Duas
encenações ocupam os teatros do Centro Cultural Banco do Brasil: “Por que Não
Vivemos?” (Teatro I) e “A Ponte” (Teatro II)
A pergunta que
a versão de Marcio Abreu propõe como título para “Platonov”, do russo Anton
Tchekhov, é ambiciosa e provocativa na sua incógnita. Sem a mesma dimensão dos
textos do “núcleo duro” da dramaturgia do autor russo (“A gaivota”, “As três
irmãs”, e “Tio Vânia”), a peça de juventude sugere o melodrama agreste em que
se debruçaria sobre a melancolia de emoções provincianas das suas obras
posteriores. Mas já apreende os desejos adiados e o tédio impenetrável de uma
pequena humanidade, que desaguam em determinismos trágicos e ambientação
sufocante. Não há lugar possível para se viver, apenas escaninhos que acomodam,
mal, frustrações e perda das vontades, em cenário de natureza prestes a ser
abatida e de temores calados pelas incertezas sociais Quadro exposto de arestas
e pontos de atrito, que arranham sentimentos voláteis, inexplicáveis a cada
tentativa de justificá-los, e que ganham realidade na incompreensão das
atitudes. Neste texto, alinhavo de um universo imobilista, o desenho está traçado, ainda que
com tintura borrada, anunciando densa ação “interior”, mesmo que em traços
irregulares. Marcio Abreu deixa em plano secundário, na sua encenação exaltada,
o que do autor em construção é potencialidade e da dramaturgia futura, sutileza.
Aparentemente, não se trata de procurar rupturas ou revisões cênicas, mas de exteriorizar,
quase na superfície do gesto e na sobreexposição da fala, aquilo que poderia
ser tratado como tensionamento e atitude. Tudo se transforma em figuração. O
tédio é marcado pelo som de uma bolinha de pingue-pongue na raquete. A
vegetação envolvente de um almoço ao ar livre no verão, é alegoricamente
demonstrada em sucessivas trocas de vasos de plantas tropicais, com os personagens
vestindo caricatas roupas e acessórios de praia. A conformação do Teatro I se
modifica para que os atores invadam a plateia, pulando entre os espectadores,
ou para utilizar o hall do CCBB para cenas ocultas. A movimentação excessiva se
dilui no segundo ato, quando é transferida para o palco, com múltiplas projeções
e minimalismo esteticista. A encenação se anula em seus próprios termos construtivos.
A palavra sonorizada pela exclamação, o gesto sustentado pela ativação e os intérpretes
nivelados pelo desempenho físico, redundam em drama, que, pelos sinais trocados
pelo diretor, não seriam sua proposta. Está na pergunta do título, a real da
dramática techcoviana. A Companhia
Brasileira de Teatro não encena a dúvida: apaga a contraluz, grita o silêncio, preenche
a pausa, e esquece da jornada pelas respostas.
Daniel
MacIvor, o autor canadense de “A Ponte”, que o público carioca conheceu através
de outros de seus textos, especialmente “In on It”, o melhor deles, constrói
sua dramaturgia como arquitetura narrativa. MacIvor estabelece jogo entre
ficção e realidade, em que a trama (ação) surge como sujeito ausente, material
sobre o qual os personagens se revelam em contornos fragmentados. Em “A Ponte”,
o registro se inverte na opção, sem disfarces, pelo realismo psicológico com
pitadas de seriado de televisão. Três irmãs – fracassada postulante a atriz,
religiosa refugiada na fé, e jovem de comportamento fronteiriço – reúnem-se na
cozinha da casa da mãe em estado terminal. Cada uma delas, expõe o passado de
amores frustrados, filhos abandonados e sexualidade reprimida, através de
monólogos que introduzem suas lembranças e conflitos. O elo de ligação é a
memória de viagem da infância, (que justifica o título), revisitada nos
diálogos alongados. Mas há que sustentar a carga dramática para equilibrar, com
quebras narrativas cirúrgicas, a certeza de recepção sentimental. Peça de
atrizes, gestada como oportunidade para intérpretes de idades definidas e
experiências comuns, tem estrutura programada para alcançar efeitos e atender a
convenções. O diretor Adriano Guimarães demonstra avaliar o texto com convicção
de suas fragilidades e relativa rejeição aos seus atributos de estilo. A
cenografia, monocromaticamente vermelha nos utensílios de cozinha, tenta ser
conceitual, mas não consegue fugir à concretude da mesa central e ao destaque
do crucifixo de neon. Aquilo que se pretendia distanciamento do realismo (televisor
projetando as rubricas), parece apenas degastado recurso artesanal. As atrizes
– Bel Kowarick, Debora Lamm e Maria Flor – cumprem com atuações disciplinadas a
triangulação das irmãs, em contracena impessoal.