sábado, 24 de agosto de 2013

30ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ O Submarino
Códigos de casal numa maratona de atritos
Na década de 80, a dupla Maria Carmen Barbosa e Miguel Falabella investia no relacionamento de casal com um pé na comédia de costumes e outro na piada de esquete. O Submarino, que em nova montagem, assinada por Vitor   Garcia Peralta está em cartaz no Teatro das Artes, é um exemplar acabado desse produto tão em voga na época, e que atualmente foi substituído pelos monólogos femininos sobre crises no casamento e incompreensão dos homens em relação às mulheres. Nas observações sobre idas e vindas da convivência, casal submerge na contradição de não saber viver separado, e muito menos conviver a dois. Com diálogos ágeis que acompanham a maratona de atritos, dosados com piadinhas sobre as desgastadas escaramuças que fazem parte dos códigos matrimoniais, a narrativa sobrevive com pouco mais do que esse humor dèjá vu. É possível que o texto possa interessar a casais que decidam ir ao teatro para assistir a arrufos como estímulos a passatempo que, eventualmente, ajude a compartilhar situações que lhes pareçam identificáveis. Para pouco mais deste ameno convite, a montagem reafirma a vocação do diretor argentino para o gênero. Arrumando a cena com doméstico cuidado, Peralta acompanha com igual agilidade os diálogos, que superam as situações circunstanciais que são apenas pretextos para comentários engraçadinhos sobre desavenças. O cenário de Miguel Pinto Guimarães, manipulado pelos atores para criar vários ambientes, funciona como acessório dinâmico. Luciana Braga assume a personagem com alguma malícia e certa ingenuidade. Marcus Melhem não se livra, inteiramente, se sua comicidade expansiva.           

Crítica/ Caixa de Phosphorus
Dupla desenrola novelo de poucos fios
Por coincidência, no mesmo Teatro das Artes e em horário diverso, essa narrativa de Renata Mizrahi se aproxima, com a diferença de três décadas, de O Submarino. Lá estão o mesmo casal, agora bem mais jovem, as mesmas idas e vindas no relacionamento e diálogos movidos ao balanço das hesitações. A autora demonstra pulso na condução de situações contínuas, apoiadas por falas nervosas, mas  que desenrolam novelo de poucos fios. Mizrahi não traz qualquer novidade sobre como os mais jovens estão a viver novas relações afetivas. Restringe-se a ser um tanto mais intensa na linguagem, e não na forma de abordar a tênue trama. O título corresponde à melhor brincadeira que o texto propõe, e a intensidade que ganha no palco se deve à direção de Susana Kruger. A montagem se mantém num ritmo regular, sem cair em quebras de interesse, em parte pela interpretação movimentada do elenco, que a cada gesto e na manipulação da cenografia, procura efeitos de comicidade. Os atores – Ivan Mendes e Daniela Carvalho, ele com mais acabamento do que ela – traduzem as propostas ligeiras e descompromissadas que estimulam a relativa empatia do casalzinho.       

Crítica/ Sexo, Drogas e Rock’n’Roll
Monólogo à procura de conciliar expectativas
Victor Garcia Peralta, diretor deste monólogo do americano Eric Bogosian, em cartaz no Teatro Leblon, é especialmente sensível a conduzir um único ator no palco, a julgar pela constância com que é solicitado para encenar tantos espetáculos do gênero. Na maioria, com atrizes, mas desta vez com o ator Bruno Mazzeo e com texto estrangeiro. Ao lado de Bruno, Peralta fez a adaptação dos seis esquetes do original, procurando abrasileirar as alfinetadas que o autor distribui para o sexo, drogas e outros estímulos que se podem resumir como rock’n’roll. Uns mais, outros menos, os esquetes retratam com sensibilidade alguns aspectos da existência contemporânea. A versão local tende a transformar a atmosfera crítica em comentário de humor, que pode se associar à comicidade do stand up. E é exatamente o que o público, que em apenas duas sessões por semana e no tardio horário das 23h, espera encontrar. Ainda que o texto possa provocar alguma estranheza na plateia, Mazzeo faz com que se alinhem numa mesma sintonia, ator e espectador, pela maneira habilidosa como encampa a expectativa. Se no prólogo, surge um intérprete mais intenso, ao longo do espetáculo, Bruno Mazzeo tipifica os personagens, esvaziando a carga crítica do que dizem. Nessa escalada de tipos, o ator deixa escapar o pretendido libelo e o clímax que imagina-se ser a função do último esquete. Nesta cena, é indisfarçável, pela surpresa e a frieza da resposta, a frustração da plateia.     
  
Crítica/ E Foram Felizes para Sempre
Radiografia sem contraste de interminável discussão
As queixas femininas sobre os desenganos com os homens e a disfunção afetiva provocada pelo acúmulo de desencontros é, uma vez mais, levado ao palco como radiografia de interminável discussão. Com texto e interpretação de Heloisa Perissé e direção de Susana Garcia, em cartaz no Teatro Vanucci,  E Foram Felizes para Sempre explora, como monólogo, o batido tema sem pretender ultrapassar clichês e convenções de velhos e recentes congêneres inspiradores. Pelo contrário, aposta em reforçá-los. Sob o pretexto de conferência no lançamento de seu livro, um guia para vida a dois, a escritora desfia as crises que viveu com o marido, revelando os fracassos sentimentais, expondo o que perdeu pelo caminho até a penúria atual dos sentimentos. Nada além do que já se viu, ouviu e comentou. Ao repassar de modo tão repetitivo as várias referências, a autora parece ter se inspirada na atriz, imaginando-a a interpretar múltiplos tipos que se adaptam ao seu temperamento cômico. Seguem-se, então, psicanalistas alteradas, familiares bizarros e escritoras sinceras, todas figuras surgidas na medida de Heloisa Perissé, a intérprete ideal da autora Heloisa Perissé.
                                                               macksenr@gmail.com    

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

29ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ A Porta da Frente
Relações familiares confrontadas por vizinho  
Julia Spadaccini, autora deste texto em cartaz no Oi Futuro do Flamengo, está atualmente com outras duas peças em cena e nos últimos anos tem conseguido encenar sua intensa produção dramatúrgica. Em pouco mais de uma década, Spadaccini estabeleceu seu universo autoral numa constante e crescente afinação de meios e de ampliação de alcance de sua linguagem. A Porta da Frente confirma esse avanço expressivo e a tendência de fazer das relações familiares, material de desvendamento e exposição de conflitos. O dissonante casal - ele, medíocre corretor de imóveis, ela, neurótica dona de casa -, os desajustado filhos gêmeos - ela, obcecada pela aparência, ele, tentando entender-se num mundo que não se sente aceito -, são confrontados com a presença de vizinho crossdresser. A figura masculina vestida de feminino provoca reações em cada um, que interpreta com sentimentos de estranhamento e preconceito aquele que não consegue decifrar. À bisbilhotice seguem-se incompreensões e avaliações equivocadas que conduzem a ato definitivo. A narrativa se estabelece sobre situação desenvolvida sem tropeços, apoiada por diálogos com veracidade social, mas deixa a dúvida sobre os traços desse núcleo. Há uma certa esquematização na trama e caracterização aligeirada dos personagens. A dupla de diretores – Jorge Caetano e Marco André Nunes – mantém a montagem em ativo movimento, aproveitando os aspectos mais ágeis do texto. Os diretores valorizam o entrecho e suas pistas desviantes (ambiguidades e enganosas antecipações) até o final nada surpreendente. O cenário de Aurora dos Campos ocupa com eficiência o pequeno palco. O figurino de Rui Cortez sublinha com exagero as excentricidades da avó. Nina Reis e Felipe Haiut se amoldam a figurar os gêmeos. Maria Esmeralda Forte ressalta o ar de ausência da velha senhora. Rogério Freitas encarna com naturalismo o pai. Malu Valle é uma mãe de voltagem neurótica. Jorge Caetano interpreta com refinada sutileza o vizinho.   

 Crítica/ Síndrome de Chimpanzé
Filme B em plataforma espacial sem tecnologia
Confrontar-se com o texto de Alex Cassal, em cartaz no Espaço Sergio Porto, é verificar como o que pode apontar interessantes possibilidades, se esvai, facilmente, pelos diversos caminhos experimentados. Não se trata de discutir apenas o resultado, mas o percurso que parece ter se iniciado em uma direção, e que ao longo do andar enredou-se, perdida, por atalhos. Astronautas russos, solitários numa plataforma espacial, assistem ao fim da vida terrestre, monitorados por computador grande irmão, despregados da origem, reproduzindo relações que trouxeram na nave nesta viagem sem volta. Pretende-se com esse fio narrativo, pousar em espaços tão abrangentes quanto a sexualidade, a finitude, a ausência de perspectivas, a incerteza de continuidade, e algumas outras variáveis de risco da vida contemporânea. É bastante ambição para uma série de cenas que evoluem quase arbitrariamente, se desconectando como integridade narrativa, aparentemente sem que esta tenha sido a intenção. Cada cena ganha independência, isoladas e exibicionistas, perseguindo efeitos. Na origem da Síndrome de Chimpanzé estão a ingenuidade de histórias de quadrinhos para adolescentes de outras décadas e ficção científica dos antigos filmes b do gênero. Há a precariedade nestas inspirações que a montagem não aproveita como meio para encorpar a encenação. Reforça a brincadeira, ao contrário de assumir tom crítico em relação a esses meios, enfatizando somente os contornos um tanto kitsch. A cenografia artesanal acentua ainda mais as muitas precariedades da montagem. E não se compreende  a razão pela qual a tecnologia não é utilizada, já que poderia ser um acessório para comentar a inspiradora linguagem científica-ficcional. Os atores Felipe Rocha e Ricardo Linhares fazem demonstração de suas habilidades físicas em atuações performáticas. Stella Rabello se desprega da performance, mas não sustenta com atuação mais contida a cena que encerra, fragilmente, a montagem.           
                                                         macksenr@gmail.com

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

28ª Semana da Termporada 2013


Questões de Autoria

Crítica/ Maravilhoso
A cidade e o carnaval para reacender indignações 
Diogo Liberano, autor desse texto em cartaz no Teatro Glaucio Gill, escreveu Sinfonia Sonho, sua peça anterior, baseada nas mesmas premissas de Maravilhoso. Em Sinfonia, um fato real (invasão e morte em escola no subúrbio do Rio) estabelecia interligação do individual ao coletivo com uma poética dramática que criava verdadeira dramaturgia. Em Maravilhoso, o mecanismo já não funciona com tanta veracidade. O personagem é a cidade e suas fraturas sociais, representadas por bicheiro, desempregado, jornalista de caráter duvidoso, patricinha e evangélica, que circulam em torno de desfile das escolas de samba. Os subterrâneos e mazelas nada maravilhosos de uma cidade dita maravilhosa contrastam apenas pela ironia na exploração dúbia do adjetivo. Liberano, mesmo sustentado diálogo ágil e intentando referência, ainda que imperceptível de clássico, constrói dicotomias e maniqueísmos de quadro sócio-político, deixando em plano secundário a possibilidade de fugir ao esquematismo que move a ação individual dos personagens. Sem atingir cada um deles como seres sociais e sem caracterizá-los como alguma autonomia individual, tornam-se figuras que representam mais categorias do que pessoalidades. A diretora Inez Viana até individualiza os personagens, mas pelo viés da caricatura. Seja por composição corporal acentuada (os movimentos sincopados no andar de Debora Lamm), pela expansão gestual e maneirismos (no bicheiro descontrolado de Marcio Machado), pela dificuldade de caracterizar personagens (a religiosidade de Carolina Pismel e a contradição do jornalista de Felipe Abib) e pela cena do filho no enterro da mãe (Paulo Verlings não consegue amenizar a pieguice), a diretora acaba reiterando o que já se revela nas imprecisões da escrita. A impressão é a de que Liberano reescreveu, inspirado por algumas das peças da década de 70 que procuravam acender indignações, requentando manifestações da cultura popular.

Crítica/ O Controlador de Tráfego Aéreo
Biografia com muitas vozes
O título informa na sua simplicidade o essencial do que se assiste no Teatro Serrador. Não há necessidade de se conhecer, previamente, a história de Silvano Monteiro, que divide a cena com outros sete atores e 30 espectadores, sentados em círculo no palco à volta de uma mesa. A profissão de Monteiro, fica-se a saber pelo título e pelos desdobramentos da sua vida, que surgem, redimensionados por empréstimos de fragmentos de textos, cuidadosamente, selecionados. O que se propõe e que se transforma em vitalizada experiência de dramaturgia cênica é a criação de espaço expressivo no qual se estabelecem vozes múltiplas que ampliam a biografia deflagradora. Na trilha em que o diretor Moacir Chaves desenvolve suas montagens, O Controlador de Tráfego Aéreo se modela sobre iguais premissas, como a leitura de documentos que dramatizam a cena, sendo ela mesma construída sobre o desvendamento que a realidade administrativa do papel pode provocar com sua frigidez burocrática. Neste caso, pareceres médicos e jurídicos são apresentados na sua própria linguagem, e como tal interpretados, contrastando com as realidades da existência. É neste espaço, no interregno entre o documento e o ato, que a cena de Chaves se integra. O diretor-autor recorre a trechos de outras peças, dramáticas, trágicas, ficcionais, filosóficas, para compor a circularidade das palavras que acompanha a formação física da plateia. Nos fragmentos irônicos de utopias e crônicas sociais, da crueza de males variados e do niilismo machadiano, emerge o fio que tece a envolvência e estende a narração para além da história individual. A excelente iluminação de Aurélio de Simone, o sintonizado elenco (Silvano Monteiro, Danielle Martins de Farias, Fernando Lopes Lima, Kassandra Speltri, Leonardo Hinckel, Luisa Pitta e Rafael Mannheimer), a segura dramaturgia e encenação de Moacir Chaves confirmam as bases sobre os quais o diretor fixa, com crescente autoridade autoral, sua marca como encenador.      

Crítica/ Cucaracha
Destino onírico de que nem as baratas escapam
Jô Bilac, que assina este texto em cartaz no Teatro Glaucio Gill, é um dos mais prolíficos autores da nova dramaturgia carioca, produzindo peças em série, abordando universos tão diversos quanto obsessões rodriguianas, filmes noir e derivativos da cultura pop. Nem sempre a dispersão temática se traduz em peças que revelem idéias, reduzidas e esvaziadas na superficialidade pelo que não se tem a dizer e na precariedade técnica de como fazê-lo. Cucaracha permite desvendar rumo mais consistente na trajetória dramatúrgica de Bilac, em especial por conduzir a narrativa, despregando-se do uso de algum gênero em favor de original jogo dramático. Paciente em coma e enfermeira dialogam ou monologam - a percepção de uma e outra forma é a razão do entrecho - num plano entre realidade e inconsciência, em que se projetam possibilidades de liberdade. A relação entre elas se nutre da subjetividade de cada uma, rebatida pela concretude do que surge da angústia de ambas e que se expressa num espaço onírico e escapista. O diretor Vinicius Arneiro compõe imaginário cênico para o percurso das personagens que as conduzem à inevitabilidade do destino do qual nem mesmo as baratas podem escapar. Arneiro desenha esse arco de sentimentos numa montagem que, de início, parece asséptica, mas que em movimentos sutis e ambiente de estranhamento se adensa, convergindo para exposição delicada da misteriosa consciência de existir. Carolina Pismel e Júlia Marini têm interpretações de alta voltagem, capazes de transmitir de maneira poética as imponderáveis engrenagens do sonho ou pesadelo. O cenário de Aurora dos Campos na quebra do branco hospitalar se integra à cor em degradé do figurino de Thanara Schonardie, aliados à iluminação de Paulo César Medeiros e à música de Daniel Belquer valorizando montagem competente e o melhor texto do autor.    

Crítica/ Nem Mesmo Todo o Oceano
Tradução física da violência da repressão
Ao entrar no Espaço Sesc, o publico já encontra os atores na arena, jogando bola num esquentamento que sugere um qualquer esporte sem disputa. A movimentação dos atores se prolonga como prólogo à adaptação de Inez Viana para o romance de Alcione Araújo, preestabecendo as características de coringa-jogral para o estilo da encenação. Os seis atores – Leonardo Brício, Iano Salomão, Jefferson Schroeder, Junior Dantas, Luis Antonio Fortes e Zé Wendell – se revezam na dezena de papéis, formando coletivo interpretativo que transfere, de um a outro, a bola da atuação. O tom se distende num coral de vozes e coreografia de ações, rebatendo a narrativa sobre a ditadura militar em maratona de quadros rápidos e corrida por desenho grupal. A opção da diretora, ao mesmo tempo em que dá agilidade à encenação, por outro lado retira-lhe o enfrentamento mais vertical do que está proposto no romance. O rapaz do interior que vem para o Rio cursar medicina e se enreda em contradições diante daquilo que a situação repressora e violenta o sujeita, se perde numa tradução física. A adaptação também não evita o excesso de informação sobre o periodo que o romance caudaloso derrama em quase 800 páginas. A historicidade asfixia a concentração na figura central, que é afogada pelo quadro dos acontecimentos e tendo comportamento algo mecaniscista frente à sua ausência de ideologia. E há ainda a previsibildade da trama, em que encontros são antevistos e o desfecho facilmente antecipável. A cenografia despida de Flávio Souza cria projeções circulares na arena com bom efeito visual.   

                                                macksenr@gmail.com                                                                                   

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

27ª Semana da Temporada 2013


Musicais em Vários Formatos

Crítica/ Jim
Gestos mimentizados de clone existencial

Walter Daguerre, autor deste recital dramático sobre o cantor do The Doors em cartaz no Teatro Leblon, envolve a figura de Jim Morrison no clima rock'n'roll de sua curta e destemperada vida, projetando-o em personagem nascido no mesmo ano de sua morte. A identidade construída por esse clone existencial, que procura reviver a rebeldia do ídolo, recorrendo a citações de poetas cultuados por Jim, reproduz atitudes e revive semelhanças. Numa atmosfera em que se misturam tempos e biografias para encontrar as similitudes, Daguerre reforça a associação das duas figuras, forçando a extensão do temperamento radicalmente criador de Morrison à mediocridade do fã sem rebeldia e causa. A presença da personagem feminina se reduz a projeção sem filtros de uma vida em outra, acentuando o tom meramente biográfico que, ao que parece, foi o que o autor pretendeu ultrapassar. Paulo de Moraes amplia encenação para o show de rock e a exaltação musical, tratando as firulas existencialistas do texto como introdução à poesia e à intensidade das apresentações do cantor Morrison no palco. A iluminação de Maneco Quinderé é decisiva para essa atmosfera. A direção musical de Ricco Vianna e a banda também têm papel preponderante no desenho da imagem de show evocativo. Eriberto Leão mimetiza corporal e vocalmente a figura de Jim Morrison, desempenhando com intensa força as canções e a letras da atormentada e fugaz estrela pop.           

Crítica/ Forrobodó – Um Choro na Cidade
Ingenuidade matreira de fundo de quintal
A burleta de Carlos Bettencourt e Luiz Peixoto, com músicas de Chiquinha Gonzaga, direção de André Paes Leme, em cartaz no Teatro Ginástico, teve versão em 1995 assinada pelo mesmo encenador. Há 18 anos, a adaptação de Paes Leme insuflava agradável sopro de novidade à peça escrita em 1912, revisitando a ingenuidade matreira e a caricatura amável de participantes de um baile popular. Nesta montagem, o diretor ambienta a trama numa gafieira sem localizar em que momento, e sem evocar a época em que Forrobodó estreou. O figurino é a demonstração dessa atemporalidade. Mas ao experimentar postiça participação da plateia, convidando alguns espectadores ao palco, revela a própria desconfiança na linha adotada de trazer a narrativa para imprecisa roda de samba, chorinho e maxixe de fundo de quintal para a atualidade. O elenco nem sempre projeta bem as canções, não só por limitações vocais, como por interpretar de maneira muito empenhada as letras. O esforço quase sempre conduz os atores-cantores ao exagero. Com ressalvas para Marcos Sacramento, que se impõe pela ponderosa voz, e para Érico Brás, pela agilidade de dominar uma comicidade popular. Destaques da montagem: a direção musical de Maria Teresa Madeira e os arranjos de Leandro Braga.

Crítica/ Para Sempre, Abba
Hora da saudade para sessentões
É como show que esse musical em cartaz no Teatro Clara Nunes acaba por se realizar, apesar de tentar dramatizar coletânea de músicas do grupo Abba. O grupo sueco, que se popularizou na década de 70, é mais um fenômeno de vendas do que propriamente notável pela qualidade do repertório. Com suas músicas fáceis, letras pouco inspiradas e monotonia das composições– ao ouvi-las em conjunto, essas características se acentuam –, a transformação de canções inexpressivas em espetáculo não deixa de ser um desafio. Rodrigo Cirne, roteirista e pesquisador musical, apostou na lembrança daquela geração que comprou os discos do Abba e em alguns hits do conjunto para armar uma vaga imagem – hóspedes e empregados de um hotel – e quadros temáticos – apresentações e chegadas, flerte, paixão, decepção, celebração, etc – para ilustrar a sequência de músicas. Não há, propriamente enredo, mas entrecho visual, apoiado em exuberância e volume de figurinos. O diretor Tadeu Aguiar administrou o material disponível, procurando dar vida cênica às canções. Com coreografia convencional, direção musical que atende às exigências das composições e elenco de bons cantores, a montagem deve embalar a memória adolescente dos hoje sessentões.

Crítica/ Randevu do Avesso
Divertimento malicioso para além do tempo
A ideia é acondicionar a revista em invólucro atualizado. A estrutura explora o gênero, através de um fio de história em que, absurdamente, os personagens são os órgãos internos do corpo de um estrela do music hall. Em quadros cômicos e musicais, números de plateia e velhas piadas de duplo sentido, essa revista pelo avesso repete com reduzida inventividade e sem o vigor da recriação supostos exemplares da Praça Tiradentes e arredores. Por mais desencontrado que possa parecer esse revival de espírito e brilho apagados, a equipe demonstra empenho em se lançar na empreitada. O texto de Cláudia Mauro, desequilibrado, a música original de Claudio Lins, empenhada, o figurino de Claudio Tovar, farto, e o cenário de Nello Marrese,   sobrecarregado, mostram dissintonia com o gênero. Os atores, com maior ou menor capacidade para o canto, com mais ou menos, segurança para o improviso, desempenham seus tipos em várias cenas, a maioria um tanto alongadas, o que estende a duração da montagem para além do tempo desejado para um divertissiment malicioso. O caráter de revista de bolso não é suficiente para acomodar Randevu do Avesso ao espaço do Café Pequeno: o espetáculo extravasa os limites exíguos do teatro.
  
                                                      macksenr@gmail.com