quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Temporada 2019


Crítica/ "Cálculo Ilógico"
Jéssicca Menkel: inventário de uma dor

Uma equação matemática, por suas próprias leis, é capaz de resolver problemas que ela mesma se propõe como condutora da solução. Na experiência humana, as incógnitas são outras, e os números (vivências) desconhecidos e bem mais difíceis de decifrar. O cálculo ilógico, que a autora e atriz Jéssica Menkel estabelece entre experiência de perda e a exatidão da quantificação numérica, é projetado com simetria emocional e dosimetria dramática em monólogo, com direção de Daniela Herz, em cena no Teatro Poeira. O fato real, que inspirou Jéssica a escrever e interpretar conflitantes  sentimentos, remonta aos seus dez anos, quando o irmão foi atropelado e morto por ônibus que avançou o sinal. O abalo afetivo, que se desdobra na permanência do luto, atinge a geometria familiar, antes um desenho com quatro vértices, depois da violência da morte, a dor pontiaguda de um triângulo escaleno. As correlações da soma que acumula o tempo, sem que diminua o esquecimento, totalizam o teorema que se demonstra sem lógica. Na procura da fórmula que elimine a variável incontornável da subtração, recorre-se até a valores desconhecidos (Senhor Superior Positivo Neutro). O resultado, se concretiza em dor e luto, sinais multiplicados. O texto, gerado pelo que a tragédia provocou na autora, interpõe códigos de ciência exata à exposição das fraturas daquilo que se permite como o depois. Não há qualquer autopiedade ou ilustração dramática, mas projeção sensibilizada e pessoal, traduzida em força emocional e técnica dramatúrgica. São estados descritos como movimentos interiores, em sincero depoimento de algo ainda inexplicável. A frontalidade do monólogo estabelece ligação direta com a plateia, na intermediação de diretor identificado com a emocionalidade das palavras e no domínio da forma cênica. Cenografia e figurino de Thanara Schonardie figuram em cubos a mobilidade da inação e na veste rota e na bicicleta retorcida, os fragmentos da assimetria. Como autora e intérprete de sua sobrevivência ao trágico, Jéssica Menkel transpõe os limites do depoimento e da autoficção para criar obra teatral: rigorosa e sensível.