Três Montagens da Cia. Foguetes Maravilha no Sérgio Porto
Crítica/ Nunca Falei Que Seria Fácil
Ternas observações sobre a rotina dos afetos |
A ação não é contínua. Os tempos não são demarcados pela sequência dos segundos. O jogo não tem regras que se precise conhecer de antemão. As interseções de cenas não se fazem pela lógica dramática. A recepção da platéia não é induzida a identificar signos. Nunca Falei Que Seria Fácil se localiza para além dessas negativas, e se afirma como consequência de integridade criativa que propõe uma dramaturgia viva, revitalizada, que incorpora a participação do espectador como personagem atuante desta lúdica exposição de flashes de vida. Casais em desavença, crianças que não querem abandonar a chupeta, adultos indiferentes ao medo infantil, solidão como estado de beligerância com o mundo, sentimentos exibidos em painel de ternas observações sobre a rotina dos afetos. Aparentemente desarrumadas, como as vivências do cotidiano, revivem-se impressões emocionais que deixam em cena um rastro de cumplicidade. Capturar, de que maneira for, esses fragmentos de episódios afetivos, é o que o autor, co-diretor e ator Felipe Rocha lança a quem assiste a essa pequena jornada, que como se anuncia, não é fácil. Na ciranda de situações, surgidas num momento, retomadas, ou não, mais adiante, fala-se linguagem franca em ágil diálogo, e se rabisca a narrativa como um puzzle que se deixa manipular como sugestão para armar um desenho pessoal. No trio – Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabelo – não há protagonismos, que fica por conta da dinâmica e fluência com que Alex Cassal, o outro diretor, imprime ao conjunto. Os intérpretes, plenamente integrados ao processo de elaboração cênica do texto, se transformam em prolongamentos da pulsação e vigor teatrais da escrita articulada para ser comparsa da expressão do ator.
Crítica/ Duas Histórias
Alex Cassal: linha de montagem do tempo adulto |
A dupla da Foguetes Maravilha encena Duas Histórias, a partir de narrativas retiradas de Um Conto Nefando?, de Sérgio Sant’Anna e do texto original de Alex Cassal, Alcubierre, que dá titulo à sua interpretação na segunda parte desta fabulação geminada. Felipe Rocha em Uma História Nefanda? percorre o embate interior de um jovem em final de adolescência que realiza um desejo interdito com a mãe. A voz desta mãe ecoa a ressonância deste ato no cotidiano que, talvez, deva seguir em sua rotina. Quase uma leitura dramatizada, com o palco nu, sem qualquer cenografia, o ator já está em cena quando chegam os espectadores. Fala com um, cumprimenta outro, faz exibição de suas habilidades no skate, e arruma os poucos adereços (fita crepe e caneta) junto a caixa de som, os únicos elementos no palco. De forma suave, numa enunciação sem carga dramática, descritivo, Felipe avança na narrativa, com pausas que insinuam clímaxes nunca atingidos, e suspensões da fala, preenchidas por movimentos nervosos, coreográficos, violentos, que emprestam força à suavidade intencional como se projeta a palavra.
Alex Cassal em Alcubierre adota um humor de contornos algo cruéis. Biográfica, a descrição do garoto de 12 anos, solitário, que vive com a mãe enfermeira, a irmã menininha e “o irmão morto”, e que revive a construção do universo adolescente, marcado pela cultura pop dos anos 80, adquire toques melancólicos. Sem saudosismo, no espírito das vivências formadoras, com alguma carga impiedosa sobre si mesmo, Alex transmite esse mundo pós-infantil como a linha de montagem do tempo adulto. Manuseando elementos cenográficos, que retiram de fotografias, capas de LPs e de livros, legendas e ilustrações para figurar evocações, o intérprete é conduzido pela diretora Clara Kutner por esses desvãos das lembranças. Mantém o tom afetuosamente ácido de sentimentos que se avizinham do patético, como o mundo infantil, dos heróis de Guerra nas Estrelas, das tentativas amorosas de chegar ao outro, de mudar de cidade, de ser ator.
Crítica/ Ele Precisa Começar
Felipe Rocha: intérprete de suas dúvidas |
Nada mais honesto do que o título desta performance-espetáculo-show de Felipe Rocha. Como o personagem que se confunde com a própria maneira como conta e inventa sua história, e na qual a forma, o teatro, a platéia, e até o cafezinho servido antes do espetáculo fazem parte do show, Felipe é o ator de suas dúvidas. O que fazer, como escrever, como encenar, o que mudar, aonde chegar? Todas essas perguntas são a razão deste Ele Precisa Começar, em que o impulso de se medir em cena é levado ao paroxismo de criticar seus métodos e de experimentar se questionar. Ao brincar com a narrativa e construir possibilidades de exploração da dúvida, Felipe nega os meios de fazê-lo e antecipa, com alguma impiedade, as ponderações sobre suas idéias e a análise de suas intenções. O que diz e encena demonstra a consciência dos limites e das "precariedades", mas o que ressalta é a vontade de se avaliar, de verificar a extensão das possibilidades, de romper com a imobilidade e tentar começar. Após assistir a essa ingênua, às vezes, provocante, eventualmente, sincera, quase sempre, exposição de busca de sentido para a cena, fica a certeza de que Felipe Rocha precisa, deve e vai continuar.
Cenas Curtas
A dramaturgia carioca está em um momento florescente, com novos autores chegando aos palcos com sopro forte de renovação e de propostas bastante interessantes. E, em alguns casos, até corajosamente provocativas. Desde o início dos anos 2000, quando Roberto Alvim organizou mostra de novos autores, aglutinando nomes que hoje se mostram em plena processo de investigação de suas possibilidades dramatúrgicas, que se amplia a tendência. O que mais se destaca neste “movimento espontâneo” de ocupação de área de criação que andava morna e um tanto referenciada a gerações anteriores, é que o “mercado” está absorvendo essa produção com inegável aceitação. Felipe Rocha é um indício desta acolhimento, como aconteceu com Daniela Pereira de Carvalho, Rodrigo Nogueira, Pedro Brício, Walter Daguerre e Renata Mizrahi, que o experimentam crescentemente. Jô Bilac, o mais encenado e premiado, autor do incensado Rebu, está com quatro de seus textos em cartaz, no Rio e São Paulo: Limpe Todo o Sangue Antes Que Manche o Carpete, Savana Glacial, A Dona do Fusca Laranja e Escandaloso Desejo de Amar.
O Centro Cultural Banco do Brasil Brasília lança quarto autores inéditos de diferentes estados, que estão sendo apresentados no seu teatro na capital do país. Sob o título geral de Nova Dramaturgia Brasileira, de 11 de maio a 5 de junho, poderão ser conhecidos os textos de André de Leones (Goiás), Concerto Para Quatro Vozes E Alguma Memória, de Xico Sá (Pernambuco), A Mulher Revoltada, de Joca Reiners Terron (Mato Grosso), Cedo ou Tarde Tudo Morre, e de João Paulo Cuenca (Rio de Janeiro), Terror. O projeto convidou cada um desses autores a escrever, e um das idéias é a de que fossem de regiões diferentes para que, deste modo, refletissem aspectos diversos da produção dramatúrgica nacional. Os diretores de cada um dos espetáculos também são de estados diferentes: Fernando Yamamoto (Rio Grande do Norte), Haroldo Rego (Rio de Janeiro-Paraíba), Pedro Brício (Rio de Janeiro) e Cristina Moura (Brasilia).
O site Drama Diário, em seu quarto ano e em nova temporada, traz proposta de escrita teatral com Dramaturgia em Série. Sete autores – Renata Mizrahi, Camillo Pellegrini, Leandro Muniz, Carla Faour, Rodrigo de Roure, Henrique Tavares e Felipe Barenco – escrevem narrativa à qual, cada um dá continuidade em um dia da semana. Ao final da semana, surge um capítulo, que poderá resultar em roteiro para cinema, seriado de televisão ou peça teatral. O Drama Diário, um modo de integrar a internet à produção de textos teatrais, também pode ser consultado como banco de peças, e de equalizar a criação de dramaturgia em tempo quase real e com recursos da mídia digital. O endereço do Drama Diário é www.dramadiario.com.
Estréia no dia 11 no Espaço Sesc a segunda versão do projeto Autopeças, que na anterior, há dois anos, levou à cena montagens com direção dos componentes da Cia. Dos Atores. Se na primeira edição, os atores como encenadores é que eram a novidade, agora são os autores que se impõem no palco. Com o título de Autopeças – Peças de Encaixar, seis textos incompletos são “encaixados” durante a encenação. Dirigido por Céasr Augusto e Susana Ribeiro, a montagem é resultado de oficina de dramaturgia realizada pela Cia., que reuniu autores, diretores, atores, diretores e técnicos, em textos que no palco ganharam contornos variados. Uns mais teatrais, outros mais musicais e visuais, mas todos inéditos. Foram escolhidos: Papo de mineiro, de Suzana Nascimento e Raquel Alvarenga; Tem um Fantasma Atrás de Mim, de Suzana Nascimento; Marcel e Marceau, de Diogo Liberano e Tatu, de Monica Sólon. João Rodrigo Ostrower assina Primeiro Eu, e Alexandre Pinheiro Aquilo que Fica. Ponto de Escuta tem autoria de Alexandre Rudáh, e José Caminha e BIZIU: Eu Quase te Amei de Verdade de José Caminha.
Nelson Rodrigues, o mais importante dramaturgo do moderno teatro brasileiro ganhou edição especial da revista Folhetim no seu 29° número. Editada por Fátima Saadi, reúne ensaios sobre a obra teatral rodriguiana com a assinatura de Ângela Leite Lopes, Edélcio Mostaço, Sílvia Fernandes, Antonio Guedes, entre outros, e publica ainda dossiê de críticas na imprensa, de autoria de Paulo Francis, Sábato Magaldi, Décio de Almeida Prado, Yan Michalski, que analisam as peças do autor de A Falecida. Destaca-se também a entrevista com Antunes Filho, diretor de uma das mais poderosas encenações dos textos de Nelson. Antunes fala da integração do conceito de arquétipos que utilizou na montagem de O Eterno Retorno: “ O arquétipo só surge numa hora de desespero. Acho que o homem brasileiro vive desesperado. O heroico brasileiro é o desespero. As personagens de Nelson Rodrigues estão, de certa maneira, em situações-limite. Elas tentam escapar desse sufoco e, quando pensam que vão ser libertadas, se afundam, se enterram ainda mais. Esse é o desespero, a tragédia, das personagens do Nelson.
macksenr@gamil.com