terça-feira, 26 de junho de 2012

23ª Semana da Temporada 2012


Musicais Ocupam o Eixo

Rio/ O Mágico de Oz
Fábula infantil com piscadelas aos adultos
Essa fábula infantil, que o cinema popularizou e a cultura do consumo transformou em ícone com múltiplos cultores, chegaria, inevitavelmente, ao musical. E chegou a vez da platéia brasileira confirmar a aura de encantamento e magia que O Mágico de Oz acumulou ao longo dos anos  através da versão de Charles Möeller e Claudio Botelho em cartaz no Teatro João Caetano. Mas será que esse musical ingênuo corresponde a tudo aquilo que se lhe atribui? Como comédia musical é extensão da narrativa original, bastante referenciada ao filme e com canções, pelo menos duas, com alguma popularidade. E pouco mais. Nesta versão brasileira se confirmam as habilidades dos nacionais no modo de encenação de musicais, no know how da técnica e nas qualificações da equipe artística, demonstrando domínio do gênero e até de alguns acréscimos e sotaques locais inventivos. Em Oz se prova, uma vez mais, a criatividade na maneira de ser fiel às letras em inglês do versionista Claudio Botelho, que as reinventa no nosso idioma. Também se confirma a eficiência no domínio da complexidade técnica e artística exigidos por um tal empreendimento. O elenco cumpre as funções. Então, por que O Mágico de Oz não entusiasma? Como diversão infantil, talvez seja um tanto longa para os padrões dos menores, provocando nas crianças as mesma queixas que no passado a platéia adulta usava para rejeitar os musicais (música interrompe a ação, o entrecho é desinteressante). A aura em torno da fabulação se perde com um certo apelo a tantas significados que a história foi ganhando ao longo do tempo. A atual montagem faz frequentes piscadelas aos adultos (o Leão ganha conotação para além da covardia), ao ponto das melosas indicações moralizantes se deslocarem ao segundo plano. O visual, propositada ou inadvertidamente, tem forte conotação kitsch, em especial nos figurinos de mau gosto e pretensiosos efeitos, e nas projeções pouco elaboradas. O elenco, que teria no cachorro presença fundamental na história, tem atuação indisciplinada, o que compromete as cenas de que participa. Malu Rodrigues, a Dorothy, também fica prejudicada pela pouca intimidade do animal com a disciplina. Pierre Baitelli encontrou uma maneira de, através da dicção, desenvolver a comicidade do Espantalho. Nicole Lama, como o Homem de Lata cumpre o seu papel, enquanto Lúcio Mauro Filho exagera como o Leão Covarde. Maria Clara Gueiros tira partido, com interpretação ajustada à platéia infantil, da figura da Bruxa Má. Luis Carlos Miele, o Mágico de Oz, não aproveita o protagonismo do personagem. Kostyantyn Biriuk como um Ciclone fora de lugar, se restringe a demonstrar suas habilidades de malabarista.             


São Paulo/ Fama
Arquitetura importada para atender à demanda
Atualmente estão em cartaz cinco musicais nos teatros paulistas, dos quais dois são produções cariocas. Para manter esse ritmo de montagens é necessário importar, cada vez mais, originais da Broadway e, em menor escala, do West End, já que musicais nacionais ainda não acompanham as crescentes exigências mercadológicas. Para atender a essa demanda, os critérios de escolha estão ficando um tanto elásticos, capazes de selecionar exemplares de qualidade discutível e que, dificilmente, interessam às nossas platéias. E algumas escolhas inexpressivas têm recebido a rejeição do público, comprometendo a boa onda do gênero nas últimas temporadas. Fama, que pode ser visto no confortável Teatro Frei Caneca, tinha numa sessão de sexta-feira, menos de um terço de espectadores nos seus 600 lugares. O que o público demonstrava, pela ausência e pelas deserções durante a sessão, é o desinteresse por musical inexpressivo, baseado em filme de relativo sucesso dos anos 80 e que foi transferido para o palco com pouco empenho. O musical por origem um gênero reiterativo, com códigos que devem ser obedecidos à risca, tem eventuais ousadias em trilhas sonoras que valorizem entrecho, e que busquem temática que tenha estofo dramático (leia-se dramaturgia). Fama está longe de ambos. As músicas são anódinas, parecem saídas de cartilha de como fazer trilha padrão, e a trama não desperta qualquer fagulha de atenção para acompanhar alunos postulantes a carreira artística. Se Fama é tão pouco estimulante, a sua versão nacional não é mais animadora. As condições de produção e de técnica, vocal e corporal, se não são excepcionais, pelo menos mantêm o nível alcançado por geração de atores, bailarinos e cantores preparados para atender às exigências importadas do caderno de encargos dos musicais. Mesmo que no elenco de mais de 30 componentes não hajam destaques, cada um cumpre a sua participação com profissional eficiência, como de resto os demais elementos da parte artística e técnica. Mas fica a certeza de que Fama serve apenas para confirmar a capacidade nativa de reproduzir musicais estrangeiros, e de como o mercado demanda novas produções com voracidade do modismo. E que é tão somente mais um produto que se oferece ao público, que produtores imaginam cativo ao gênero, mas que desta vez frustrou o planejamento. Aguardam-se as próximas estréias.           

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quarta-feira, 20 de junho de 2012

22ª Semana da Temporada 2012


Dramaturgia Brasileira em Perspectiva

Crítica/ Alguém Acaba de Morrer Lá Fora
Banalidades tratadas de maneira banal 
Jô Bilac, que assina este texto em cartaz no Teatro do Sesi, é um prolífico dramaturgo que se inspira em gêneros, insiste em citações e lembra outros autores. Não disfarça a sua admiração por histórias policiais, pela reprodução de tramas já roteirizadas pelo cinema, e por invocação da dramaturgia de Nelson Rodrigues. Esta salada de muitos ingredientes poucas vezes se combina com alguma originalidade ou mesmo com sofrível autonomia autoral. É o que acontece com Alguém Acaba de Morrer Lá Fora, que se autoexplica pelo título e avança muito pouco além desta constatação. A reunião de três desgarrados num bar, servido por garçom hiperativo, despejam as razões, ou a falta delas, para estar vagando por ali. A interação entre eles é dada por versões diferentes das mortes que ocorrem lá fora. A tríplice face de um acontecimento, tão explorado por narrativas do teatro, cinema e literatura, não inibiu Jô de recorrer ao artifício como se não fosse um recurso desgastado. A manipulação de tais referências se mostra ineficaz, desta vez por rarefeito interesse que o entrecho provoca, afinal tratar banalidades de maneira banal não parece ser a melhor escolha.
O diretor Pedro Neschling procura revigorar esse entrecho chocho com alguma dinâmica cênica e com boa contribuição da cenografia de Nello Marrese. A presença dominante de uma juke box que sonoriza a ação e a rotação manual do cenário, acompanhando os diferentes ângulos da narrativa, envolvem com relativo sopro criativo o desinteressante texto. O quarteto do elenco tem nas atrizes Lucélia Santos, em interpretação maneirista, e Vitória Frate, que incorpora uma jovem a la mode, contrapontos menos resolvidos frente aos atores Pedro Nercessian, numa vibração bem maior do que possui o personagem, e Ricardo Santos, que constrói uma figura surpreendemente patética. 

  
Crítica/ Nada
Instalação plástica em torno de causos domésticos
Manoel de Barros é quem está por trás de Nada, cartaz do Oi Futuro Flamengo. É do poeta mato-grossense o espírito desta encenação, triplamente assinada por Adriano Guimarães, Fernando Guimarães e Miwa Yanagizawa, e que captura o sentimento de uma poética para transfigurá-lo em narrativa teatral. Frases, poemas, casos, as peculiaridades de uma poesia que se define como acúmulo de impressões desimportantes de um mundo regional e de uma cultura marcada pela natureza são transpostas para trama familiar. Sete personagens recebem a plateia de pouco mais de 30 espectadores para a comemoração do patriarca da família quando completa 80 anos. Em torno da mesa posta e de cadeiras dispostas à sua volta, onde se acomoda o público, supostamente os convidados, são oferecidos petiscos, sucos, cachaça, biscoito da sorte com mensagens de Barros, numa tentativa de integrar espectadores a atores, papéis e funções, e deste modo aproximar comportamentos. Mas a ação, necessária no estabelecimento da linguagem cênica e que os diretores intentam constituir como transmutação desta própria linguagem, se mostra postiça no seu naturalismo proposital e na realidade que é dada pelo consumo dos alimentos. Faz-se um esforço de teatralizar a comemoração, propor a representação de uma festa de família, com seus comentários banais, desavenças afloradas e exaltações ritualizadas, utilizados como pretextos para inserir causos e o imaginário verbal de Manoel de Barros. Essa superestrutura é insuficiente para embrulhar de modo menos mecânico a seleção de frases do autor e capturar seu espírito. A instalação plástica de variados vidros, localizada nos extermos da cena, é de belo impacto visual, mas não chega a integrar-se à cena, já que antes de lembrar objetos de uso, depositário de uma velha cristaleira das salas antigas ou a fragilidade do material quebradiço de que são feitas as relações familiares, se parece mais com elemento decorativo, dissociado da mesa doméstica. O problema da dramaturgia desestrurante em em sua vaga linearidade (a relação com a plateia em seu frágil naturalismo não projeta a veracidade realista da situação) se agrava pelo desconexo desenvolvimento da trama (vide a entrada intempestiva da noiva fugidia, a reação de negação inicial, sua aceitação em seguida, e seu incompreensível desaparecimento). Não há evolução dramática que escalone as situações, de modo que a longa pausa para que os espectadores se sirvam, o constragido convite para que dancem com os atores e o final apagado sucumbem e estão longe da atomsfera imaginada pelos diretores. A ralentada ação e os diálogos contrabandeados de citações de Manoel de Barros soam inexpressivos e criam para o elenco dificuldades para projetá-los. Liliane Rovaris, pelo caráter declinante da sua personagem, consegue aproximar-se de um desenho mais sólido. Marília Simões, apesar da improbabilidade de sua personagem, tem silenciosa e visível presença em cena. Adriano Garib, Camila Evangelista, Lafayette Galvão, Miwa Yanagizawa e Rodrigo Lélis formam um coletivo integrado à estrutura da montagem.                 


Crítica/ Uma Noite Na Lua
Um homem no palco pensando como iluminar uma frase
João Falcão, autor do texto e da música, iluminador e diretor de Uma Noite na Lua, em cartaz no Teatro do Jockey, coloca em cena um homem angustiado que passeia pelos seus sentimentos. Um tímido que perdeu a amada, imginando reencontrá-la em uma festa, pretendendo oferecer-lhe uma peça ainda não escrita. É apenas um homem, solto no palco, com a frase inicial da peça por ser escrita (“um homem em cima de um palco pensando”). É alguém que escreve a si mesmo e a futura peça como um único fluxo de pensamento, o mesmo que a plateia assiste como o espetáculo teatral que se lhe apresenta. Monólogo em que as idéias, ou a dificuldade de ordená-las, para atravessar a frase inicial, demonstra a tensão de criar e de conquistar o objeto amado, de pensar e mostrar o que pensa, de ser um personagem em permanente desdobrar narrativo. O que e como dizer? Como se expressar na criação e no afeto? João Falcão brinca com um mundo de vozes e de palavras que contam das emoções que perambulam pelas zonas misteriosas dos sentimentos. Na direção, Falcão simplifica o jogo narrativo com o palco nu, em que a iluminação funciona como coautora, acompanhando os movimentos evocativos, talvez, de um vagabundo de Chaplin ou de Beckett, figuras inspiradores do ator para a representação de si mesmo. Gregório Duvivier se insinua, ora como um, ora como outro, intérprete cirúrgico de melancólico e poético desejo de reencontrar a amada, preencher de teatro o que no papel em branco é apenas uma primeira frase para tentar iluminar uma noite na lua.     


Crítica/ Pai
Imprecações contra a figura paterna
Cristina Mutarelli, autora deste texto em cartaz no Midrash, ficcionou uma relação seminal, aquela que se estabelece e se estrutura a partir da figura paterna. É dele que Mutarelli fala de modo, ao mesmo tempo, ressentido e arrebatado, magoado e irritado e a quem atribui o fracasso na vida da personagem. Num fluxo de pensamento delirante e irracional, a filha investe contra o pai, próximo da morte, debilitado, com ausências, atribuindo-lhe a carga de infelicidade com que conviveu toda a vida. Nesta avaliação, a filha ainda o acusa de impedir que ela realize a plenitude de seus anseios e que anule seus íntimos desejos. Surge, então, uma mulher incapaz de agradar ao pai e a todos com quem compartilha a existência. O monólogo do acerto de contas acaba por se reduzir a esse embate. Nada leva a pensar nas razões, a não ser as que expõe, sem que por trás delas haja motivação mais concreta. A escolha deste monólogo por Rita Elmôr pode ter sido determinado pela oportunidade que a atriz percebeu para exercício de interpretação. Mas como assina a direção, em parceria com Cristina Elias, e também a produção, pode-se imaginar a sua certeza na irrestrita possibilidades do monólogo. A sua atuação reflete essa ligação, desenhada com sinceridade, mas seria suficiente para melhor caracterizar aquilo que o texto não alcança? Rita Elmôr, somente residualmente, atinge os contornos de alguém que mais projeta sentimentos de repulsa do que propriamente revela a sua interioridade.          


Crítica/ Homens
Exposição de uma escrita intimista
Caio Fernando Abreu tem produção literária vasta que, basicamente, trata de sentimentos que envolvem a sexualidade e seus conflitos nos caminhos que percorrem na afirmação das emoções. Nos contos, novelas, correspondência, Caio Fernando revela escrita emocional, de características semibiográficas e expressão intimista, que tem exercido atração constante para ser transposta para o palco. Em Homens, em cartaz no Teatro do Leblon, essa transferência se concretiza na adaptação de contos, através de fracionamento narrativo que compõe a adaptação e que alcança unidade cênica. O roteiro, habilidoso na interrupção da sequencia das pequenas histórias que se misturam, quebrando a linearidade, mas sustentando o rendilhado da trama. A ação se estabelece pela dinâmica da dialogação e pela movimentação que impulsiona cada um dos quadros, adicionando autonomia expressiva ao caráter literário da origem. A versão do diretor Delson Antunes ganha vida em paralelo a sua pulsação dramática. Como Antunes acumula as duas funções, a sua encenação, provavelmente, foi concebida juntamente com a escrita, favorecendo-se da dramaturgia cênica. A montagem é ágil, com movimentação vertiginosa dos atores (merece registro o trabalho corporal de Ana Beviláqua) e a solução cenográfica ( portas em série de Teca Fichinski) que na sua simplicidade corresponde à intensidade que é a marca do espetáculo. Em um tal espetáculo e com esta estrutura, o ajustamento do elenco – Yuri Saraiva, Ailton Vasconcelos, Vinícius Cristovão, Thiago Chagas, Yuri Gofman, Danilo Sacramento, Carlos Porto – acompanha as suas premissas. Sem maiores destaques, o que sobressai é o conjunto, totalmente integrado na encenação e que se exprime na mesma sintonia do universo de Caio Fernando Abreu.       


Crítica/ O Céu Está Vazio
Emoções fantasiadas contra ruídos ensurdecedores
Julia Spadaccini, autora desta montagem de Jorge Caetano em cartaz no Teatro Café Pequeno, tem uma dramaturgia, senão original, ao menos instigante. Na constatação do que contém o céu, Spadaccini desce ao solo aparente dos comportamentos para figurar o vazio, revisto de alto a baixo, através de trio familiar e dos que gravitam em torno dele. As vestes das fantasias psicológicas e sociais se ajustam aos corpos e as emoções como escudos para o barulho ensurdecdor ao redor. Um homem que não sabe de si, apenas vive a mediocridade da paternidade. O filho, que se traveste de emo para maquiar sentimentos que não sabe demonstrar, e as mulheres que se confundem nas suas emoções da feminilidade. Numa cenarização realista, Spadaccini remexe no way of living desses tempos tão cheios de exteriorizações e tão descarnados de significados. Não que a autora explore ou dimensione essas preocupações muito além desse quado realista, mas o texto traz imagens que vão além, e as sustenta poeticamente. O diretor Jorge Caetano é o fiel dessa duplicidade, dosando o realismo da ação com outro padrão estilístico. Com projeções adolescentes, figurinos adequados e iluminação correta, a montagem se completa na sua fluida comunicabilidade com o ajustado elenco (Paulo Giardini, Priscila Steinman, Rael Barja, Thaís Tedesco e Ticiana Passos).

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sexta-feira, 8 de junho de 2012

21ª Semana da Temporada 2012


Dramaturgia Internacional em Perspectiva

Crítica/ A Volta ao Lar
Desconstruindo a lógica psicológica de uma família 
O que é realidade? O que é aparência? A dúvida se incorpora à dramaturgia de Harold Pinter como se a ambivalência fosse a sustentação do seu jogo dramático. A ação não está na trama, mas na forma como Pinter constrói narrativa interna. A volta ao Lar estabelece nesses dois planos expressivos (do enredo em si e do que acontece para além dele) a retomada de uma certa convenção teatral. Aparentemente, se identificando com o realismo-psicológico, mas apenas como máscara, disfarce para mergulhar em camadas mais densas a partir de situações que bóiam na superfície. No cenário único da sala da família do velho Max, açougueiro aposentado, viúvo de uma prostituta, os dois filhos — Joey, boxeur e Lenny, gigolô — e seu irmão Sam recebem a inesperada visita do filho pródigo, Teddy, que chega de madrugada com sua mulher Ruth. A vinda de Teddy, professor de Filosofia que vive há anos nos Estados Unidos, desencadeia processo de reorganização familiar. As tensões em que vivem se harmonizam quando esta volta traz a identificação de Ruth com Jessie, a esposa/mãe morta.
Os diálogos alternam sentimentos contrastados. O comentário sobre um objeto, como um sanduíche que foi comido ou a colocação de um copo na mesa, desencadeia conflitos latentes que explodem em rastilho. A ação interna acompanha essas alternâncias de comportamentos, desconstruindo a lógica psicológica. A dramática de Pinter se apóia, essencialmente, na linguagem, e é através dela que se cria o substrato do conflito, dentro do qual o silêncio e as pausas marcam o sentido das falas. Harold Pinter não pretende explicar as motivações. Cada um age sob algum tensionamento, reagindo de maneira desconcertante a um perfil que não encontra explicações ou justificativas. Escrita há quase 50 anos, A volta ao lar provocou na época reações à sua linguagem vulgar e ao desfecho amoral, e ainda hoje a peça suscita alguma perplexidade com a seu perturbador movimento de verso e reverso.
A encenação de Bruce Gomlevsky, em cartaz no Centro Cultural dos Correios, na excelente tradução de Millôr Fernandes, se desvia da interioridade do texto, caminha em paralelo às entrelinhas, mantendo-se linear frente a progressão dramática. É uma linha para se debruçar sobre trama tão volátil. Há mistérios em cada um dos personagens, já que o autor não fornece as razões para suas atitudes, que Gomlevsky trata de modo discreto. O elenco segue a linha da direção, com Tonico Pereira modulando grossura e vulgaridade nas recônditas motivações para os atos do velho pai. Bruce Gomlevsky também empresta variação entre cinismo e  ressentimento do gigolô. Arieta Corrêa é quem com interpretação que projeta dubiedade e  vacuidade que impelem Ruth a agir com tanta falta de motivos, aproximando-se, a considerar a existência de tal conceito, de um estilo Pinter de atuação. Jaime Leibovitch se investe fisicamente da figura do motorista. Gustavo Damasceno está apagado e pouco integrado ao personagem. Sergio Guizé é o boxeur.    


Crítica/ Arte
Invólucro chique para conversa jogada fora 
A peça de Yasmina Reza é uma grife, um daqueles berloques da cultura chique aos quais se acrescentam temática com toques contemporâneos e observações espirituosas sobre comportamentos socialmente identificáveis. Como comédia que pretende dar, ao mesmo tempo, piscadela para a recepção estética da obra de arte e afago nos valores da amizade, o texto em cartaz no Teatro Leblon, passeia com descompromisso de uma conversa jogada fora sobre esses temas, sem se deter em qualquer um deles, apenas para os fazer parecer inteligentes e profundos.
A compra por quantia vultosa de um quadro monocromático provoca em três amigos reações desmedidas. Um deles, explode pelo que considera o absurdo da compra tão desimportante e por valor exorbitante, enquanto o comprador sente-se agredido e magoado. O terceiro, menos dotado, tanto na vida profissional quanto  em brilho intelectual, serve de contraponto à desavença. Esses companheiros de anos de convivência, aparentemente sem relação muito estreita entre eles, enfrentam a crise plantada pela compra  do quadro para repensar a amizade. A autora, de origem iraniana, mas de expressão francesa, segue em parte a tradição racionalista da cultura de adoção, e impõe aos personagens capacidade de argumentação desproporcional ao alcance dos problemas ventilados pelo trio masculino. A forma como o quadro é recebido traz, secundariamente, a questão do modo como é absorvida a arte na atualidade. Será que a estranheza provocada por obra de cores e traços tão econômicos é a medida da compreensão nestes tempos da cultura do evento? Ou será que a reação dos personagens à obra não é ressonância de prováveis reações da plateia diante das proposições atribuídas ao quadro? Não se trata de problema de avaliação artística, sequer de medida da sensibilidade contemporânea para a criação, mas de extrair do senso comum a chave dramática. Neste sentido, Yasmina Reza é esperta na escolha do quadro polêmico. A sustentação narrativa é que é menos vivaz. O mundo afetivo e as contradições emocionais da trinca parecem exageradas frente às suas atitudes aligeiradas, que reduzem tudo a tempestade em copo d’água. O compromisso com a facilidade atinge qualquer possibilidade de  que tudo se resolve mais inteligentemente do que riscar uma tela branca de R$ 200 mil com caneta de tinta lavável.
A boa tradução, tanto verbal quanto na encenação do diretor Emilio de Mello, insufla modernidade ao texto, com os atores manipulando a mesa de som, entrando e saindo do foco da cena sem maiores cerimônias, resolvendo deste modo os quase monólogos que a autora propõe. O cenário de Aurora dos Campos explora o branco como um fundo infinito de estúdio fotográfico, com elementos decorativos de bom design. A luz de Tomás Ribas  é precisa, complementando a embalagem deste embrulho bem acondicionado. Como o texto parece esvaziar o confronto, que tem tão pouco a dizer, quando ocorre deixa a impressão de que cada um dos personagens está falando para si mesmo. Marcelo Flores busca o personagem pelo escape do humor. Claudio Gabriel transmite a ansiedade da figura que interpreta e Vladimir Brichta adota tom de comediante.     
  

Crítica/ Sem Pensar
Retrato juvenil  da convivência doméstica
Texto de juventude, escrito pela autora inglesa Anya Reiss ainda na adolescência – tinha 17 anos quando lançou a peça, em cartaz no Teatro Ginástico -, tem a dimensão que a sua faixa etária alcança. Diálogos que repetem linguagem dos jovens e pendengas adultas ficam no limite que a pouca idade e a inexperiência permitem. O universo de que trata é aquele que Reiss conhece, o que viveu em tão curto espaço de convivência com o mundo familiar. Garota de 13 anos convive com mãe e pai que discutem todo o tempo, integrando quadrilátero que se completa com  rapaz de 21 anos que aluga um quarto na casa da família. O envolvimento com o rapaz se arma em contraponto aos conflitos parentais e ao barulhento grasnar das amiguinhas, excitadas com o despertar da sexualidade. Se a trama é pouco imaginativa e nem sempre bem urdida – as soluções são quase mágicas e o desfecho de inesperada superficialidade – tanta fragilidade deve ser atribuída à autora a quem faltou maturidade para dramaturgia mais sólida. A hesitação quanto ao gênero (tragicomédia ou drama familiar) é mais um dos elementos que fragiliza ainda mais o texto juvenil que, pode ser visto somente como promissor primeiro trabalho e de escrita em processo de formação.          
O diretor Luiz Villaça, vindo do cinema e da televisão, empresta dinâmica visual à cena, preenchendo os cortes entre elas com ritmo acelerado e em alguns casos com simultaneidade vibrante. Mesmo com as quebras do texto (cenas alongadas e discussões repetitivas), a direção tenta evitá-las ao não permitir que se perceba descontinuidades. O cenário de Valdy Lopes contribui para o ordenamento seriado da montagem, com seus dois planos e quatro ambientes bem distribuídos no espaço. Villaça aproveita-se da indefinição de gênero para puxar a encenação para o humor, o que faz sem restrições, não só por utilizar o temperamento da atriz Denise Fraga, como também por deixar que a comicidade permita comunicação direta com a plateia. A cena da reunião familiar em torno da televisão é evidência do apelo ao riso franco. A tradução de Rodrigo Haddad é fluente e exata na correspondência do linguajar das adolescentes. O casal Denise Fraga e Kiko Marques se entende com facilidade na chave do humor com que envolve a interminável escaramuça doméstica, que, afinal é resolvida de maneira rápida e falsa. O outro casal, a menina Júlia Novaes e o inquilino Kauê Telloli, se desentende de outro modo (esse é o real plot da trama, que acaba por ficar a meio, e tem final inconcluso por deficiência da dramaturgia), mas com a mesma eficiência do par adulto. O restante do elenco – Virgínia Buckowski, Isabel Wolfenson, Verônica Sarno e Paula Ravache – mantém a vivacidade que marca a direção.  


Crítica/ Querida Helena Serguêuievna
À mestra, sem nenhum carinho 
Quando esse texto de Ludimila Razumovskaia foi censurado na década de 80, a Rússia ainda fazia parte da União Soviética e o comunismo estava vivo, apesar de ter dificuldade de camuflar as suas fraturas. A peça de Razumovskaia, em cartaz no Teatro Poeirinha, captura, exatamente, esse momento de transição, a passagem de um regime em ocaso com suas contradições sociais e a ausência de futuro, minimamente, vislumbrado para seus cidadãos. A professora solitária que recebe a visita inesperada, no dia de seu aniversário, de grupo de alunos que, aparentemente, chegam à sua casa para comemorar a data, mas que, no entanto, tem outra intenção. Procuram coagir a professora a adulterar as notas de prova, já que ela tem as chaves do armário onde estão guardados os resultados. Aos poucos e através de insidiosos aliciamentos e depois de explícita violência, os quatro alunos se desmascaram, acentuando o confronto com a detentora da chave que constata, através de cada um deles, manifestações da falência do sistema educacional e dos princípios alardeados pelo regime. Desajustados, com objetivos de vida mesquinhos, os jovens estão diante de uma mulher que, seguindo os padrões que lhe foram impostos, defende princípios desprezados pelos estudantes. Painel de uma Rússia em crise política e social está por trás desse drama que reforça o conflito como arma para debater os receios de presente esfacelado que prenuncia futuro incerto. A direção de Isaac Bernat se apropria da dramaticidade e da ação progressiva que move os garotos invasores para intensificar a movimentação e acelerar o ritmo narrativo. Não é muito fácil conduzir elenco, obrigatoriamente muito jovem e, portanto, justificadamente inexperiente, em sintonia com aceleração pretendida pelo diretor, sem que se perca a força do embate. Bernat até  consegue, ainda que só parcialmente. A cenografia de Dóris Rollemberg dispõe com funcionalidade do espaço do teatro. O cuidado e o empenho desta produção se expande para os  figurinos da equipe Espetacular!, para a direção musical de Tato Taborda, direção de movimento de Maria Alice Poppe e iluminação de Aurélio de Simoni. O elenco dos garotos – Fábio Enriquez, Gabriel Vaz, João Pedro Zappa e Marina Provenzano – demonstra percepção cênica, postura de palco e disciplina interpretativa, mas ainda está um tanto imaturo. Helena Varvaki se entrega à professora numa atuação íntegra, revelando o quanto acredita na possibilidade de traduzi-la em sua alargada humanidade. A atriz, que nas primeiras cenas interioriza a timidez e a solidão da professora, mostrando-se menos à vontade na maneira como reage às agressões dos alunos. Helena atriz mantém o tom algo velado da voz e a contração corporal que tão bem serviu à Helena personagem no início, mas que a empobrece na quadra final. Não impulsiona a personagem com a mesma fragilidade e força provocada pelo estrupo da intimidade.       


Crítica/ Não Sobre Rouxinóis
Reportagem fotográfica para um drama-denúncia
Tennessee Williams, autor de Não Sobre Rouxinóis, que inaugura a simpática Sala Paulo Pontes do Teatro Net, é, indiscutivelmente um dos representantes mais expressivos do realismo psicológico da dramaturgia do século passado. O núcleo duro da sua obra – Um Bonde Chamado Desejo e A Margem da Vida é demonstrativo das suas melhores qualidades como dramaturgo. Mas seus primeiros e últimos textos se distanciam desse ponto de convergência qualitativa, como é o caso desta trama baseada em fato real que Williams escreveu em 1930, quando tinha 27 anos. Pode-se verificar que estão em processo de gestação, menos o universo dos sentimentos desgarrados e das ilusões perdidas, do que reportagem dramática sobre conflitos provocados pelo exercício despótico de poder em presídio em plena Depressão americana. As condições em que vivem os presos, as atitudes arbitrárias do diretor e a greve de fome que desencadeia o desfecho trágico, são mediadas pela presença de jovem datilógrafa, que se apaixona por um dos detentos. A arquitetura dramática é bem armada e os diálogos  reproduzem linguajar e tensão carcerários. Qualidades nada desprezíveis, mas que não alcançam maiores vôos, senão os da correção do playwriting e  artesania, melhor exercida em investidas futuras do autor.
Com direção de João Fonseca e Vinícius Arneiro – é sempre difícil perceber  o quanto essa divisão de tarefas se unifica na linguagem de um espetáculo – Não Sobre Rouxinóis tem abordagem jornalística, de exposição factual de caso verídico. O realismo fotográfico que a dupla confere à encenação traça com tintas carregadas imagens reproduzidas como registro de fatos. E numa montagem com mais de uma dezena de personagens, alguns circunstanciais, outros definidos, mas praticamente todos de contornos realistas, há que torná-los críveis, capazes de se fazerem verdadeiros, e não poses vivas. Há um enorme desequilíbrio no elenco, em que atores que têm que exteriorizar atitudes, enveredam pela composição exacerbada. Outros, que têm a responsabilidade de encontrar desenho mais psicológico, ficam bem aquém dessa linha. Os diretores se alinharam com o material pelo arcabouço genérico do drama-denúncia, e mesmo neste caminho, não dispuseram de elenco capaz de o levar muito adiante. A cena inicial, irônica e de certo modo evocativa, é mal construída e passa meio despercebida, ao que se junta a atuação insatisfatória de Nilvan Santos. Thelmo Fernandes transmite a impressão de que aciona uma chave de seu registro interpretativo, e segue sem maiores percalços. Eduardo Rieche está um tanto rígido e mecanizado, sem aproveitar-se das poucas alternativas que lhe oferece o Canário. Júlia Marini como a secretária está pouco à vontade, projetando gesticulação e voz como se estivesse ensaiado detalhadamente cada movimento, sem harmonizá-los. Os demais, se distribuem entre maneirismos físicos e atuações simplórias. O cenário de Nello Marrese e Natália Lana é sugestivo com seus tubos que lembram grades, e o figurino de Mauro Leite  e o visagismo de Uirandê Holanda confirmam bem aquilo que se quer retratar.            

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sexta-feira, 1 de junho de 2012

20ª Semana da Temporada 2012


Espetáculos do grupo Dragão Voador, que se apresentam em dias alternados no Espaço Sergio Porto, pretendem confrontar e transgredir linguagens.

Crítica/ Amérika!
Abismo entre o dito e o visto 
Amérika é a mais recente montagem de pesquisa teatral, iniciada há quatro anos pelo grupo Dragão Voador, liderado por Joelson Gusson, é conceituada como “sobre a materialidade e a finitude das coisas”. E como nos espetáculos anteriores, Joelson procura referendar a cena com teorizações e citações filosóficas em detalhados textos nos programas. Mas há um grande abismo entre o dito e o visto. Também em Amérika, a conceituação do diretor não é o bastante para apoiar a sucessão de quadros sobre a sociedade de consumo, o desperdício estimulado pela publicidade e a ilusão do lazer, senão como evidência de argumento inexpressivo de roteiro convencional e visão critica óbvia. Transformando em imagem recorrente, o consumo contemporâneo de variadas modalidades de lixo, que a cada cena vai se acumulando e sendo, materialmente jogado no palco após cada quadro até formar um mar de detritos em que são mergulhadas as pequenas histórias. A posição crítica em relação ao consumismo sob quaisquer das suas manifestações se mantém em nível de rasteira superficialidade, acentuada pela pretensão conceitual proposta pelo Dragão fora de cena. Utilizando os signos do desperdício, da fatuidade dos comportamentos, da divulgação pela mídia de cultura banalizada, o roteiro, praticamente, recria a imagem de cada um desses elementos, sem interferir em sua métodos e formas alienadoras. Nem mesmo pelo aspecto descartável do binômio consumismo-alienação repercute o suposto humor que, pretensamente, atingiria o conteúdo das mazelas. O espetáculo mais referenda pela forma como dá materialidade ao universo retratado do que se  debruça sobre aquilo que critica. A intenção de dar o título de Amérika!  demonstra bem que o alcance e o desejo de conotar a encenação com fundamentações resulta no desvendamento de suas limitações. No máximo, o espetáculo pode ser vagamente enquadrado num agit-prop, como um panfleto ecológico de um humorístico popularesco.     


Crítica/ Manifesto Ciborgue

Transcrição do dejá vu
A ambição de Joelson Gusson em Manifesto Ciborgue é bem maior do que a capacidade de  traduzí-la no palco. Há uma vasta fundamentação teórica a justificar a perspectiva cênica adotada, outro tanto de ousadia para estabelecer código que se cifra na sua própria invenção, e meios que se multiplicam para apreender peculiar conceito de humor. Nesta concepção e direção de Gusson se insuflam tantas e tão variadas idealizações de uma cena atualizada pelo seu tempo e subvertida nas suas propostas, que resulta na diluição daquilo a que se propõe interferir e modificar. O corpo está no eixo deste manifesto, submetido às transformações sociais que, ciberneticamente, desejam manipulá-lo como utopia de perfeição física. A decomposição e as fraturas que surgem na arquitetura deste desenho sublinhado de vazio virtual, tentam aprisionar o que escorre por entre cirurgias reparadoras e tempos destruidores. Poema de WJ Solha, usado em uma das cenas, demonstra o alcance e os propósitos do diretor. Em um dos trechos, destaca: “capto que somos – todos – um mundo de picassos pounds e joyces/ requentados que continuam avançando – sim – mas como as unhas de um cadáver ou flor colhida em jarro!(...) nós não passamos de um bando de frankensteins.” O projeto de característica marcadamente pessoal, concentra em um único criador, praticamente, toda a sua realização. Gusson, como idealizador e diretor, acrescenta ainda as funções de cenógrafo e figurinista, programador visual e produtor, o que talvez tenha lhe roubado a distância necessária para transmitir com
alteridade as incontornáveis e explícitas referências. Os atores se dispõem, com desabrida entrega, a levar adiante num registro performático o que se imagina transgressor, mas o que somente é transcrição do déjà vu.


                                                          macksenr@gmail.com