sexta-feira, 9 de agosto de 2013

28ª Semana da Termporada 2013


Questões de Autoria

Crítica/ Maravilhoso
A cidade e o carnaval para reacender indignações 
Diogo Liberano, autor desse texto em cartaz no Teatro Glaucio Gill, escreveu Sinfonia Sonho, sua peça anterior, baseada nas mesmas premissas de Maravilhoso. Em Sinfonia, um fato real (invasão e morte em escola no subúrbio do Rio) estabelecia interligação do individual ao coletivo com uma poética dramática que criava verdadeira dramaturgia. Em Maravilhoso, o mecanismo já não funciona com tanta veracidade. O personagem é a cidade e suas fraturas sociais, representadas por bicheiro, desempregado, jornalista de caráter duvidoso, patricinha e evangélica, que circulam em torno de desfile das escolas de samba. Os subterrâneos e mazelas nada maravilhosos de uma cidade dita maravilhosa contrastam apenas pela ironia na exploração dúbia do adjetivo. Liberano, mesmo sustentado diálogo ágil e intentando referência, ainda que imperceptível de clássico, constrói dicotomias e maniqueísmos de quadro sócio-político, deixando em plano secundário a possibilidade de fugir ao esquematismo que move a ação individual dos personagens. Sem atingir cada um deles como seres sociais e sem caracterizá-los como alguma autonomia individual, tornam-se figuras que representam mais categorias do que pessoalidades. A diretora Inez Viana até individualiza os personagens, mas pelo viés da caricatura. Seja por composição corporal acentuada (os movimentos sincopados no andar de Debora Lamm), pela expansão gestual e maneirismos (no bicheiro descontrolado de Marcio Machado), pela dificuldade de caracterizar personagens (a religiosidade de Carolina Pismel e a contradição do jornalista de Felipe Abib) e pela cena do filho no enterro da mãe (Paulo Verlings não consegue amenizar a pieguice), a diretora acaba reiterando o que já se revela nas imprecisões da escrita. A impressão é a de que Liberano reescreveu, inspirado por algumas das peças da década de 70 que procuravam acender indignações, requentando manifestações da cultura popular.

Crítica/ O Controlador de Tráfego Aéreo
Biografia com muitas vozes
O título informa na sua simplicidade o essencial do que se assiste no Teatro Serrador. Não há necessidade de se conhecer, previamente, a história de Silvano Monteiro, que divide a cena com outros sete atores e 30 espectadores, sentados em círculo no palco à volta de uma mesa. A profissão de Monteiro, fica-se a saber pelo título e pelos desdobramentos da sua vida, que surgem, redimensionados por empréstimos de fragmentos de textos, cuidadosamente, selecionados. O que se propõe e que se transforma em vitalizada experiência de dramaturgia cênica é a criação de espaço expressivo no qual se estabelecem vozes múltiplas que ampliam a biografia deflagradora. Na trilha em que o diretor Moacir Chaves desenvolve suas montagens, O Controlador de Tráfego Aéreo se modela sobre iguais premissas, como a leitura de documentos que dramatizam a cena, sendo ela mesma construída sobre o desvendamento que a realidade administrativa do papel pode provocar com sua frigidez burocrática. Neste caso, pareceres médicos e jurídicos são apresentados na sua própria linguagem, e como tal interpretados, contrastando com as realidades da existência. É neste espaço, no interregno entre o documento e o ato, que a cena de Chaves se integra. O diretor-autor recorre a trechos de outras peças, dramáticas, trágicas, ficcionais, filosóficas, para compor a circularidade das palavras que acompanha a formação física da plateia. Nos fragmentos irônicos de utopias e crônicas sociais, da crueza de males variados e do niilismo machadiano, emerge o fio que tece a envolvência e estende a narração para além da história individual. A excelente iluminação de Aurélio de Simone, o sintonizado elenco (Silvano Monteiro, Danielle Martins de Farias, Fernando Lopes Lima, Kassandra Speltri, Leonardo Hinckel, Luisa Pitta e Rafael Mannheimer), a segura dramaturgia e encenação de Moacir Chaves confirmam as bases sobre os quais o diretor fixa, com crescente autoridade autoral, sua marca como encenador.      

Crítica/ Cucaracha
Destino onírico de que nem as baratas escapam
Jô Bilac, que assina este texto em cartaz no Teatro Glaucio Gill, é um dos mais prolíficos autores da nova dramaturgia carioca, produzindo peças em série, abordando universos tão diversos quanto obsessões rodriguianas, filmes noir e derivativos da cultura pop. Nem sempre a dispersão temática se traduz em peças que revelem idéias, reduzidas e esvaziadas na superficialidade pelo que não se tem a dizer e na precariedade técnica de como fazê-lo. Cucaracha permite desvendar rumo mais consistente na trajetória dramatúrgica de Bilac, em especial por conduzir a narrativa, despregando-se do uso de algum gênero em favor de original jogo dramático. Paciente em coma e enfermeira dialogam ou monologam - a percepção de uma e outra forma é a razão do entrecho - num plano entre realidade e inconsciência, em que se projetam possibilidades de liberdade. A relação entre elas se nutre da subjetividade de cada uma, rebatida pela concretude do que surge da angústia de ambas e que se expressa num espaço onírico e escapista. O diretor Vinicius Arneiro compõe imaginário cênico para o percurso das personagens que as conduzem à inevitabilidade do destino do qual nem mesmo as baratas podem escapar. Arneiro desenha esse arco de sentimentos numa montagem que, de início, parece asséptica, mas que em movimentos sutis e ambiente de estranhamento se adensa, convergindo para exposição delicada da misteriosa consciência de existir. Carolina Pismel e Júlia Marini têm interpretações de alta voltagem, capazes de transmitir de maneira poética as imponderáveis engrenagens do sonho ou pesadelo. O cenário de Aurora dos Campos na quebra do branco hospitalar se integra à cor em degradé do figurino de Thanara Schonardie, aliados à iluminação de Paulo César Medeiros e à música de Daniel Belquer valorizando montagem competente e o melhor texto do autor.    

Crítica/ Nem Mesmo Todo o Oceano
Tradução física da violência da repressão
Ao entrar no Espaço Sesc, o publico já encontra os atores na arena, jogando bola num esquentamento que sugere um qualquer esporte sem disputa. A movimentação dos atores se prolonga como prólogo à adaptação de Inez Viana para o romance de Alcione Araújo, preestabecendo as características de coringa-jogral para o estilo da encenação. Os seis atores – Leonardo Brício, Iano Salomão, Jefferson Schroeder, Junior Dantas, Luis Antonio Fortes e Zé Wendell – se revezam na dezena de papéis, formando coletivo interpretativo que transfere, de um a outro, a bola da atuação. O tom se distende num coral de vozes e coreografia de ações, rebatendo a narrativa sobre a ditadura militar em maratona de quadros rápidos e corrida por desenho grupal. A opção da diretora, ao mesmo tempo em que dá agilidade à encenação, por outro lado retira-lhe o enfrentamento mais vertical do que está proposto no romance. O rapaz do interior que vem para o Rio cursar medicina e se enreda em contradições diante daquilo que a situação repressora e violenta o sujeita, se perde numa tradução física. A adaptação também não evita o excesso de informação sobre o periodo que o romance caudaloso derrama em quase 800 páginas. A historicidade asfixia a concentração na figura central, que é afogada pelo quadro dos acontecimentos e tendo comportamento algo mecaniscista frente à sua ausência de ideologia. E há ainda a previsibildade da trama, em que encontros são antevistos e o desfecho facilmente antecipável. A cenografia despida de Flávio Souza cria projeções circulares na arena com bom efeito visual.   

                                                macksenr@gmail.com