Crítica/ O Tempo
e os Conways
Relíquia doméstica de tempos idos |
Assistir a uma peça do inglês J.B.Priestley, como
O Tempos e os Conways, que está em
cartaz na Casa da Gávea, com direção de Vera Fajardo, é rememorar um certo
teatro em que o realismo se combina com a memória e o fluxo do tempo. Passada na Inglaterra entre a
primeira guerra e a década de 30, quando foi escrita, a narrativa, em três atos
e com técnica depurada, transcorre do tempo das ilusões juvenis à crueza da sua
passagem. O cenário emocional de Priestley apela para os bons e menos nobres
sentimentos que norteiam a vida de viúva e seus filhos, vistos pelos olhos de
um deles, a menina que gostava de escrever, mas que tem o desejo e a família
mergulhados na frustração, arquivados pelo avanço dos anos. O tom sentimental e
evocativo embala esta verdadeira relíquia
teatral, que sobrevive pela segura e ordenada forma e pelo modo como o
autor busca colocar cada palavra em seu lugar. O Tempo e os Conways é
atraente para que atores jovens possam viver personagens em tempos diferentes,
e esta parece ter sido a intenção da diretora Vera Fajardo, que reuniu elenco que
corresponde a tais características. A cenografia de Mirella Maniaci cria
ambiente de doméstica envolvência, sonorizando o exíguo espaço com canções de
Cole Porter. Os figurinos de Paulo Accioli definem bem as épocas e Paulo Cesar
Medeiros embala com iluminação suave o quadro familiar exposto pela diretora.
No elenco, a figura delicada de Julia Fajardo e intensa de Stella Maria
Rodrigues se destacam entre as harmoniosas atuações de Camila Moreira, Igor
Vogas, Johnny Massaro, Marcéu Pierrotti, Maria Ana Caixe, Mariela Figueiredo,
Pedro Logün e Thais Müller.
Crítica/ O Que
Você Mentir Eu Acredito
Espaço existencial para os silêncios familiares |
Caio Fernando Abreu, ainda que não tenha escrito
diretamente para o teatro, é um dos autores mais encenados nos últimos anos.
Seus contos e romances têm recebido encenações que buscam, em adaptações mais
ou menos sensíveis, refletir o universo do autor. O Que Você Mentir Eu Acredito, em cartaz no Teatro do Sesi, reúne
fragmentos de contos de Caio Fernando para compor cena familiar em que cada um
dos seus membros são representações de seus silêncios interiores. Falam entre
si, ainda que transversamente, deixando
lacunas emocionais a serem preenchidas. Na dramaturgia criada por Felipe
Barenco o existencialismo do autor gaúcho recebe tratamento dramático, que deixa
em plano secundário a consciência da incomunicabilidade, que parecer ser o que
está na base dos contos de Caio Fernando. A construção da trama se mostra
desajustada no estabelecimento desse clima, em que a atomização dos personagens
se decompõe pela necessidade de ação
dramática, o que resulta em atmosfera de estranhamento próxima à desarticulação.
O diretor Rodrigo Portella não chega a criar um espaço emocional, capaz de individualizar as interioridades. A cenografia
de Edward Monteiro se avizinha dessa aridez afetiva, em colaboração com a luz
de Renato Machado, e o elenco caminha, nem sempre na linha de contracena mais
elaborada. Enquanto Izabella Luz fica restrita a composição física, Betina
Viany tensiona demais a figura da avó. Armando Babaioff se equilibra entre
sutilezas no início, quando se desenham as características do personagem, e
exaltação no final. Joelson Medeiros imprime ao pai uma figura quase rodriguiana com sua interpretação de
impulsos fracos e meio canalhas.
Crítica/ Favela
O alcance do texto de Rômulo Rodrigues, em cartaz
no Teatro do Leblon, é o de fazer uma fotografia, um tanto convencional e com
toques melodramáticos, da vida de moradores de favela. Registram-se os
diferentes rumos de jovens, que se lançam ao comércio de drogas ou ao
vestibular. Capturam-se tipos que variam da vizinha bisbilhoteira às mulheres
que brigam com seus homens, e de evangélicos moralistas e policiais corruptos.
E de biroscas com fregueses sambando entre doses de cerveja. Um quadro esboçado
em traços corriqueiros, que não pretende avançar para além da tipificação, como
se o autor pretendesse alinhavar costumes,
ao contrário de projetar numa escrita naturalista a complexidade do favelado.
Se os diálogos reproduzem, parcialmente, a prosódia territorial, a trama sobrenada quaisquer dos problemas vividos por moradores
de área tão repleta de carências. Por outro lado, não estabelece a identidade das
relações sociais geradas exatamente por essas carências, descaracterizando com
dezenas de personagens circunstanciais o conflito central. Rômulo Rodrigues,
apesar dos limites a que impôs o seu melodrama
de costumes, demonstra algum domínio no desenvolvimento da ação e na
captação de um linguajar e deixa a impressão de que, em algum futuro texto
possa, se for mais ousado, confirmar as potencialidades deste Favela. A cenografia de Derô Martin
utiliza os tijolos crus como elemento central da ambientação realista e a
direção de Marcio Vieira conduz o elenco, com variados níveis de experiência de
palco, como um conjunto que se integra, mais para formar o painel, do que para
destacar individualidades interpretativas.
Crítica/ O Caso
da Rua ao Lado
Vaudeville em figurino de humorístico |
O francês Eugène Labiche, autor deste texto em temporada no Teatro Maison
de France, é um dos mais destacados cultores do vaudeville, gênero de precisa contrução dramatúrgica do final do século
XIX. Labiche, como um dos seus mais expressivos representantes (o outro é
Georges Feydeau), constrói (trama, ou seria imbrioglio?), na qual as aparências
são mais importantes do que a verdade. Para mantê-las, enreda-se em trilha de
mentiras, que vão se acumulando até ao ponto em que não há mais como disfarçar
a hipocrisia e o ridículo dos salamaleques sociais e sustentar os pilares da ordem burguesa. O humor
retirado desse painel de comportamento é o que impulsiona a narrativa, repleta
de quiproquós, alimentada por diálogos carregados de subentendidos, reforçando
o aspecto critic, mantido pelo rtimo delirante das situações. O diretor
Marcos Alvisi se aproximou deste vaudeville pela rama, por aquilo que
está na superfície, unicamente pela ação seriada dos acontecimentos, como se a
comédia tivesse que ser reiterada em gestos, caretas, piscadelas e corridinhas.
O jogo do disfarce, o entra e sai do que é visto e não pode ser visto se
transforma numa perseguição ao engraçado, corrida em torno de gags, sem qualquer destreza técnica para
marcar o passo com o vaudeville. Nivelado
ao humorístico, a montagem conta com atores que desconhecem o tipo de teatro
que estão interpretando, deixando a impressão de que recitam catilena
amadora.
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