Crítica/ A Porta
da Frente
Julia Spadaccini, autora deste texto em cartaz no
Oi Futuro do Flamengo, está atualmente com outras duas peças em cena e nos
últimos anos tem conseguido encenar sua intensa produção dramatúrgica. Em pouco
mais de uma década, Spadaccini estabeleceu seu universo autoral numa constante
e crescente afinação de meios e de ampliação de alcance de sua linguagem. A Porta da Frente confirma esse avanço
expressivo e a tendência de fazer das relações familiares, material de
desvendamento e exposição de conflitos. O dissonante casal - ele, medíocre
corretor de imóveis, ela, neurótica dona de casa -, os desajustado filhos
gêmeos - ela, obcecada pela aparência, ele, tentando entender-se num mundo que
não se sente aceito -, são confrontados com a presença de vizinho crossdresser. A figura masculina vestida
de feminino provoca reações em cada um, que interpreta com sentimentos de
estranhamento e preconceito aquele que não consegue decifrar. À bisbilhotice seguem-se
incompreensões e avaliações equivocadas que conduzem a ato definitivo. A
narrativa se estabelece sobre situação desenvolvida sem tropeços, apoiada por
diálogos com veracidade social, mas
deixa a dúvida sobre os traços desse núcleo. Há uma certa esquematização na
trama e caracterização aligeirada dos personagens. A dupla de diretores – Jorge
Caetano e Marco André Nunes – mantém a montagem em ativo movimento,
aproveitando os aspectos mais ágeis do texto. Os diretores valorizam o entrecho
e suas pistas desviantes (ambiguidades e enganosas antecipações) até o final
nada surpreendente. O cenário de Aurora dos Campos ocupa com eficiência o
pequeno palco. O figurino de Rui Cortez sublinha com exagero as excentricidades
da avó. Nina Reis e Felipe Haiut se amoldam a figurar os gêmeos. Maria Esmeralda
Forte ressalta o ar de ausência da velha
senhora. Rogério Freitas encarna com naturalismo o pai. Malu Valle é uma mãe de voltagem neurótica. Jorge Caetano
interpreta com refinada sutileza o vizinho.
Crítica/ Síndrome
de Chimpanzé
Confrontar-se
com o texto de Alex Cassal, em cartaz no Espaço Sergio Porto, é verificar como
o que pode apontar interessantes possibilidades, se esvai, facilmente, pelos
diversos caminhos experimentados. Não se trata de discutir apenas o resultado,
mas o percurso que parece ter se iniciado em uma direção, e que ao longo do
andar enredou-se, perdida, por atalhos. Astronautas russos, solitários numa
plataforma espacial, assistem ao fim da vida terrestre, monitorados por
computador grande irmão, despregados da origem, reproduzindo relações que trouxeram
na nave nesta viagem sem volta. Pretende-se com esse fio narrativo, pousar em
espaços tão abrangentes quanto a sexualidade, a finitude, a ausência de
perspectivas, a incerteza de continuidade, e algumas outras variáveis de risco
da vida contemporânea. É bastante ambição para uma série de cenas que evoluem
quase arbitrariamente, se desconectando como integridade narrativa,
aparentemente sem que esta tenha sido a intenção. Cada cena ganha independência,
isoladas e exibicionistas, perseguindo efeitos. Na origem da Síndrome de Chimpanzé estão a
ingenuidade de histórias de quadrinhos para adolescentes de outras décadas e
ficção científica dos antigos filmes b do gênero. Há a precariedade nestas
inspirações que a montagem não aproveita como meio para encorpar a encenação.
Reforça a brincadeira, ao contrário
de assumir tom crítico em relação a esses meios, enfatizando somente os
contornos um tanto kitsch. A
cenografia artesanal acentua ainda mais as muitas precariedades da montagem. E
não se compreende a razão pela qual a
tecnologia não é utilizada, já que poderia ser um acessório para comentar a inspiradora linguagem científica-ficcional. Os atores Felipe
Rocha e Ricardo Linhares fazem demonstração de suas habilidades físicas em
atuações performáticas. Stella Rabello se desprega da performance, mas não
sustenta com atuação mais contida a cena que encerra, fragilmente, a montagem.
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