quarta-feira, 20 de junho de 2012

22ª Semana da Temporada 2012


Dramaturgia Brasileira em Perspectiva

Crítica/ Alguém Acaba de Morrer Lá Fora
Banalidades tratadas de maneira banal 
Jô Bilac, que assina este texto em cartaz no Teatro do Sesi, é um prolífico dramaturgo que se inspira em gêneros, insiste em citações e lembra outros autores. Não disfarça a sua admiração por histórias policiais, pela reprodução de tramas já roteirizadas pelo cinema, e por invocação da dramaturgia de Nelson Rodrigues. Esta salada de muitos ingredientes poucas vezes se combina com alguma originalidade ou mesmo com sofrível autonomia autoral. É o que acontece com Alguém Acaba de Morrer Lá Fora, que se autoexplica pelo título e avança muito pouco além desta constatação. A reunião de três desgarrados num bar, servido por garçom hiperativo, despejam as razões, ou a falta delas, para estar vagando por ali. A interação entre eles é dada por versões diferentes das mortes que ocorrem lá fora. A tríplice face de um acontecimento, tão explorado por narrativas do teatro, cinema e literatura, não inibiu Jô de recorrer ao artifício como se não fosse um recurso desgastado. A manipulação de tais referências se mostra ineficaz, desta vez por rarefeito interesse que o entrecho provoca, afinal tratar banalidades de maneira banal não parece ser a melhor escolha.
O diretor Pedro Neschling procura revigorar esse entrecho chocho com alguma dinâmica cênica e com boa contribuição da cenografia de Nello Marrese. A presença dominante de uma juke box que sonoriza a ação e a rotação manual do cenário, acompanhando os diferentes ângulos da narrativa, envolvem com relativo sopro criativo o desinteressante texto. O quarteto do elenco tem nas atrizes Lucélia Santos, em interpretação maneirista, e Vitória Frate, que incorpora uma jovem a la mode, contrapontos menos resolvidos frente aos atores Pedro Nercessian, numa vibração bem maior do que possui o personagem, e Ricardo Santos, que constrói uma figura surpreendemente patética. 

  
Crítica/ Nada
Instalação plástica em torno de causos domésticos
Manoel de Barros é quem está por trás de Nada, cartaz do Oi Futuro Flamengo. É do poeta mato-grossense o espírito desta encenação, triplamente assinada por Adriano Guimarães, Fernando Guimarães e Miwa Yanagizawa, e que captura o sentimento de uma poética para transfigurá-lo em narrativa teatral. Frases, poemas, casos, as peculiaridades de uma poesia que se define como acúmulo de impressões desimportantes de um mundo regional e de uma cultura marcada pela natureza são transpostas para trama familiar. Sete personagens recebem a plateia de pouco mais de 30 espectadores para a comemoração do patriarca da família quando completa 80 anos. Em torno da mesa posta e de cadeiras dispostas à sua volta, onde se acomoda o público, supostamente os convidados, são oferecidos petiscos, sucos, cachaça, biscoito da sorte com mensagens de Barros, numa tentativa de integrar espectadores a atores, papéis e funções, e deste modo aproximar comportamentos. Mas a ação, necessária no estabelecimento da linguagem cênica e que os diretores intentam constituir como transmutação desta própria linguagem, se mostra postiça no seu naturalismo proposital e na realidade que é dada pelo consumo dos alimentos. Faz-se um esforço de teatralizar a comemoração, propor a representação de uma festa de família, com seus comentários banais, desavenças afloradas e exaltações ritualizadas, utilizados como pretextos para inserir causos e o imaginário verbal de Manoel de Barros. Essa superestrutura é insuficiente para embrulhar de modo menos mecânico a seleção de frases do autor e capturar seu espírito. A instalação plástica de variados vidros, localizada nos extermos da cena, é de belo impacto visual, mas não chega a integrar-se à cena, já que antes de lembrar objetos de uso, depositário de uma velha cristaleira das salas antigas ou a fragilidade do material quebradiço de que são feitas as relações familiares, se parece mais com elemento decorativo, dissociado da mesa doméstica. O problema da dramaturgia desestrurante em em sua vaga linearidade (a relação com a plateia em seu frágil naturalismo não projeta a veracidade realista da situação) se agrava pelo desconexo desenvolvimento da trama (vide a entrada intempestiva da noiva fugidia, a reação de negação inicial, sua aceitação em seguida, e seu incompreensível desaparecimento). Não há evolução dramática que escalone as situações, de modo que a longa pausa para que os espectadores se sirvam, o constragido convite para que dancem com os atores e o final apagado sucumbem e estão longe da atomsfera imaginada pelos diretores. A ralentada ação e os diálogos contrabandeados de citações de Manoel de Barros soam inexpressivos e criam para o elenco dificuldades para projetá-los. Liliane Rovaris, pelo caráter declinante da sua personagem, consegue aproximar-se de um desenho mais sólido. Marília Simões, apesar da improbabilidade de sua personagem, tem silenciosa e visível presença em cena. Adriano Garib, Camila Evangelista, Lafayette Galvão, Miwa Yanagizawa e Rodrigo Lélis formam um coletivo integrado à estrutura da montagem.                 


Crítica/ Uma Noite Na Lua
Um homem no palco pensando como iluminar uma frase
João Falcão, autor do texto e da música, iluminador e diretor de Uma Noite na Lua, em cartaz no Teatro do Jockey, coloca em cena um homem angustiado que passeia pelos seus sentimentos. Um tímido que perdeu a amada, imginando reencontrá-la em uma festa, pretendendo oferecer-lhe uma peça ainda não escrita. É apenas um homem, solto no palco, com a frase inicial da peça por ser escrita (“um homem em cima de um palco pensando”). É alguém que escreve a si mesmo e a futura peça como um único fluxo de pensamento, o mesmo que a plateia assiste como o espetáculo teatral que se lhe apresenta. Monólogo em que as idéias, ou a dificuldade de ordená-las, para atravessar a frase inicial, demonstra a tensão de criar e de conquistar o objeto amado, de pensar e mostrar o que pensa, de ser um personagem em permanente desdobrar narrativo. O que e como dizer? Como se expressar na criação e no afeto? João Falcão brinca com um mundo de vozes e de palavras que contam das emoções que perambulam pelas zonas misteriosas dos sentimentos. Na direção, Falcão simplifica o jogo narrativo com o palco nu, em que a iluminação funciona como coautora, acompanhando os movimentos evocativos, talvez, de um vagabundo de Chaplin ou de Beckett, figuras inspiradores do ator para a representação de si mesmo. Gregório Duvivier se insinua, ora como um, ora como outro, intérprete cirúrgico de melancólico e poético desejo de reencontrar a amada, preencher de teatro o que no papel em branco é apenas uma primeira frase para tentar iluminar uma noite na lua.     


Crítica/ Pai
Imprecações contra a figura paterna
Cristina Mutarelli, autora deste texto em cartaz no Midrash, ficcionou uma relação seminal, aquela que se estabelece e se estrutura a partir da figura paterna. É dele que Mutarelli fala de modo, ao mesmo tempo, ressentido e arrebatado, magoado e irritado e a quem atribui o fracasso na vida da personagem. Num fluxo de pensamento delirante e irracional, a filha investe contra o pai, próximo da morte, debilitado, com ausências, atribuindo-lhe a carga de infelicidade com que conviveu toda a vida. Nesta avaliação, a filha ainda o acusa de impedir que ela realize a plenitude de seus anseios e que anule seus íntimos desejos. Surge, então, uma mulher incapaz de agradar ao pai e a todos com quem compartilha a existência. O monólogo do acerto de contas acaba por se reduzir a esse embate. Nada leva a pensar nas razões, a não ser as que expõe, sem que por trás delas haja motivação mais concreta. A escolha deste monólogo por Rita Elmôr pode ter sido determinado pela oportunidade que a atriz percebeu para exercício de interpretação. Mas como assina a direção, em parceria com Cristina Elias, e também a produção, pode-se imaginar a sua certeza na irrestrita possibilidades do monólogo. A sua atuação reflete essa ligação, desenhada com sinceridade, mas seria suficiente para melhor caracterizar aquilo que o texto não alcança? Rita Elmôr, somente residualmente, atinge os contornos de alguém que mais projeta sentimentos de repulsa do que propriamente revela a sua interioridade.          


Crítica/ Homens
Exposição de uma escrita intimista
Caio Fernando Abreu tem produção literária vasta que, basicamente, trata de sentimentos que envolvem a sexualidade e seus conflitos nos caminhos que percorrem na afirmação das emoções. Nos contos, novelas, correspondência, Caio Fernando revela escrita emocional, de características semibiográficas e expressão intimista, que tem exercido atração constante para ser transposta para o palco. Em Homens, em cartaz no Teatro do Leblon, essa transferência se concretiza na adaptação de contos, através de fracionamento narrativo que compõe a adaptação e que alcança unidade cênica. O roteiro, habilidoso na interrupção da sequencia das pequenas histórias que se misturam, quebrando a linearidade, mas sustentando o rendilhado da trama. A ação se estabelece pela dinâmica da dialogação e pela movimentação que impulsiona cada um dos quadros, adicionando autonomia expressiva ao caráter literário da origem. A versão do diretor Delson Antunes ganha vida em paralelo a sua pulsação dramática. Como Antunes acumula as duas funções, a sua encenação, provavelmente, foi concebida juntamente com a escrita, favorecendo-se da dramaturgia cênica. A montagem é ágil, com movimentação vertiginosa dos atores (merece registro o trabalho corporal de Ana Beviláqua) e a solução cenográfica ( portas em série de Teca Fichinski) que na sua simplicidade corresponde à intensidade que é a marca do espetáculo. Em um tal espetáculo e com esta estrutura, o ajustamento do elenco – Yuri Saraiva, Ailton Vasconcelos, Vinícius Cristovão, Thiago Chagas, Yuri Gofman, Danilo Sacramento, Carlos Porto – acompanha as suas premissas. Sem maiores destaques, o que sobressai é o conjunto, totalmente integrado na encenação e que se exprime na mesma sintonia do universo de Caio Fernando Abreu.       


Crítica/ O Céu Está Vazio
Emoções fantasiadas contra ruídos ensurdecedores
Julia Spadaccini, autora desta montagem de Jorge Caetano em cartaz no Teatro Café Pequeno, tem uma dramaturgia, senão original, ao menos instigante. Na constatação do que contém o céu, Spadaccini desce ao solo aparente dos comportamentos para figurar o vazio, revisto de alto a baixo, através de trio familiar e dos que gravitam em torno dele. As vestes das fantasias psicológicas e sociais se ajustam aos corpos e as emoções como escudos para o barulho ensurdecdor ao redor. Um homem que não sabe de si, apenas vive a mediocridade da paternidade. O filho, que se traveste de emo para maquiar sentimentos que não sabe demonstrar, e as mulheres que se confundem nas suas emoções da feminilidade. Numa cenarização realista, Spadaccini remexe no way of living desses tempos tão cheios de exteriorizações e tão descarnados de significados. Não que a autora explore ou dimensione essas preocupações muito além desse quado realista, mas o texto traz imagens que vão além, e as sustenta poeticamente. O diretor Jorge Caetano é o fiel dessa duplicidade, dosando o realismo da ação com outro padrão estilístico. Com projeções adolescentes, figurinos adequados e iluminação correta, a montagem se completa na sua fluida comunicabilidade com o ajustado elenco (Paulo Giardini, Priscila Steinman, Rael Barja, Thaís Tedesco e Ticiana Passos).

                                                             macksenr@gmail.com