quinta-feira, 27 de junho de 2013

23ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Cine Monstro
Vozes de santos e pecadores retaliam o corpo narrativo

No palco branco, recoberto de projeções contrastantes, o ator inicia seu monólogo de vários sobre um filme de horror, simplesmente, dizendo: babaca. É o começo de narrativa das (des)razões humanas, cultivadas desde o escuro e silêncio do caos original, e de onde emerge essa voz de palavra vulgar, que pede que se calem, santos e pecadores, para que se ouçam os ruídos sussurrantes que envolvem o negror da projeção de um cinema monstruoso. A partir destas imagens verbais, o autor canadense Daniel MacIvor disseca em Cine Monstro, em cartaz no Oi Futuro do Flamengo, o percurso de tantas histórias e múltiplos atalhos que conduzem à retaliação do corpo narrativo. Vozes, aparentemente dissonantes e desconexas, falam em uníssono sobre uma situação escabrosa, barulho vindo de filme de ação que ressoa sentimentos de humanidade embutidos em ato de vilania. MacIvor envolve muitos para falar de gesto solitário, utilizando um único intérprete num jogo dramático em que as peças se movimentam em sentido inverso à lógica da moral e ao julgamento da ética. Enrique Diaz é o aglutinador dessas sonantes vozes de interioridades, tanto como ator, iluminador e diretor. Assim como no palco estão muitos, Diaz se multiplica para compor unidade organicamente estética. É tal a integridade criativa que a cenografia (Simone Mina) e a iluminação despojadas, a trilha sonora original (Lucas Marcier), a tradução (Barbara Duvivier e Diaz), e a colaboração de Marcio Abreu e Maneco Quinderé convergem para a atuação com detalhadas variantes na construção e refração das vozes sombriamente reconhecíveis. Enrique Diaz se utiliza de recursos comedidos, mas extremamente lúcidos e inteligentes como interpretação, capazes de ampliar as firulas de um monólogo repleto de provocante niilismo.

                                             macksenr@gmail.com                

terça-feira, 25 de junho de 2013

Prêmio Shell


Finalistas do 1º Semestre da Temporada 2013

Moi Lui: indicações para direção e iluminação
Foram selecionados os finalistas do primeiro semestre da 26ª edição do Prêmio Shell de Teatro

Autor: Julia Spadaccini (Aos Domingos)
          
Diretor: Isabel Cavalcanti (Moi Lui)
             Rodrigo Portela (Uma História Oficial)

Ator: Ricardo Blat (A Arte da Comédia)
         Thelmo Fernandes (A Arte da Comédia)

Atriz: Suely Franco (As Mulheres de Grey Gardens)
         Camila Amado (O Lugar Escuro)
        
Cenografia: André Sanches (Vestido de Noiva)
                    Rogério Falcão (Como Vencer na Vida sem Fazer Força)

Figurino: Marcelo Pies ( Como Vencer na Vida sem Fazer Força)             
               Antonio Guedes (O Médico e o Monstro)

Iluminação: Renato Machado (Vestido de Noiva)
                    Tomás Ribas (Moi Lui)

Música: Gabriel Moura (Cabaret Dulcina)
              Rodrigo Penna (Edukators)

Inovação: Marcus Vinícius Faustini pelo conceito e proposta do Festival Home Theatre

quarta-feira, 19 de junho de 2013

22ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ O Tempo e os Conways
Relíquia doméstica de tempos idos
Assistir a uma peça do inglês J.B.Priestley, como O Tempos e os Conways, que está em cartaz na Casa da Gávea, com direção de Vera Fajardo, é rememorar um certo teatro em que o realismo se combina com a memória e o fluxo do tempo. Passada na Inglaterra entre a primeira guerra e a década de 30, quando foi escrita, a narrativa, em três atos e com técnica depurada, transcorre do tempo das ilusões juvenis à crueza da sua passagem. O cenário emocional de Priestley apela para os bons e menos nobres sentimentos que norteiam a vida de viúva e seus filhos, vistos pelos olhos de um deles, a menina que gostava de escrever, mas que tem o desejo e a família mergulhados na frustração, arquivados pelo avanço dos anos. O tom sentimental e evocativo embala esta verdadeira relíquia teatral, que sobrevive pela segura e ordenada forma e pelo modo como o autor busca colocar cada palavra em seu lugar. O Tempo e os Conways  é atraente para que atores jovens possam viver personagens em tempos diferentes, e esta parece ter sido a intenção da diretora Vera Fajardo, que reuniu elenco que corresponde a tais características. A cenografia de Mirella Maniaci cria ambiente de doméstica envolvência, sonorizando o exíguo espaço com canções de Cole Porter. Os figurinos de Paulo Accioli definem bem as épocas e Paulo Cesar Medeiros embala com iluminação suave o quadro familiar exposto pela diretora. No elenco, a figura delicada de Julia Fajardo e intensa de Stella Maria Rodrigues se destacam entre as harmoniosas atuações de Camila Moreira, Igor Vogas, Johnny Massaro, Marcéu Pierrotti, Maria Ana Caixe, Mariela Figueiredo, Pedro Logün e Thais Müller.  

Crítica/ O Que Você Mentir Eu Acredito
Espaço existencial para os silêncios familiares
Caio Fernando Abreu, ainda que não tenha escrito diretamente para o teatro, é um dos autores mais encenados nos últimos anos. Seus contos e romances têm recebido encenações que buscam, em adaptações mais ou menos sensíveis, refletir o universo do autor. O Que Você Mentir Eu Acredito, em cartaz no Teatro do Sesi, reúne fragmentos de contos de Caio Fernando para compor cena familiar em que cada um dos seus membros são representações de seus silêncios interiores. Falam entre si, ainda que  transversamente, deixando lacunas emocionais a serem preenchidas. Na dramaturgia criada por Felipe Barenco o existencialismo do autor gaúcho recebe tratamento dramático, que deixa em plano secundário a consciência da incomunicabilidade, que parecer ser o que está na base dos contos de Caio Fernando. A construção da trama se mostra desajustada no estabelecimento desse clima, em que a atomização dos personagens se decompõe pela necessidade de ação dramática, o que resulta em atmosfera de estranhamento próxima à desarticulação. O diretor Rodrigo Portella não chega a criar um espaço emocional, capaz de individualizar as interioridades. A cenografia de Edward Monteiro se avizinha dessa aridez afetiva, em colaboração com a luz de Renato Machado, e o elenco caminha, nem sempre na linha de contracena mais elaborada. Enquanto Izabella Luz fica restrita a composição física, Betina Viany tensiona demais a figura da avó. Armando Babaioff se equilibra entre sutilezas no início, quando se desenham as características do personagem, e exaltação no final. Joelson Medeiros imprime ao pai uma figura quase rodriguiana com sua interpretação de impulsos fracos e meio canalhas.   

Crítica/ Favela
Melodrama de costumes fotografa tipos
O alcance do texto de Rômulo Rodrigues, em cartaz no Teatro do Leblon, é o de fazer uma fotografia, um tanto convencional e com toques melodramáticos, da vida de moradores de favela. Registram-se os diferentes rumos de jovens, que se lançam ao comércio de drogas ou ao vestibular. Capturam-se tipos que variam da vizinha bisbilhoteira às mulheres que brigam com seus homens, e de evangélicos moralistas e policiais corruptos. E de biroscas com fregueses sambando entre doses de cerveja. Um quadro esboçado em traços corriqueiros, que não pretende avançar para além da tipificação, como se o autor pretendesse alinhavar costumes, ao contrário de projetar numa escrita naturalista a complexidade do favelado. Se os diálogos reproduzem, parcialmente, a prosódia territorial, a trama sobrenada quaisquer dos problemas vividos por moradores de área tão repleta de carências. Por outro lado, não estabelece a identidade das relações sociais geradas exatamente por essas carências, descaracterizando com dezenas de personagens circunstanciais o conflito central. Rômulo Rodrigues, apesar dos limites a que impôs o seu melodrama de costumes, demonstra algum domínio no desenvolvimento da ação e na captação de um linguajar e deixa a impressão de que, em algum futuro texto possa, se for mais ousado, confirmar as potencialidades deste Favela. A cenografia de Derô Martin utiliza os tijolos crus como elemento central da ambientação realista e a direção de Marcio Vieira conduz o elenco, com variados níveis de experiência de palco, como um conjunto que se integra, mais para formar o painel, do que para destacar individualidades interpretativas.           

Crítica/ O Caso da Rua ao Lado
Vaudeville em figurino de humorístico
O francês Eugène Labiche, autor deste texto em temporada no Teatro Maison de France, é um dos mais destacados cultores do vaudeville, gênero de precisa contrução dramatúrgica do final do século XIX. Labiche, como um dos seus mais expressivos representantes (o outro é Georges Feydeau), constrói (trama, ou seria imbrioglio?), na qual as aparências são mais importantes do que a verdade. Para mantê-las, enreda-se em trilha de mentiras, que vão se acumulando até ao ponto em que não há mais como disfarçar a hipocrisia e o ridículo dos salamaleques sociais e sustentar os pilares da ordem burguesa. O humor retirado desse painel de comportamento é o que impulsiona a narrativa, repleta de quiproquós, alimentada por diálogos carregados de subentendidos, reforçando o aspecto critic, mantido pelo rtimo delirante das situações. O diretor Marcos  Alvisi se aproximou deste vaudeville pela rama, por aquilo que está na superfície, unicamente pela ação seriada dos acontecimentos, como se a comédia tivesse que ser reiterada em gestos, caretas, piscadelas e corridinhas. O jogo do disfarce, o entra e sai do que é visto e não pode ser visto se transforma numa perseguição ao engraçado, corrida em torno de gags, sem qualquer destreza técnica para marcar o passo com o vaudeville. Nivelado ao humorístico, a montagem conta com atores que desconhecem o tipo de teatro que estão interpretando, deixando a impressão de que recitam catilena amadora.        
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terça-feira, 11 de junho de 2013

21ª Semana da Temporada 2013


Montagens paulistas em cartaz no Rio

Crítica/ Oresteia
Ruídos de ancestralidade diante dos barulhos contemporâneos
Em Oresteia, como também em As Suplicantes, Os Persas, Sete Contra Tebeas e Prometeu Acorrentado, que Roberto Alvim e o grupo Club Noir apresentam em dias alternados no Espaço Sesc, a tragédia de Ésquilo é sintetizada, não só cênica, como temporalmente. Em duas partes, com menos de 60 minutos no total, a Oresteia se desidrata de aspectos narrativos (a trama se torna secundária), elimina referência ao drama (as vozes se articulam no espaço poético), e se transfigura em quadro (o movimento é quase estático e a luz quase escuro). Num quadrilátero, com os atores em silhuetas, postados em rígida composição, ouvem-se, do fundo desse lugar de sombras, palavras que evocam, mais do que contam. Com um neón ao fundo, a única luminosidade fixa, e figuras de vestes pretas, que se desenham como contornos, se obscurece o olhar, esvaziado de imagens, modificações e ação. É como se a cena fosse apagada de suas prerrogativas visuais, reduzida à possibilidade de fruição como sonoridade, como se buscasse um ruído de ancestralidade e o projetasse no barulho da contemporaneidade. Ao apagar a visão direta, acende-se a provocação de olhares, tantos quanto cada espectador que se defronta com a encenação possa vir a emprestar-lhes significações. Lançam-se entonações que são capturadas sem lógica sequenciada e por percepções exploratórias múltiplas, que o espetáculo propõe, provocadas por sua delineada estrutura corajosamente pulsante e vivamente desestabilizadoras de cânones.           

Crítica/ umnenhumcemmil
Intenção desmedida de reproduzir imagens literárias
Com esta adaptação do romance de Pirandello, o ator Cacá Carvalho está de volta ao Teatro Glaucio Gill e ao autor italiano com o qual tem convivido no palco nas últimas duas décadas. A notória admiração de Cacá por Pirandello talvez tenha exorbitado na medida desta transposição do literário para a cena. A dramaturgia resultante do original pirandelliano, em que as obsessões do autor (identidade e personagem, julgamento e aparência, forma e realidade) predominam como imagens, é exposta com a mesmo caudaloso jorro com que se desenvolve no papel, sem correspondente ajuste no palco. Monólogo dirigido por Roberto Bacci, para o qual a plateia é solicitada a preencher a cena e figurar como cenário, não consegue se desprender da narrativa literária, por maior que seja o esforço do ator em ilustrar o substrato da escrita. Para tanto, Cacá Carvalho recorre a seu arsenal interpretativo, com seu peculiar domínio vocal, maleável máscara e pródiga gesticulação. Nesse acúmulo de efeitos, Cacá se distancia do adensamento para afogá-lo em jogo exibicionista. Em quase duas horas, o ator se entrega com tal empenho a reescrever imagens literárias que o descompasso da tradução cênica alcança somente honesta intencionalidade.

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