Crítica/ Aquela Outra
A mesma feminilidade em dois tempos |
Lícia Manzo, autora de Aquela Outra, demonstra sensibilidade de retirar das relações contemporâneas, aspectos que possam levá-la a fazer comentários sobre aquilo que provoca os desajustes mais comuns no cotidiano. Se no texto anterior, História de Nós Dois, encenado com grande resposta de público, a autora tratava dos desencontros de um casal em processo de separação, no atual, em cartaz no Teatro do Leblon, estabelece contraponto entre duas mulheres (ou seriam duas feminilidades?) em épocas diferentes. A que vive em 1959, é mãe de família, dona de casa, dedicada aos filhos, servindo ao marido, mas frustrada pela ausência de qualquer possibilidade de se realizar profissionalmente. A que está bem instalada profissionalmente neste 2011, com um filho cuja convivência delega a alguém e namorado que não coabita com ela, vive mergulhada na insatisfação de não ter domínio de seu tempo e da sua existência. O paralelismo das frustrações e das vontades não realizadas em tempos contrastados é o que Lícia Manzo propõe nesta comédia de costumes em formato de dois monólogos que se entrelaçam no diálogo sobre as dúvidas de uma (a atual) e de outra (a do passado). Lícia descreve as condições culturais que marcam o feminino e as condicionantes para que a mulher possa se expressar mais amplamente como ser social. Os problemas que afligiam as pioneiras do feminismo são mostrados através das suas consequências práticas, mas sem avançar muito na discussão das suas contradições teóricas. Clarice Niskier organiza a cena, centrando-se na nas atrizes. Há uma tentativa de individualizar as atuações por meio dos traços das épocas. Deste modo, quando acontece a interação entre os tempos, os registros dos anos tendem a parecer menos determinados pela cenografia, figurinos ou referências às modificações tecnológicas (recurso um tanto evidente e previsível do texto). A diretora conduz o elenco, apontando em cada uma das intérpretes, o que seria marcante em comportamento na época. A solução cenográfica de Luís Martins é simples, mas integra bem os anos 50 com a atualidade, assim como os figurinos de Kika Lopes. Merece citação a música de Marcelo Alonso Neves. Cristina Flores adota uma interpretação agitada, nervosa, de intensidade por demais composta. Tânia Costa equilibra melhor a narrativa da vida monótona e frustrada da dona de casa, como as atitudes intervenientes da personagem nos dias atuais.
Crítica/ Não Me Digas Adeus
Na busca de encontrar um rumo estilístico |
Em concursos de dramaturgia como o da Seleção Brasil em Cena do Centro Cultural Banco do Brasil, que atualmente apresenta no Teatro III o vencedor deste ano, Não Me Digas Adeus, de Juliano Marciano, qualquer avaliação precisa ser feita em cotejo com os demais concorrentes. Para os jurados desta edição, o texto de Juliano se destacou entre as mais de 250 inscrições, e foi considerado o melhor entre todos. Para quem é apenas espectador, as razões pelas quais Não Me Digas Adeus ganhou o primeiro prêmio ficam difíceis de compreender. Não que seja uma narrativa sem nenhuma qualidade, mas a medida para medi-las será a da montagem assinada por Gilberto Gawronski. Ao autor, pode-se atribuir alguma organização textual, e o esforço de reproduzir, estilisticamente, um melodrama. E pouco mais. Marciano conduz os diálogos e a trama perseguindo um melodrama cômico, mas não tem fôlego para levá-los muito longe. A convenção estilística não se revela suficiente como linguagem que abasteça o desenvolvimento narrativo. A direção e a cenografia de Gawronki criam ambientação cafona, com trilha musical que acompanha os derramamentos amorosos e as paixões suburbanas de canções populares, tentado enquadrar a brincadeira com as linguagens. O diretor não ultrapassa o crescente desinteresse que a trama provoca e o esgotamento da brincadeira, que depois de uma apresentação simpática (as primeiras cenas) não tem mais como se sustentar pela falta de apóio efetivo no texto. O jovem elenco – Diego Araújo, Nelson Yabeta, Nina Reis, Paula Jubé e Rafael Ferrão - demonstra empenho e entrega na medida do entusiasmo de estreantes recém saídos de escola de teatro. Essa alegria de estar em cena é superior a qualquer observação que se possa fazer em relação aos seus desempenhos.
Crítica/ Amor Confesso
O casamento em frenético ritmo cômico |
São oito contos de Arthur Azevedo sonorizados por seis canções de compositores populares e embalados por frenético ritmo cômico. A reunião desses elementos no palco do Centro Cultural dos Correios resulta na divertida encenação de Ignez Viana, que trata do casamento, através do viés da traição, com extremo bom humor. A dupla de atores, Claudia Ventura e Alexandre Dantas, costurou a dramaturgia cênica das histórias curtas de Azevedo com comicidade azeitada ao nosso tempo. Quase clownesco em alguns momentos, com ironia inteligente em outros, vivaz o tempo todo, o elenco enxuto, além do pianista Roberto Bahal, percorre com intensa movimentação os conflitos ingênuos de casais que avançam sobre os maliciosos maus costumes de sua época. A montagem estabelece um jogo dinâmico em que a apresentação dos contos é antecedida por simpática introdução para determinar seu enquadramento e aliciar a plateia. As músicas – de Vai Vadiar a Errei, Sim, de Mulata Assanhada a Futuros Amantes - se transformam em observações bem humoradas. A diretora utiliza o histrionismo dos atores para tornar ágil e aproveitar a inventividade do casal para deixar que não se quebre o ritmo. Tanto Claudia Ventura quanto Alexandre Dantas mantêm o humor, entre o físico e o chanchadístico, entre o palhaço e o cômico popular, justificando em uma hora e meia – talvez um corte fizesse com que essa agradável montagem fosse ainda mais animada –, tão despretensiosamente e com competência, a palavra divertimento, tantas vezes usada para apresentar certos espetáculos, mas que nem sempre cumprem o que anunciam.