Crítica/ Cine
Monstro
No palco branco, recoberto de projeções contrastantes, o ator inicia seu monólogo de vários sobre um filme de horror,
simplesmente, dizendo: babaca. É o começo de narrativa das (des)razões humanas,
cultivadas desde o escuro e silêncio do caos original, e de onde emerge essa
voz de palavra vulgar, que pede que se calem, santos e pecadores, para que se
ouçam os ruídos sussurrantes que envolvem o negror da projeção de um cinema
monstruoso. A partir destas imagens verbais, o autor canadense Daniel MacIvor disseca
em Cine Monstro, em cartaz no Oi
Futuro do Flamengo, o percurso de tantas histórias e múltiplos atalhos que
conduzem à retaliação do corpo narrativo. Vozes, aparentemente dissonantes e desconexas,
falam em uníssono sobre uma situação escabrosa, barulho vindo de filme de ação que
ressoa sentimentos de humanidade embutidos em ato de vilania. MacIvor envolve
muitos para falar de gesto solitário, utilizando um único intérprete num jogo
dramático em que as peças se movimentam em sentido inverso à lógica da moral e ao julgamento da ética. Enrique Diaz é o
aglutinador dessas sonantes vozes de interioridades, tanto como ator,
iluminador e diretor. Assim como no palco estão muitos, Diaz se multiplica para
compor unidade organicamente estética. É tal a integridade criativa que a
cenografia (Simone Mina) e a iluminação despojadas, a trilha sonora original
(Lucas Marcier), a tradução (Barbara Duvivier e Diaz), e a colaboração de
Marcio Abreu e Maneco Quinderé convergem para a atuação com detalhadas variantes
na construção e refração das vozes sombriamente reconhecíveis. Enrique Diaz se
utiliza de recursos comedidos, mas extremamente lúcidos e inteligentes como
interpretação, capazes de ampliar as firulas de um monólogo repleto de provocante
niilismo.
macksenr@gmail.com