sábado, 27 de julho de 2019

Temporada 2019

Duas encenações ocupam os teatros do Centro Cultural Banco do Brasil: “Por que Não Vivemos?” (Teatro I) e “A Ponte” (Teatro II)
 
Estética sem respostas
A pergunta que a versão de Marcio Abreu propõe como título para “Platonov”, do russo Anton Tchekhov, é ambiciosa e provocativa na sua incógnita. Sem a mesma dimensão dos textos do “núcleo duro” da dramaturgia do autor russo (“A gaivota”, “As três irmãs”, e “Tio Vânia”), a peça de juventude sugere o melodrama agreste em que se debruçaria sobre a melancolia de emoções provincianas das suas obras posteriores. Mas já apreende os desejos adiados e o tédio impenetrável de uma pequena humanidade, que desaguam em determinismos trágicos e ambientação sufocante. Não há lugar possível para se viver, apenas escaninhos que acomodam, mal, frustrações e perda das vontades, em cenário de natureza prestes a ser abatida e de temores calados pelas incertezas sociais Quadro exposto de arestas e pontos de atrito, que arranham sentimentos voláteis, inexplicáveis a cada tentativa de justificá-los, e que ganham realidade na incompreensão das atitudes. Neste texto, alinhavo de um universo  imobilista, o desenho está traçado, ainda que com tintura borrada, anunciando densa ação “interior”, mesmo que em traços irregulares. Marcio Abreu deixa em plano secundário, na sua encenação exaltada, o que do autor em construção é potencialidade e da dramaturgia futura, sutileza. Aparentemente, não se trata de procurar rupturas ou revisões cênicas, mas de exteriorizar, quase na superfície do gesto e na sobreexposição da fala, aquilo que poderia ser tratado como tensionamento e atitude. Tudo se transforma em figuração. O tédio é marcado pelo som de uma bolinha de pingue-pongue na raquete. A vegetação envolvente de um almoço ao ar livre no verão, é alegoricamente demonstrada em sucessivas trocas de vasos de plantas tropicais, com os personagens vestindo caricatas roupas e acessórios de praia. A conformação do Teatro I se modifica para que os atores invadam a plateia, pulando entre os espectadores, ou para utilizar o hall do CCBB para cenas ocultas. A movimentação excessiva se dilui no segundo ato, quando é transferida para o palco, com múltiplas projeções e minimalismo esteticista. A encenação se anula em seus próprios termos construtivos. A palavra sonorizada pela exclamação, o gesto sustentado pela ativação e os intérpretes nivelados pelo desempenho físico, redundam em drama, que, pelos sinais trocados pelo diretor, não seriam sua proposta. Está na pergunta do título, a real da dramática techcoviana.  A Companhia Brasileira de Teatro não encena a dúvida: apaga a contraluz, grita o silêncio, preenche a pausa, e esquece da jornada pelas respostas.
 
Dúvidas sem perguntas
Daniel MacIvor, o autor canadense de “A Ponte”, que o público carioca conheceu através de outros de seus textos, especialmente “In on It”, o melhor deles, constrói sua dramaturgia como arquitetura narrativa. MacIvor estabelece jogo entre ficção e realidade, em que a trama (ação) surge como sujeito ausente, material sobre o qual os personagens se revelam em contornos fragmentados. Em “A Ponte”, o registro se inverte na opção, sem disfarces, pelo realismo psicológico com pitadas de seriado de televisão. Três irmãs – fracassada postulante a atriz, religiosa refugiada na fé, e jovem de comportamento fronteiriço – reúnem-se na cozinha da casa da mãe em estado terminal. Cada uma delas, expõe o passado de amores frustrados, filhos abandonados e sexualidade reprimida, através de monólogos que introduzem suas lembranças e conflitos. O elo de ligação é a memória de viagem da infância, (que justifica o título), revisitada nos diálogos alongados. Mas há que sustentar a carga dramática para equilibrar, com quebras narrativas cirúrgicas, a certeza de recepção sentimental. Peça de atrizes, gestada como oportunidade para intérpretes de idades definidas e experiências comuns, tem estrutura programada para alcançar efeitos e atender a convenções. O diretor Adriano Guimarães demonstra avaliar o texto com convicção de suas fragilidades e relativa rejeição aos seus atributos de estilo. A cenografia, monocromaticamente vermelha nos utensílios de cozinha, tenta ser conceitual, mas não consegue fugir à concretude da mesa central e ao destaque do crucifixo de neon. Aquilo que se pretendia distanciamento do realismo (televisor projetando as rubricas), parece apenas degastado recurso artesanal. As atrizes – Bel Kowarick, Debora Lamm e Maria Flor – cumprem com atuações disciplinadas a triangulação das irmãs, em contracena impessoal.