência e a experiência do profissional com suficiente maturidade para sofisticar seus recursos de ator. A disposição das arquibancadas no porão do Teatro Ipanema faz com que o Rubens seja visto pela platéia num plano mais baixo, o que, forçosamente, a faz olhar para o alto. Tal arquitetura dá ao público domínio sobre o ator que, metaforicamente, representaria as mesmas forças repressoras ao espírito livre e incontrolável de Artaud. Com os meios disponíveis, o diretor Ivan Albuquerque construiu espetáculo que se fixa sobre o magnetismo de Rubens Corrêa. E neste sentido, o público não se frustra, já que na emoção de captar as palavras inflamadas de Artaud está a essência da montagem. Ainda que algumas imagens não sejam muito felizes, como a da crucificação e o uso derramado dos gestos, Artaud! revela uma face não tanto provocadora do seu retratado, mas certamente muito sensível.   

Crítica publicada em 1986

terça-feira, 24 de maio de 2011

22ª Semana da Temporada 2011


  
Musicais em Cartaz


Crítica/ Um Violinista no Telhado

José Mayer evoca como Teyve a cultura judaica
Um musical como Um Violinista no Telhado não se enquadra, com muita justeza, à palavra show, como é conhecido o gênero na Broadway e no West End. Não que na música, libreto e coreografia se procure transgredir os postulados do musical, que desde suas origens se mantêm fiéis a alguns cânones, apenas evoluídos ao longo do tempo. Ao lado de exemplares como Hair e as criações de Stephen Sondhein, Um Violinista no Telhado se estrutura sobre  base narrativa com contornos dramáticos. Na versão em cartaz no Oi Casa Grande pode-se constatar que os duetos amorosos, as cenas de impacto visual, o clímax pretendido pelas canções e a coreografia que levanta a platéia, tudo está lá. Portanto, é um musical à moda, sem retoques na cartilha de execução, que se constrói como espetáculo teatral, ligado, sim, a um gênero determinado, mas com alicerces mais fundos do que a exposição (show) de efeitos. Na montagem de Charles Möller e Claudio Botelho, as características teatrais são acentuadas, demonstrando, uma vez mais, rigor de realização da dupla. Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma aldeia russa, no início do século XX, Um Violinista... adota visual  poeticamente reproduzido por Marc Chagall. Os diretores confirmam a capacidade de selecionar  elencos, dos protagonistas às crianças. Acertam ao apostar em José Mayer como Teyve, uma boa voz e presença evocativamente bonachona. Ao ressaltar a limpidez vocal de Soraya Ravenle, que projeta na Golda tantas outras mães judias. E selecionar Ada Chaseliov, como a casamenteira, a trinca de filhas – Malu Rodrigues, Rachel Bennhack e Julia Bernat, os rapazes – Nicola Lama, André Loddi, Cirillo Luna – e os aldeões – Dudu Sandroni, Jitman Vibranovski, Yashar Zambuzzi, Léo Wainer, os tipos marcantes de Marya Bravo e Cristina Pompeo, e os demais integrantes de elenco afinadíssimo. Neste conjunto harmonioso, todos se integram ao coletivo irretocável de atuação, vozes e dança. Os figurinos de Marcelo Pies se destacam, em especial no sonho que Tevye inventa para convencer sua mulher. A iluminação de Paulo César Medeiros atinge, neste mesma cena,  belos efeitos. Apenas o cenário de Rogério Falcão, talvez tenha carregado no tom sombrio e no peso de alguns elementos. A supervisão musical de Claudio Botelho, a direção e regência de Marcelo Castro e a orquestra merecem registro pelo alto nível de execução da trilha. Uma sonoridade encorpada de espetáculo que se realiza, plenamente, no palco.        


Crítica/ Baby – O Musical

Casais cantam a espera de usar alfinetes de fralda
O cartaz de Baby – O Musical, em cena no Teatro João Caetano, reproduz um alfinete de fralda sobre o titulo em preto. A cortina que encobre o proscênio é feita de milhares desses alfinetes, anuncia voz em off, um pouco antes do início do espetáculo. A onipresença desse objeto caracteriza, à perfeição, essa comédia musical. Como os alfinetes de fralda, praticamente desaparecidos com o advento das fraldas descartáveis, Baby se revela tão anacrônico e ultrapassado quanto aquele acessório. Musical da Broadway dos anos 80, até pode ter obtido alguma repercussão naquela época. Hoje, as historinhas de três casais, de idades e estágios de convivência diferentes, ora se descobrindo grávidos, ora tentando engravidar, têm interesse bastante  restrito. Os percalços da espera, a insegurança do futuro e as perdas no caminho se distribuem pelos casais em lento e previsível desenvolvimento das pequenas tramas. Ainda que esses problemas se limitassem a tão rala dramática, afinal, para alguns, musicais não precisam de maiores entrechos e são tão somente exibições de técnica vocal e espetaculosidade visual, há que considerar como prioritária a trilha musical. E também neste aspecto, Baby é pouco inspirado. Anódinas, com letras tão corriqueiras quanto a trama, sem qualquer canção destacável, as músicas se sucedem em ritmo ralentado, o mesmo com que os casais desenrolam suas sonolentas inquietações. A importação do diretor americano Fred Hanson pouco colaborou para dar maior vida cênica ao que está, irremediavelmente, superado. Não se percebe qualquer marca autoral na direção. A equipe técnica e artística cumpre sua participação com profissional eficiência. Do elenco – Sylvia Massari, Tadeu Aguiar, Amanda Acosta, André Dias, Daíra Sabóia e Olavo Carvalheiro -, ao coro, orquestra, figurinistas, cenógrafos e iluminador   


 O Que Há (de melhor) Para Ver
 Oxigênio - As dez cenas deste texto do russo Ivan Viripaev não apontam caminhos para o teatro, mas se propõem a discuti-los através de várias dissonâncias de seus modos e meios. Com a frontalidade de um show de música e o distanciamento de uma narrativa expositiva, a montagem, instigante e provocativa, perambula pelos atalhos sombrios da contemporaneidade. Áspera, rascante e desconcertante a direção de Márcio Abreu, da Companhia Brasileira de Teatro de Curitiba, captura o choque  de dispersões existenciais. Mezanino do Espaço Sesc.
Fotogramas teatrais de vivências cotidianas
Nunca Falei Que Seria Fácil – Vivências do cotidiano – crianças que não querem abandonar a chupeta, casais em desavença, solidão em estado de beligerância com o mundo – se manifestam como sentimentos  de ternas observações sobre a rotina dos afetos em texto que explora, numa ciranda de situações, impressões emocionais. O trio de atores imprime pulsação e vigor à cena, em prolongamento de uma escrita articulada com sensível linguagem exploratória das possibilidades narrativas do teatro. Espaço Cultural Sérgio Porto.      
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sexta-feira, 20 de maio de 2011

21ª Semana da Temporada 2011


Palcos do Espaço Sesc Abrigam Tendências


Crítica/ Oxigênio

Perfis ofegantes de dispersões existenciais
Como vaga lembrança de decálogo bíblico, repleto de dogmas virtuais e citações tautológicas, a peça do russo Ivan Viripaev captura uma certa dispersão existencial. A falta de oxigenação perambula pelos atalhos sombrios da contemporaneidade, com seu séquito de incertezas, vacuidades, prazeres químicos, crimes banalizados e jogos teatrais ressoando sentidos múltiplos. As dez cenas de Oxigênio, em cartaz no Mezanino, se desmentem para se afirmarem em respiração ofegante e tensa e na velocidade da urgência que não corresponde aos tempos interiores. Na sequência de sensações, desmentidas a cada frustração, os personagens, tipos, arquétipos ou acólitos, como se queira interpretá-los, deste ritual de incompletudes não rompem seus limites, estabelecidos em vivências condicionadas. O texto não aponta  caminhos. Registra a busca do ar para dançar conforme a música, não uma e de um só ritmo, mas tantas e de incontáveis sonoridades dissonantes. Marcio Abreu, diretor da Companhia Brasileira de Teatro de Curitiba, uma vez mais, constrói montagem a partir das dúvidas em que o teatro se enreda para dar conta da necessidade de se perguntar sobre seus meios e modos. O diretor lança com a frontalidade de show de música e o distanciamento de narrativa expositiva, surdas implicações reflexivas. Montagem áspera, rascante e desconcertante na alternância de atmosferas, Oxigênio tem nos atores Rodrigo Balzan (mais integrado à proposta da encenação) e Patrícia Kamis (buscando interpretação mais dramatizada) uma dupla integrada. Completa o elenco, o músico Gabriel Schwartz.       


Crítica/ Autopeças 2 – Peças de Encaixar

Cenário de encaixe para vitrine de possibilidades
Resultado de oficina de dramaturgia, a segunda montagem do projeto Autopeças, que atores da Cia. dos Atores, em seu permanente desejo de se experimentar como criadores, desenvolvem há dois anos. Desta vez, são autores, todos novos, inéditos e de formações bem diversas, que chegam à Arena. Na seleta de textos de iniciantes e de linhas díspares de escrita e de universos dramáticos ainda em construção, há tentativas empenhadas. É previsível a instabilidade estilística em sete ensaios de dramaturgia, reunidos como peças de encaixe em espetáculo coletivo. Não há intenção de fazer ligações entre diferenças e individualidades autorais, tão somente armar painel de primeiras investidas. Os diretores César Augusto e Susana Ribeiro estruturam o espetáculo como um jogo de armar (ou de desarmar), em que cada peça se sucede em interseções cênicas. Nem todas têm condições de integrar, com fluência, essa engenharia teatral. Faltam ainda alguns ingredientes para que a mistura fique menos rala e alcance algo mais do que  de uma vitrine de possibilidades. A brincadeira verbal de Papo de Mineiro é tão circunstancial como Primeiro Eu, e as tentações poetizantes de Tem Um Trem Atrás de Mim e de Biziu: Eu Quase Te Amei de Verdade são tão ingênuas quanto Marcel e Marceau, Tatu e Aquilo Que Fica. A vinda desses autores – Suzana Nascimento, Raquel Alvarenga, Diogo Liberano, Monica Sólon, Jaderson Fialho, João Rodrigo Ostrower, Alexandre Rudáh e José Caminha -  é uma primeira aproximação, ponto de partida para alguma outra chegada ou para abandonar o barco antes mesmo de tentar atracar, cm mais segurança, nos portos nebulosos da escrita teatral. Os diretores  de Autopeças 2 têm na cenografia hábil e inventiva de Bia Junqueira apoio essencial para preencher, com volume de invenção, a interpretação do elenco, e de imprimir com seus gadgets (a janela de onde surgem os matutos mineiros, o tatu e os desdobramentos do piso) agilidade à mistura dos textos. A iluminação de Paulo César Medeiros é decisiva para que se retirem os melhores efeitos do cenário.    


Crítica/ A Esposa e a Noiva

Presença delicada de uma leitura tchecoviana
Dois contos de Anton Tchecov, reunidos na montagem de Antonio Gilberto,  são pequenas jóias literárias, como tantas outras do autor russo. A sua obra teatral, absolutamente arrebatadora na sua preciosa e cruel delicadeza sobre meandros dos sentimentos, amplia o que as suas narrativas curtas contêm em diversa escala expressiva, mas com a mesma intensidade e refinamento. Nesta escolha entre a sua produção contista estão, igualmente, a indecisão sobre as possibilidades abortadas e a existência tangenciada pela hesitação e infelicidade. E ainda a luta para tentar ir além das angústias, atravessar fronteiras para chegar a uma moscou inalcançável, fincar inquietações em território de ilusões. As personagens destes contos, ultrapassam os confinamentos emocionais ao peso de várias perdas e da consciência de ter deixado atrás de si um campo devastado, mas ao menos atingem uma moscou demarcada fora de seus limites. Antonio Gilberto condiciona a encenação em contorno literário, retirando da leitura de livro a primeira imagem da atriz, logo que os espectadores entram na Sala Multiuso. Esse primeiro quadro e as projeções ao fundo marcam e definem o estilo da direção. Narrado como numa leitura dramatizada, os textos ganham vida cênica, basicamente, pela forma como Luciana Fróes impõe ritmo à leitura. Tanto em A Esposa, quanto em A Noiva, a intérprete encadeia a narrativa à procura da voz interior dos contos. Luciana Fróes, uma bela figura em cena, permeia a delicadeza da escrita e a revelação sutil dos sentimentos, ainda que escape à intérprete, em alguns momentos, a fricção tensionada de algumas passagens. A cenografia de Flávio Graff não consegue criar atmosfera que sugira algo mais consistente do que ilustração pouco inspirada de citações visuais óbvias.      


Cenas Curtas

Maquete do cenário
O Teatro Maison de France anuncia para 3 de junho a estréia de Crônica da Casa Assassinada, adaptação de Dib Carneiro Neto para o romance de Lúcio Cardoso. O mineiro Gabriel Villela, como o autor do livro, é quem assina a direção, que tem no elenco, entre outros, Xuxa Lopes e Helio Souto Jr. A temporada será de oito semanas.

Estante de lançamentos: Rogéria Gomes reuniu no livro As Grandes Damas – E Um Perfil do Teatro Brasileiro (Tinta Negra Bazar Editoral) depoimentos das atrizes Bibi Ferreira, Ruth de Souza, Eva Todor, Beatriz Lyra, Beatriz Segall, Laura Cardoso, Eva Wilma, Nicette Bruno e Norma Blum. * Samir Yazbek edita sua peça As Folhas do Cedro, premiada pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte)  como melhor texto de 2010, com fotografias da montagem paulista. * Foi lançado o número 523 da Revista da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores), que traz nesta edição, entrevista com Ítalo Rossi, encontro entre os atores Paulo José e Selton Mello, reportagem sobre teatro de bonecos, revelando a identidade do olheiro da TV Globo que garimpa, pelos festivais de teatro, nomes para o elenco da emissora.
Para setembro, no Teatro Sesc Ginástico, está prevista a estréia da versão musical de Aurora da Minha Vida. O texto premiado de Naum Alves de Souza, recebeu nos primeiros anos da década de 2000 partitura original de Marcos Leite, que, no entanto, viria a morrer, interrompendo o trabalho e engavetando o projeto. Agora retomado, o musical, que será dirigido pelo autor do texto, está concluindo a escolha do elenco. A versão original, de 1981, tinha no elenco Marieta Severo, Analu Prestes, Cidinha Milan, Mário Borges, Roberto Arduim, Pedro Paulo Rangel, Stella Freitas e Carlos Gregório.


Palco na TV

A participação do teatro na televisão ainda é modesta, mas vem aumentando, gradativamente, em especial na TV segmentada. É inesquecível a exibição do Grande Teatro Tupi, com seu elenco de sonho e repertório com o melhor da dramaturgia internacional, há 40 anos. Mas os tempos são outros, como o também são outros o teatro e a televisão. O pouco do que se vê na tela pequena sobre teatro, divulga a cena brasileira, entrevista alguns dos seus personagens e, em menor escala, discute propostas e dificuldades da cena contemporânea. O inteligente programa Starte, da Globo News, exibe a série Grandes Damas, às terças-feiras, às 23h30, e já conversou com Beatriz Segall e Nathalia Timberg. Na próxima edição será a vez de Bibi Ferreira e na seguinte, Fernanda Montenegro. O Canal Brasil, que ao longo dos anos mantém, quase que continuamente, programas dedicados ao teatro, apresenta todas as segundas-feiras, às 21h, a série Palco e Platéia. Com o ator José Wilker como entrevistador, nos 13 programas previstos foram ouvidos os diretores Aderbal Freire-Filho, Eduardo Moreira, Rodolfo Garcia Vásquez, Bia Lessa, Amir Haddad, Chica Carelli e Marcio Meirelles, todos já exibidos. As próximas conversas serão com Guti Fraga (30/5), Miguel Falabella (6/6), Gabriel Villela (13/6), Hamilton Vaz Pereira (20/6) e Antunes Filho (27/6). A Sesc TV também mantém, sem interrupções, programas dedicados ao palco, como Poética e Tecnologia (terça, às 22h), em que as novas tecnologias são mostradas como linguagens possíveis para a cena. O documentário Ariane Monouchkine e o Teatro de Soleil poderá ser visto, ou revisto, na terça, às 20h, e o quarto capítulo da minissérie Trago Comigo (segunda, às 23h) apresenta o diretor de teatro e ex-guerrilheiro Telmo Marinicov.  O Não Lugar (horários variados), mostra diferentes formas de encenação em locais mais acessíveis à população.    
  
                                                        
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domingo, 15 de maio de 2011

20ª Semana da Temporada 2011


Aberta a Temporada dos Monólogos


Crítica/ Ato de Comunhão

Ritual de comunhão com o inumano
Este monólogo escrito pelo argentino Lautaro Vilo e baseado em fato real ocorrido na Alemanha, condensa a caminhada de um homem que, explicitamente e através de contato digital, procura alguém que se disponha a ser devorado por ele. O antropofágico desejo, que é gestado por emoções acumuladas desde a infância e arquitetado após a morte da mãe, acontecimentos fundadores do desvio, se decompõe em fases da vida como acúmulo de frustrações irrecuperáveis. Vilo mostra a desestruturação desta personalidade em dois momentos que antecedem a sua voragem em devorar seu mundo interior, utilizando-se de suas fraturas diante do mundo exterior. No aniversário de oito anos, a derrota num jogo infantil é razão para desprendê-lo do real e dar início à construção daquilo que o levaria ao ato transgressor. No enterro e velório da mãe, a liturgia do funeral é incapaz de dimensionar o seu desamparo e solidão, e para confrontá-los, ridiculariza a mercantilização do ritual da descida do corpo à tumba. Só e livre, com os meios de assistir e contatar perversões através das redes sociais, lança sua mensagem macabra, que é captada por alguém disposto a se submeter a ela. Descrevendo cada etapa da concretização deste ato de comunhão com o inumano, Vilo, dramaturgo de 33 anos, circunscreve o rito sinistro numa exposição fria. O encenador e ator Gilberto Gawronski, que teve Warley Goulart como codiretor, conduziu esse depoimento, em cartaz na galeria de arte do Espaço Sérgio Porto, sem efeitos dramatizantes. Narrador de seu próprio teatro de horror, o personagem é suficientemente carregado de drama para que se procure acentuá-lo. Gawronski, como diretor e intérprete, também não intenta traçar uma imagem psicológica. Recorre a narração equidistante, quase mecânica, em que sua voz gravada, muitas vezes, dá continuidade à voz ao vivo e aos silêncios significantes. Com cenário despojado e projeções oportunas de Jorge Neto, os 25 espectadores desta jornada a um universo de abominação ficam frente a um ator sóbrio na vestimenta preta e no tom de resposta a um julgamento em tribunal, transmitindo com detalhamento interpretativo, o ascetismo de emoções mórbidas. Um trabalho de cuidado e rigor.       


Crítica/ Depois do Filme

Viagem existencial no veículo detonado do olhar
O personagem Ulisses, do filme Juventude, de Domingos de Oliveira, sai da tela do cenário do espetáculo, escrito, dirigido e interpretado por Aderbal Freire-Filho, e se corporifica no palco do recém-inaugurado aconchegante e bem equipado Poeirinha, filhote do vizinho Teatro Poeira. Aderbal que foi Ulisses no cinema, decidiu prolongar-lhe a vida no teatro, transformando em monólogo existencial aquele que deixou o filme para assistir ao roteiro de sua decadência até à exibição do fim. Percorre a cidade com a câmera dos olhos, investindo-se de astro de sua fantasia, conduzindo-se por paragens sem futuro em um carro detonado, fazendo serenata pelo interfone, mendigando algum trocado. Ulisses não tem mais tempo para criar. Nada. O tempo acabou, assim ele escolheu. Vagar pelo centro e por bairros, fugir do hospital, encontrar, fortuitamente, bolivianos desavindos, que sobrevivem da venda de bugingangas, é o destino possível para quem não se concede mais rounds. Para reinterpretar Ulisses, Aderbal se fez, depois de décadas, ator. Foi a forma de dar continuidade e reviver o personagem que no cinema encontrava junto aos amigos a realidade da passagem dos anos. No teatro, Ulisses-Aderbal atua como um homem que num fiapo de vida, se desprende do pouco que o mantém lúcido para sonhar ser outro, de circular pela ilusão de não ter sido. Nesta viagem cênica, Aderbal incorpora Ulisses  como um intérprete que faz de si veículo, muito mais como forma de recontar-se como homem de teatro, do que como ator que se queira medir no palco.            


Crítica/ Clichê

Tiques e caretas em show de lugares-comuns
Neste monólogo, o que seu autor Marcelo Pedreira pretendeu foi extrair dos lugares-comuns, frases feitas, ditos exaustivamente repetidos, clichês, enfim, algum resultado cômico. Na compilação de tantos chavões de linguagem, o autor caiu na armadilha daquilo que queria registrar. A longa e repetitiva acumulação deste tipo de vício da fala comum, perde o humor depois de se ouvir sequência monótona deste roteiro de muito do mesmo. E ao tentar se afastar da trilha do previsível, procurando selecionar o clichê por temas, não escapa da cilada do texto. Mesmo compartimentando, Marcelo Pedreira recai no convencionalismo da monotonia aprisionadora do tema. Não se altera muito o fato de nomear os clichês na publicidade, na música brega, nas novelas de televisão, no futebol e na política. Mais próximo do show de piadas e do humor ralo, falta a esse Clichê maior tratamento que o faça ultrapassar a compilação para dar-lhe forma mais teatral. Talvez nem tenha sido esse o propósito do autor, mas o resultado é pouco mais do que a lembrança seriada das frases feitas, que depois de poucos minutos perdem, a eficácia como humor. O espetáculo que está no palco do Teatro Leblon no horário tardio das 23h30 (um irresistível convite ao cochilo diante da repetição do que se assiste) já demonstra o seu descompromisso com maior elaboração teatral, ao deixar o palco totalmente despido de cenografia. A direção conduz mais a iluminação e as entradas sonoras do que propriamente o ator. Preso ao modelo do show de humor, Lúcio Mauro Filho substitui qualquer idéia de interpretação por sucessivas tiques e caretas, agitação corporal e risinhos nervosos, reforçando o que o texto não oferece como alternativa de atuação.     


Cenas Curtas nos Estados

Porto Alegre - O diretor gaúcho Luciano Alabarse, curador do festival Porto Alegre em Cena, assina a montagem de Ifigênia em Áulis + Agamenon, que depois de curta temporada no Theatro São Pedro, estréia em junho no Teatro Renascença, de Porto Alegre. Alabarse, dedicado estudioso dos textos que escolhe para suas encenações, desta vez analisa o de Eurípedes, sob a perspectiva da contemporaneidade: “Em um mundo como o nosso, convulsionado por guerras e invasões hegemônicas, o texto ganha atualidade aterradora. Países continuam invadindo países, saqueando culturas, matando milhares de pessoas, destruindo a cultura e os costumes dos povos vencidos. No ano em que lembraremos os dez anos da destruição das Torres Gêmeas, as convulsões da Líbia, Egito, Iraque e Afganistão, Eurípedes aparece como um verdadeiro profeta visionário a escrever  violento libelo contra a guerra e suas consequências nefastas. Ao mesmo tempo, o texto é de uma poesia perturbadora, com imagens belíssimas.”
Sul e Sudeste – Na sua 11ª edição, o Festival do Teatro Brasileiro – Cena Mineira circulará pelos estados do sul e sudeste do país, apresentando a produção mineira a plateias das cidades de Campinas, Paulínea, Sorocaba, Curitiba, Araucária, Ponta Grossa, Porto Alegre, Caxias do Sul e Novo Hamburgo. Deste painel da produção cênica de Minas, participarão grupos gestados no núcleo de estudos e formação do Galpão Cine Horto, braço formativo do coletivo de Belo Horizonte. Durante um mês – de 16 de junho a 17 de julho – esta circulação de espetáculos, complementará as apresentações com oficinas e programa educativo para alunos de escolas públicas. Em cada etapa do festival – antes já foram programadas cenas baianas, cearense, pernambucana que visitaram Rio, Minas, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Brasília – dois ou mais estados conhecem o teatro que é feito em outro estado brasileiro.  

Salvador Benção, a mais recente montagem do Bando de Teatro Olodum, que o público carioca pôde assistir, em dezembro, no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, volta a ser apresentado na sede do grupo, o Teatro Villa Velha, em Salvador. Com direção de Márcio Meirelles, a montagem reverencia o conhecimento dos mais velhos, ligados à religiosidade do candomblé e à perda da sua influência na contemporaneidade. Como num ritual de terreiro de candomblé, o elenco evolui neste cerimonial cênico  como num balé, capaz de criar formas harmoniosas entre o calor do terreiro e o rigor do palco. Sem folclore e com idéia dramatúrgica consistente, o Bando de Teatro Olodum faz depoimento sensível e, algumas vezes até contundente, sobre o tempo e o desgaste que o seu uso tem provocado.                

Curitiba – A Companhia Brasileira de Teatro, com sede na capital paranaense e atualmente em temporada no Mezzanino do Espaço Sesc, em Copacabana, com Oxigênio, original do russo Ivan Viripaev, vem ganhando projeção nacional com seu instigante repertório. O grupo dirigido por Márcio Abreu, o mesmo que encenou Vida, inspirada  na obra de Paulo Leminski já tem definida a sua programação para os próximos meses. Atualmente, mantém o Projeto Rumos de intercâmbio com o grupo Espanca! de Belo Horizonte. Para setembro, com estreia no Teatro Novelas Curitibanas anuncia Isso Te Interessa?, a partir do texto Bon, Saint Cloud, de Noëlle Renaud, além de criação inédita a partir da obra do autor Joel Pommerat, e do título Sobre o Dia Em Que Nasci. 


São Paulo - Estreou na capital paulista, no Teatro Anchieta (Sesc Anchieta), a adaptação de Ingmar Bergman para Espectros, de Henrik Ibsen. O denso texto do dramaturgo norueguês tem direção de Francisco Medeiros  e elenco formado por Clara Carvalho, Nelson Baskerville, Plínio Soares, Flávia Barollo e Patrícia Castilho. Nesta adaptação, o cineasta e diretor teatral sueco reescreveu o texto, cortando e introduzindo trechos de peças de August Strindberg, como O Pelicano e Sonata dos Espectros. Na sua avaliação das modificações ao original, Bergman conclui: “com uma grande tesoura de aço, cortei em pedaços o férreo espartilho ibseniano, deixando temas fundamentais intactos”. 




 O Que Há (de melhor) Para Ver

Nunca Falei Que Seria Fácil – Vivências do cotidiano – crianças que não querem abandonar a chupeta, casais em desavença, solidão em estado de beligerância com o mundo, solidão – se manifestam como sentimentos  de ternas observações sobre a rotina dos afetos em texto que explora, numa ciranda de situações, impressões emocionais. O trio de atores imprime pulsação e vigor à cena, em prolongamento de uma escrita articulada com sensível linguagem exploratória das possibilidades narrativas do teatro. Espaço Cultural Sérgio Porto.      

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domingo, 8 de maio de 2011

19ª Semana da Temporada 2011


Três Montagens da Cia. Foguetes Maravilha no Sérgio Porto


Crítica/ Nunca Falei Que Seria Fácil

Ternas observações sobre a rotina dos afetos
A ação não é contínua. Os tempos não são demarcados pela sequência dos segundos. O jogo não tem regras que se precise conhecer de antemão. As interseções de cenas não se fazem pela lógica dramática. A recepção da platéia não é induzida a identificar signos. Nunca Falei Que Seria Fácil se localiza para além dessas negativas, e se afirma como consequência de  integridade criativa que propõe uma dramaturgia viva, revitalizada, que incorpora a participação do espectador como personagem atuante desta lúdica exposição de flashes de vida. Casais em  desavença, crianças que não querem abandonar a chupeta, adultos indiferentes ao medo infantil, solidão como estado de beligerância com o mundo, sentimentos exibidos em painel de ternas observações sobre a rotina dos afetos. Aparentemente desarrumadas, como as vivências do cotidiano, revivem-se impressões emocionais que deixam em cena um rastro de cumplicidade. Capturar, de que maneira for, esses fragmentos de episódios afetivos, é o que o autor, co-diretor e ator Felipe Rocha lança a quem assiste a essa pequena jornada,  que como se anuncia, não é fácil. Na ciranda de situações, surgidas num momento, retomadas, ou não, mais adiante, fala-se linguagem franca em ágil diálogo, e se rabisca a narrativa como um puzzle que se deixa manipular  como sugestão para armar um desenho pessoal. No trio – Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabelo – não há protagonismos, que fica por conta da dinâmica e fluência com que Alex Cassal, o outro diretor, imprime ao  conjunto. Os intérpretes, plenamente integrados ao processo de elaboração cênica do texto, se transformam em prolongamentos da pulsação e vigor teatrais da escrita articulada para ser comparsa da expressão do ator.        


Crítica/ Duas Histórias

Alex Cassal: linha de montagem do tempo adulto
A dupla da Foguetes Maravilha encena Duas Histórias, a partir de narrativas retiradas de Um Conto Nefando?, de Sérgio Sant’Anna e do texto original de Alex Cassal, Alcubierre, que dá titulo à sua interpretação na segunda parte desta fabulação geminada. Felipe Rocha em Uma História Nefanda?  percorre o embate interior de um jovem em final de adolescência que realiza um desejo interdito com a mãe. A voz desta mãe ecoa a ressonância deste ato no cotidiano que, talvez, deva seguir em sua rotina. Quase uma leitura dramatizada, com o palco nu, sem qualquer cenografia, o ator já está em cena quando chegam os espectadores. Fala com um, cumprimenta outro, faz exibição de suas habilidades no skate, e arruma os poucos adereços (fita crepe e caneta) junto a caixa de som, os únicos elementos no palco. De forma suave, numa enunciação sem carga dramática, descritivo, Felipe avança na narrativa, com pausas que insinuam clímaxes nunca atingidos, e suspensões da fala, preenchidas por movimentos nervosos, coreográficos, violentos, que emprestam força à suavidade intencional como se projeta a palavra.
Alex Cassal em Alcubierre adota um humor de contornos algo cruéis. Biográfica, a descrição do garoto de 12 anos, solitário, que vive com a mãe enfermeira, a irmã menininha e “o irmão morto”, e que revive a construção do universo adolescente, marcado pela cultura pop dos anos 80, adquire toques melancólicos. Sem saudosismo, no espírito das vivências formadoras, com alguma carga impiedosa sobre si mesmo, Alex transmite esse mundo pós-infantil como a linha de montagem do tempo adulto. Manuseando elementos cenográficos, que retiram de fotografias, capas de LPs e de livros, legendas e ilustrações para figurar evocações, o intérprete é conduzido pela diretora Clara Kutner por esses desvãos das lembranças. Mantém o tom afetuosamente ácido de sentimentos que se avizinham do patético, como o mundo infantil, dos heróis de Guerra nas Estrelas, das tentativas amorosas de chegar ao outro, de mudar de cidade, de ser ator.   

  
Crítica/ Ele Precisa Começar
Felipe Rocha: intérprete de suas dúvidas
Nada mais honesto do que o título desta performance-espetáculo-show de Felipe Rocha. Como o personagem que se confunde com a própria maneira como conta e inventa sua história, e na qual a forma, o teatro, a platéia, e até o cafezinho servido antes do espetáculo fazem parte do show, Felipe é o ator de suas dúvidas. O que fazer, como escrever, como encenar, o que mudar, aonde chegar? Todas essas perguntas são a razão deste Ele Precisa Começar, em que o impulso de se medir em cena é levado ao paroxismo de criticar seus métodos e de experimentar se questionar. Ao brincar com a narrativa e construir possibilidades de exploração da dúvida, Felipe nega os meios de fazê-lo e antecipa, com alguma impiedade, as ponderações sobre suas idéias e a análise de suas intenções. O que diz e encena demonstra a consciência dos limites e das "precariedades", mas o que ressalta é a vontade de se avaliar, de verificar a extensão das possibilidades, de romper com a imobilidade e tentar começar. Após assistir a essa ingênua, às vezes, provocante, eventualmente, sincera, quase sempre, exposição de busca de sentido para a cena, fica a certeza de que Felipe Rocha  precisa, deve e vai continuar.


Cenas Curtas

A dramaturgia carioca está em um momento florescente, com novos autores chegando aos palcos com sopro forte de renovação e de propostas  bastante interessantes. E, em alguns casos, até corajosamente provocativas. Desde o início dos anos 2000, quando Roberto Alvim organizou mostra de novos autores, aglutinando nomes que hoje se mostram em plena processo de investigação de suas possibilidades dramatúrgicas, que se amplia a tendência. O que mais se destaca neste “movimento espontâneo” de ocupação de área de criação que andava morna e um tanto referenciada a gerações anteriores, é que o “mercado” está absorvendo essa produção com inegável aceitação. Felipe Rocha é um indício desta acolhimento, como aconteceu com Daniela Pereira de Carvalho, Rodrigo Nogueira, Pedro Brício, Walter Daguerre e Renata Mizrahi, que o experimentam crescentemente. Jô Bilac, o mais encenado e premiado, autor do incensado Rebu, está com quatro de seus textos em cartaz, no Rio e São Paulo: Limpe Todo o Sangue Antes Que Manche o Carpete, Savana Glacial,  A Dona do Fusca Laranja e Escandaloso Desejo de Amar. 

O Centro Cultural Banco do Brasil Brasília lança quarto autores inéditos de diferentes estados, que estão sendo apresentados no seu teatro na capital do país. Sob o título geral de Nova Dramaturgia Brasileira, de 11 de maio a 5 de junho, poderão ser conhecidos os textos de André de Leones (Goiás), Concerto Para Quatro Vozes E Alguma Memória, de Xico Sá (Pernambuco), A Mulher Revoltada, de Joca Reiners Terron (Mato Grosso), Cedo ou Tarde Tudo Morre, e de João Paulo Cuenca (Rio de Janeiro), Terror. O projeto convidou cada um desses autores a escrever, e um das idéias é a de que fossem de regiões diferentes para que, deste modo, refletissem aspectos diversos da produção dramatúrgica nacional. Os diretores de cada um dos espetáculos também são de estados diferentes: Fernando Yamamoto (Rio Grande do Norte), Haroldo Rego (Rio de Janeiro-Paraíba), Pedro Brício (Rio de Janeiro) e Cristina Moura (Brasilia). 

O site Drama Diário, em seu quarto ano e em nova temporada, traz proposta de escrita teatral com Dramaturgia em Série. Sete autores – Renata Mizrahi, Camillo Pellegrini, Leandro Muniz, Carla Faour, Rodrigo de Roure, Henrique Tavares e Felipe Barenco – escrevem narrativa à qual, cada um dá continuidade em um dia da semana. Ao final da semana, surge um capítulo,  que poderá resultar em roteiro para cinema, seriado de televisão ou peça teatral. O Drama Diário, um modo de integrar a internet à produção de textos teatrais, também pode ser consultado como  banco de peças, e de equalizar a criação de dramaturgia em tempo quase real e com recursos da mídia digital. O endereço do Drama Diário é www.dramadiario.com.

Estréia no dia 11 no Espaço Sesc a segunda versão do projeto Autopeças, que na anterior, há dois anos, levou à cena montagens com direção dos componentes da Cia. Dos Atores. Se na primeira edição, os atores como encenadores é que eram a novidade, agora são os autores que se impõem no palco. Com o título de Autopeças – Peças de Encaixar, seis textos incompletos são  “encaixados” durante a encenação. Dirigido por Céasr Augusto e Susana Ribeiro, a montagem é resultado de oficina de dramaturgia realizada pela Cia., que reuniu autores, diretores, atores, diretores e técnicos, em textos que no palco ganharam contornos variados. Uns mais teatrais, outros mais musicais e visuais, mas todos inéditos. Foram escolhidos: Papo de mineiro, de  Suzana Nascimento e Raquel Alvarenga; Tem um Fantasma Atrás de Mim, de Suzana Nascimento; Marcel e Marceau, de Diogo Liberano e Tatu, de Monica Sólon. João Rodrigo Ostrower assina Primeiro Eu, e Alexandre Pinheiro Aquilo que Fica.  Ponto de Escuta tem autoria de  Alexandre Rudáh, e José Caminha e BIZIU: Eu Quase te Amei de Verdade de José Caminha.

Nelson Rodrigues, o mais importante dramaturgo do moderno teatro brasileiro ganhou edição especial da revista Folhetim no seu 29° número. Editada por Fátima Saadi, reúne ensaios sobre a obra teatral rodriguiana com a assinatura de Ângela Leite Lopes, Edélcio Mostaço, Sílvia Fernandes, Antonio Guedes, entre outros, e publica ainda dossiê de críticas na imprensa, de autoria de Paulo Francis, Sábato Magaldi, Décio de Almeida Prado, Yan Michalski, que analisam as peças do autor de A Falecida. Destaca-se também a entrevista com Antunes Filho, diretor de uma das mais poderosas encenações dos textos de Nelson. Antunes fala da integração do conceito de arquétipos que utilizou na montagem de O Eterno Retorno: “ O arquétipo só surge numa hora de desespero. Acho que o homem brasileiro vive desesperado. O heroico brasileiro  é o desespero. As personagens de Nelson Rodrigues estão, de certa maneira, em situações-limite. Elas tentam escapar desse sufoco e, quando pensam que vão ser libertadas, se afundam, se enterram ainda mais. Esse é o desespero, a tragédia, das personagens do Nelson. 

macksenr@gamil.com

segunda-feira, 2 de maio de 2011

18ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ O Pacto das 3 Meninas 

Humor como contraponto ao melodrama
É uma questão de equalizar os tempos. A história de três mulheres idosas, que se encontram numa casa no interior para cumprir um pacto de há 50 anos, quando prometeram rever suas vidas e exercer a liberdade na velhice, não consegue se situar em nenhum momento da existências destas senhoras. A montagem, em cartaz no Teatro Clara Nunes, em horários vespertinos para atrair público de idades semelhantes às das personagens, é baseada em texto escrito a quatro mãos por Lulu Silva Telles e Rosane Svartman. E pelo que as autoras evidenciam no palco, sem muita certeza sobre de que, efetivamente, pretendiam falar. Se foi da distinção de modos de encarar a velhice, perderam-se nos estereótipos. Se foi de lançar esperança sobre as possibilidades de viver, mais do que reviver, caíram na pieguice. Se foram buscar no humor contraponto ao melodrama, restou apenas caricatura. A dupla se apóia numa trama pouco inventiva, com ganchos dramáticos frágeis e rarefeito domínio narrativo, recorrendo a escrita antiga, pesada, sem viço. O diretor Ernesto Piccolo transmite a impressão de que administrou o temperamento das atrizes, procurando marcar as cenas com ritmo que a agilidade emperrada do humor do texto não absorve. A encenação, com sonoplastia ruidosa e mudanças de cenas claudicantes, se alonga com passos hesitantes por duração bem maior do que os  seus 75 minutos. Lafayette Galvão interpreta um implausível cortejador. Rosamaria Murtinho, Camilla Amado e Marly Bueno defendem as suas personagens, tentando extrair-lhes uma seiva de veracidade, emoção e humor que os três tipos estão distantes de possuir, e que as intérpretes estão pouco à vontade para consegui-lo.        


Crítica/ A Olho Nu

Palavras soltas de vontades suspensas
A experiência intentada por este A Olho Nu, que se apresenta em horário alternativo no Teatro dos Quatro, parece ser um daqueles atos de voluntarismo dos intérpretes que têm a urgência de se expressar, de chegar ao público, de se localizar na carreira, de dar seu depoimento sobre suas emoções, de abranger o mundo que o cerca. Neste texto de Duda Gorter, também responsável pela direção, a atriz Rose Abdallah assumiu integralmente esse papel de dar voz a tantos desejos e sentimentos e torná-los credíveis em cena. Essa coletânea de boas intenções, quase sempre escorada em imagens de “entrega” e “adesão”, corre o risco que ficar no plano da vontade. É o que acontece neste monólogo maquiado em espetáculo com dois atores e muitos adereços. A gama de rumos que, tanto o texto quanto a montagem prenunciam, se desfaz na inconsistência do incontável palavreado da personagem Ela. Seria Ela um arquétipo? Ou apenas um substantivo impessoal para camuflar a falta de identidade de quem quer se tornar reclusa do mundo por razões que não se justificam e se esclarecem na exposição que faz do “ser humano com suas contradições e complexidades”, como descreve o programa do espetáculo. O texto é bastante superficial e não há qualquer conflito que o faça avançar, e muito menos alcançar uma reflexão verdadeira sobre “ as possibilidades de afeto, do calor humano e da delicadeza”, citando uma vez mais o programa. O diretor, ao que parece consciente das lacunas de seu texto para preencher os vácuos dramáticos, sobrecarregou a cena de berloques. Como a contracena nula com bonecos, as circunferências suspensas para sustentar a atriz na sua estendida preleção acrobática e a precária mistura de coreografia e performance, que não substituem a pouca força das palavras e a dificuldade de encontrar um desfecho. Rose Abdallah é uma atriz de recursos, com um timbre vocal encorpado e disciplina corporal, que se apagam nesta frustrada tentativa de moldar a individualidade criativa.                


Crítica/ A Dona do Fusca Laranja

Imagens roubadas de uma biografia de sentimentos motorizados
É inútil tentar circunscrever com definições fechadas algumas manifestações artísticas que, originalmente e por critérios mais convencionais, poderiam ser  teatrais. A Dona do Fusca Laranja  está neste caso. O evento artístico que acontece no hall do Oi Futuro do Flamengo, se parece com um espetáculo teatral. Afinal, existe um texto, escrito por Jô Bilac, uma atriz, Camila Rhodi, que forneceu ao autor o mote biográfico para fosse levado à cena, e uma platéia, que assiste a tudo como um espectador tradicional. Mas a ambientação não é inteiramente cenográfica, está mais próxima da instalação de artes plásticas. O uso de técnicas de projeção e de atuação performática, contrabalançam essa gênese, supostamente, teatral. Distribuída em três momentos, a performance (a definição é do diretor Fábio Ferreira e da atriz Camila Rhodi) se inicia três horas antes do horário oficial, com três espectadores circulando com a motorista Camila, em um fusca laranja, pelas ruas da cidade. Esta primeira etapa, à qual não me integrei e que é mostrada sem maiores conseqüências na longa sequência de imagens ao lado de vários fuscas em anúncios publicitários, se transforma no segundo momento. O terceiro, anunciado por uma performer, que prepara a entrada da atriz no seu fusca cubo transparente, lança os 50 espectadores à ego trip de alguém que decidiu falar de si, a partir do roubo de seu carro. Sem ser teatro tout court, somente uma meia performance, talvez uma instalação plástica, ampliando bastante o conceito, A Dona do Fusca Laranja se junta àquele núcleo de espetáculos em que a vontade de um intérprete de chegar ao palco, se utiliza de recursos múltiplos. Quase sempre com efeito contrário ao desejado.


Visual das Artes Cênicas Marca Encontro em Praga

Cenário de Sérgio Marimba para Mistério Bufo vai à Quadrienal
A Quadrienal de Cenografia e Arquitetura Teatral de Praga, que se realiza desde 1967, reunindo a produção mundial nestas áreas da criação cênica, este ano, na sua 12ª edição e que acontece na capital tcheca de 16 a 26 de junho, reúne em 10 mil metros quadrados cerca de 60 países, num panorama amplo e diversificado da produção dos vários continentes. Ao longo dos anos, a Quadrienal se modificou, ampliando a sua abrangência para acompanhar o espectro das mudanças, com as novas tecnologias das artes visuais aplicadas ao teatro. Tanto que em nova nomenclatura se desgina, atualmente, como Quadrienal de Praga: Espaço e Design Cênico, procurando reproduzir as manifestações contemporâneas do design das artes cênicas. Na busca de abranger as diversas e, algumas vezes, fluídas expressões da visualidade nos palcos e vizinhanças, a Quadrienal se segmenta em:
- Mostra Internacional Competitiva com os stands nacionais dos países participantes
- Interseção: Intimidade e Espetáculo – exibições performáticas durante a mostra, como as já definidas participações de Claudi Bosse, Árpád Schilling e Alice Nellis 
- Arquitetura – exposição de projetos, maquetes e fotografias, além de palestras sobre o futuro da arquitetura teatral
- Figurinos Radicais – exibição de figurinos de montagens por todo o mundo com materiais pouco convencionais e com meios inusuais de vestí-los
- Scenofest  - Dedicada a projetos de escolas de teatro e de artes em geral com a participação de 2000 estudantes dos cinco continentes
- Luz e Som – O desenho de luz e de sonoplastia nas artes cênicas e a sua importância nas artes contemporâneas em geral
- Palestras – Centenas de participações de artistas em conversas com o público. Entre os nomes confirmados: Es Devlin, Olaf Winter, Richard Sennet, Mark Friedberg e Kirsten Dehlholm.
 O Brasil, que participa desde a primeira edição – só esteve ausente em 1983 -, este ano leva para a exposição mundial uma representacão bastante expressiva:
- Na Mostra Internacional, 24 trabalhos, divididos em quarto eixos (Memória, Lugares, Ação, Transposição), com 37 artistas diretamente indicados e mais de 130 na ficha técnica. Analú Prestes com o cenário de Sonhos para Vestir, participa do Memória, além  dos cenários de As centenárias (Rostand Albuquerque e Fernando Mello da Costa), Memória da cana (Marcelo Andrade e Newton Moreno), Hoje é dia de Maria, A farsa da Boa Preguiça, A Chegada de Lampião no Inferno, Fábulas Dançadas de Leonardo da Vinci, e Retratos Pintados por Artistas Anônimos no Nordeste  Brasileiro.
No eixo Lugares, temos BR-3, Barafonda, O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado, Arrufos, O Perfeito Cozinheiro das Almas Desse Mundo.
No eixo Ação: Projeto Coleções, Formas breves, Mistério-Bufo (Sérgio Marimba), Vale 1 real e Enquadro.
No eixo Transposições: osgemeos, Romeu e Julieta, de Hélio Leites, Caixa de Imagens, Coletivo Laporg.
Radicalismo do Cena 11
No de Arquitetura: O projeto Teatro Oficina + Universidade Popular + Oficina de Floresta + Teatro Estádio, concebido por José Celso Martinez Corrêa.
 No das Escolas: 30 trabalhos, envolvendo mais de 150 alunos de 12 escolas de seis estados.
 Em Figurinos Radicais – Participa com quatro figurinos, que na  exposição, que terá apenas 30 no total. O Brasil é o país com maior participação nesta seção. Os figurinos escolhidos foram os de Marina Reis, de São Paulo; Desirée Bastos, do Rio; Leo Fressato, do Paraná e do grupo  Cena 11, de Santa Catarina.
A representação brasileira já foi premiada na QuadrienaL de Praga com a Triga de Ouro, como se designa a láurea máxima da exposição. Hélio Eichbauer ficou com o prêmio na segunda edição, em 1971. Em 1995, a Golden Triga pelo conjunto de trabalhos  foi dividida entre J.C. Serroni, Daniela Thomas e José de Anchieta, que na edição seguinte, em 1999, ficou com a medalha de ouro pelo  conjunto de projetos na seção Arquitetura Cênica. 


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