Dramaturgia
Brasileira em
Perspectiva
Crítica/ Alguém
Acaba de Morrer Lá Fora
Banalidades tratadas de maneira banal |
Jô
Bilac, que assina este texto em cartaz no Teatro do Sesi, é um prolífico
dramaturgo que se inspira em gêneros, insiste em citações e lembra outros
autores. Não disfarça a sua admiração por histórias policiais, pela reprodução
de tramas já roteirizadas pelo cinema, e por invocação da dramaturgia de Nelson
Rodrigues. Esta salada de muitos ingredientes poucas vezes se combina com
alguma originalidade ou mesmo com sofrível autonomia autoral. É o que acontece
com Alguém Acaba de Morrer Lá Fora,
que se autoexplica pelo título e avança muito pouco além desta constatação. A
reunião de três desgarrados num bar, servido por garçom hiperativo, despejam as
razões, ou a falta delas, para estar vagando por ali. A interação entre eles é
dada por versões diferentes das mortes que ocorrem lá fora. A tríplice face de
um acontecimento, tão explorado por narrativas do teatro, cinema e literatura,
não inibiu Jô de recorrer ao artifício como se não fosse um recurso desgastado.
A manipulação de tais referências se mostra ineficaz, desta vez por rarefeito
interesse que o entrecho provoca, afinal tratar banalidades de maneira banal
não parece ser a melhor escolha.
O
diretor Pedro Neschling procura revigorar esse entrecho chocho com alguma
dinâmica cênica e com boa contribuição da cenografia de Nello Marrese. A
presença dominante de uma juke box que sonoriza a ação e a rotação manual do
cenário, acompanhando os diferentes ângulos da narrativa, envolvem com relativo
sopro criativo o desinteressante texto. O quarteto do elenco tem nas atrizes
Lucélia Santos, em interpretação maneirista, e Vitória Frate, que incorpora uma
jovem a la mode, contrapontos menos
resolvidos frente aos atores Pedro Nercessian, numa vibração bem maior do que
possui o personagem, e Ricardo Santos, que constrói uma figura surpreendemente
patética.
Crítica/ Nada
Instalação plástica em torno de causos domésticos |
Manoel
de Barros é quem está por trás de Nada,
cartaz do Oi Futuro Flamengo. É do poeta mato-grossense o espírito desta
encenação, triplamente assinada por Adriano Guimarães, Fernando Guimarães e
Miwa Yanagizawa, e que captura o sentimento de uma poética para transfigurá-lo
em narrativa teatral. Frases, poemas, casos, as peculiaridades de uma poesia
que se define como acúmulo de impressões desimportantes de um mundo regional e
de uma cultura marcada pela natureza são transpostas para trama familiar. Sete
personagens recebem a plateia de pouco mais de 30 espectadores para a comemoração
do patriarca da família quando completa 80 anos. Em torno da mesa posta e de cadeiras
dispostas à sua volta, onde se acomoda o público, supostamente os convidados,
são oferecidos petiscos, sucos, cachaça, biscoito da sorte com mensagens de
Barros, numa tentativa de integrar espectadores a atores, papéis e funções, e deste
modo aproximar comportamentos. Mas a ação, necessária no estabelecimento da
linguagem cênica e que os diretores intentam constituir como transmutação desta
própria linguagem, se mostra postiça no seu naturalismo
proposital e na realidade que é dada
pelo consumo dos alimentos. Faz-se um esforço de teatralizar a comemoração,
propor a representação de uma festa de família, com seus comentários banais,
desavenças afloradas e exaltações ritualizadas, utilizados como pretextos para inserir
causos e o imaginário verbal de
Manoel de Barros. Essa superestrutura é insuficiente para embrulhar de modo
menos mecânico a seleção de frases do autor e capturar seu espírito. A
instalação plástica de variados vidros, localizada nos extermos da cena, é de
belo impacto visual, mas não chega a integrar-se à cena, já que antes de
lembrar objetos de uso, depositário de uma velha cristaleira das salas antigas ou
a fragilidade do material quebradiço de que são feitas as relações familiares,
se parece mais com elemento decorativo, dissociado da mesa doméstica. O
problema da dramaturgia desestrurante em em sua vaga linearidade (a relação com
a plateia em seu frágil naturalismo não projeta a veracidade realista da
situação) se agrava pelo desconexo desenvolvimento da trama (vide a entrada intempestiva da noiva fugidia, a reação de
negação inicial, sua aceitação em seguida, e seu incompreensível
desaparecimento). Não há evolução dramática que escalone as situações, de modo
que a longa pausa para que os espectadores se sirvam, o constragido convite
para que dancem com os atores e o final apagado sucumbem e estão longe da
atomsfera imaginada pelos diretores. A ralentada ação e os diálogos
contrabandeados de citações de Manoel de Barros soam inexpressivos e criam para
o elenco dificuldades para projetá-los. Liliane Rovaris, pelo caráter
declinante da sua personagem, consegue aproximar-se de um desenho mais sólido.
Marília Simões, apesar da improbabilidade de sua personagem, tem silenciosa e
visível presença em cena. Adriano Garib, Camila Evangelista, Lafayette Galvão,
Miwa Yanagizawa e Rodrigo Lélis formam um coletivo integrado à estrutura da
montagem.
Crítica/ Uma
Noite Na Lua
Um homem no palco pensando como iluminar uma frase |
João
Falcão, autor do texto e da música, iluminador e diretor de Uma Noite na Lua, em cartaz no Teatro do
Jockey, coloca em cena um homem angustiado que passeia pelos seus sentimentos.
Um tímido que perdeu a amada, imginando reencontrá-la em uma festa, pretendendo
oferecer-lhe uma peça ainda não escrita. É apenas um homem, solto no palco, com
a frase inicial da peça por ser escrita (“um homem em cima de um palco
pensando”). É alguém que escreve a si mesmo e a futura peça como um único fluxo
de pensamento, o mesmo que a plateia assiste como o espetáculo teatral que se
lhe apresenta. Monólogo em que as idéias, ou a dificuldade de ordená-las, para
atravessar a frase inicial, demonstra a tensão de criar e de conquistar o
objeto amado, de pensar e mostrar o que pensa, de ser um personagem em
permanente desdobrar narrativo. O que e como dizer? Como se expressar na
criação e no afeto? João Falcão brinca com um mundo de vozes e de palavras que
contam das emoções que perambulam pelas zonas misteriosas dos sentimentos. Na
direção, Falcão simplifica o jogo narrativo com o palco nu, em que a iluminação
funciona como coautora, acompanhando os movimentos evocativos, talvez, de um
vagabundo de Chaplin ou de Beckett, figuras inspiradores do ator para a
representação de si mesmo. Gregório Duvivier se insinua, ora como um, ora como
outro, intérprete cirúrgico de melancólico e poético desejo de reencontrar a
amada, preencher de teatro o que no papel em branco é apenas uma primeira frase
para tentar iluminar uma noite na lua.
Crítica/ Pai
Imprecações contra a figura paterna |
Cristina
Mutarelli, autora deste texto em cartaz no Midrash, ficcionou uma relação
seminal, aquela que se estabelece e se estrutura a partir da figura paterna. É
dele que Mutarelli fala de modo, ao mesmo tempo, ressentido e arrebatado,
magoado e irritado e a quem atribui o fracasso na vida da personagem. Num fluxo
de pensamento delirante e irracional, a filha investe contra o pai, próximo da
morte, debilitado, com ausências, atribuindo-lhe a carga de infelicidade com
que conviveu toda a vida. Nesta avaliação, a filha ainda o acusa de impedir que
ela realize a plenitude de seus anseios e que anule seus íntimos desejos.
Surge, então, uma mulher incapaz de agradar ao pai e a todos com quem
compartilha a existência. O monólogo do acerto de contas acaba por se reduzir a
esse embate. Nada leva a pensar nas razões, a não ser as que expõe, sem que por
trás delas haja motivação mais concreta. A escolha deste monólogo por Rita
Elmôr pode ter sido determinado pela oportunidade que a atriz percebeu para
exercício de interpretação. Mas como assina a direção, em parceria com Cristina
Elias, e também a produção, pode-se imaginar a sua certeza na irrestrita
possibilidades do monólogo. A sua atuação reflete essa ligação, desenhada com
sinceridade, mas seria suficiente para melhor caracterizar aquilo que o texto
não alcança? Rita Elmôr, somente residualmente, atinge os contornos de alguém
que mais projeta sentimentos de repulsa do que propriamente revela a sua
interioridade.
Crítica/ Homens
Exposição de uma escrita intimista |
Caio
Fernando Abreu tem produção literária vasta que, basicamente, trata de
sentimentos que envolvem a sexualidade e seus conflitos nos caminhos que
percorrem na afirmação das emoções. Nos contos, novelas, correspondência, Caio
Fernando revela escrita emocional, de características semibiográficas e
expressão intimista, que tem exercido atração constante para ser transposta
para o palco. Em Homens, em cartaz no
Teatro do Leblon, essa transferência se concretiza na adaptação de contos,
através de fracionamento narrativo que compõe a adaptação e que alcança unidade
cênica. O roteiro, habilidoso na interrupção da sequencia das pequenas
histórias que se misturam, quebrando a linearidade, mas sustentando o
rendilhado da trama. A ação se
estabelece pela dinâmica da dialogação e pela movimentação que impulsiona cada
um dos quadros, adicionando autonomia expressiva ao caráter literário da
origem. A versão do diretor Delson Antunes ganha vida em paralelo a sua
pulsação dramática. Como Antunes acumula as duas funções, a sua encenação,
provavelmente, foi concebida juntamente com a escrita, favorecendo-se da
dramaturgia cênica. A montagem é ágil, com movimentação vertiginosa dos atores
(merece registro o trabalho corporal de Ana Beviláqua) e a solução cenográfica
( portas em série de Teca Fichinski) que na sua simplicidade corresponde à intensidade
que é a marca do espetáculo. Em um tal espetáculo e com esta estrutura, o
ajustamento do elenco – Yuri Saraiva, Ailton Vasconcelos, Vinícius Cristovão,
Thiago Chagas, Yuri Gofman, Danilo Sacramento, Carlos Porto – acompanha as suas
premissas. Sem maiores destaques, o que sobressai é o conjunto, totalmente
integrado na encenação e que se exprime na mesma sintonia do universo de Caio
Fernando Abreu.
Crítica/ O Céu Está Vazio
Emoções fantasiadas contra ruídos ensurdecedores |
Julia Spadaccini, autora desta montagem de Jorge Caetano em cartaz no
Teatro Café Pequeno, tem uma dramaturgia, senão original, ao menos instigante.
Na constatação do que contém o céu, Spadaccini desce ao solo aparente dos
comportamentos para figurar o vazio, revisto de alto a baixo, através de trio
familiar e dos que gravitam em torno dele. As vestes das fantasias psicológicas
e sociais se ajustam aos corpos e as emoções como escudos para o barulho
ensurdecdor ao redor. Um homem que não sabe de si, apenas vive a mediocridade
da paternidade. O filho, que se traveste de emo
para maquiar sentimentos que não sabe demonstrar, e as mulheres que se
confundem nas suas emoções da feminilidade. Numa cenarização realista,
Spadaccini remexe no way of living desses
tempos tão cheios de exteriorizações e tão descarnados de significados. Não que
a autora explore ou dimensione essas preocupações muito além desse quado
realista, mas o texto traz imagens que vão além, e as sustenta poeticamente. O
diretor Jorge Caetano é o fiel dessa duplicidade, dosando o realismo da ação
com outro padrão estilístico. Com projeções adolescentes, figurinos adequados e
iluminação correta, a montagem se completa na sua fluida comunicabilidade com o
ajustado elenco (Paulo Giardini, Priscila Steinman, Rael Barja, Thaís Tedesco e
Ticiana Passos).
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