Espetáculos do grupo Dragão Voador, que se
apresentam em dias alternados no Espaço Sergio Porto, pretendem confrontar e
transgredir linguagens.
Crítica/ Amérika!
Abismo entre o dito e o visto |
Amérika é a mais recente montagem de pesquisa
teatral, iniciada há quatro anos pelo grupo Dragão Voador, liderado por Joelson
Gusson, é conceituada como “sobre a materialidade e a finitude das coisas”. E
como nos espetáculos anteriores, Joelson procura referendar a cena com
teorizações e citações filosóficas em detalhados textos nos programas. Mas há
um grande abismo entre o dito e o visto. Também em Amérika, a conceituação do diretor não é o bastante para apoiar a
sucessão de quadros sobre a sociedade de consumo, o desperdício estimulado pela
publicidade e a ilusão do lazer, senão como evidência de argumento inexpressivo
de roteiro convencional e visão critica óbvia. Transformando em imagem
recorrente, o consumo contemporâneo de variadas modalidades de lixo, que a cada
cena vai se acumulando e sendo, materialmente jogado no palco após cada quadro
até formar um mar de detritos em que são mergulhadas as pequenas histórias. A
posição crítica em relação ao consumismo sob quaisquer das suas manifestações
se mantém em nível de rasteira superficialidade, acentuada pela pretensão
conceitual proposta pelo Dragão fora de cena. Utilizando os signos do
desperdício, da fatuidade dos comportamentos, da divulgação pela mídia de
cultura banalizada, o roteiro, praticamente, recria a imagem de cada um desses
elementos, sem interferir em sua métodos e formas alienadoras. Nem mesmo pelo
aspecto descartável do binômio consumismo-alienação repercute o suposto humor
que, pretensamente, atingiria o conteúdo das mazelas. O espetáculo mais referenda
pela forma como dá materialidade ao universo retratado do que se debruça sobre aquilo que critica. A
intenção de dar o título de Amérika! demonstra bem que o alcance e o desejo
de conotar a encenação com fundamentações resulta no desvendamento de suas limitações.
No máximo, o espetáculo pode ser vagamente enquadrado num agit-prop, como um panfleto ecológico
de um humorístico popularesco.
Crítica/ Manifesto
Ciborgue
Transcrição do dejá vu |
A ambição de Joelson Gusson em Manifesto Ciborgue é bem maior do que a
capacidade de traduzí-la no palco.
Há uma vasta fundamentação teórica a justificar a perspectiva cênica adotada, outro tanto de ousadia para estabelecer código que se cifra na sua própria invenção, e meios que se multiplicam para apreender peculiar conceito de humor. Nesta concepção e direção de Gusson se insuflam tantas e tão variadas idealizações de uma cena atualizada pelo seu tempo e subvertida nas suas propostas, que resulta na diluição daquilo a que se propõe interferir e modificar. O corpo está no eixo deste manifesto, submetido às transformações sociais que, ciberneticamente, desejam manipulá-lo como utopia de perfeição física. A decomposição e as fraturas que surgem na arquitetura deste desenho sublinhado de vazio virtual, tentam aprisionar o que escorre por entre cirurgias reparadoras e tempos destruidores. Poema de WJ Solha, usado em uma das cenas, demonstra o alcance e os propósitos do diretor. Em um dos trechos, destaca: “capto que somos – todos – um mundo de picassos pounds e joyces/ requentados que continuam avançando – sim – mas como as unhas de um cadáver ou flor colhida em jarro!(...) nós não passamos de um bando de frankensteins.” O projeto de característica marcadamente pessoal, concentra em um único criador, praticamente, toda a sua realização. Gusson, como idealizador e diretor, acrescenta ainda as funções de cenógrafo e figurinista, programador visual e produtor, o que talvez tenha lhe roubado a distância necessária para transmitir com
alteridade as incontornáveis e explícitas referências. Os atores se dispõem, com desabrida entrega, a levar adiante num registro performático o que se imagina transgressor, mas o que somente é transcrição do déjà vu.
alteridade as incontornáveis e explícitas referências. Os atores se dispõem, com desabrida entrega, a levar adiante num registro performático o que se imagina transgressor, mas o que somente é transcrição do déjà vu.
macksenr@gmail.com