quinta-feira, 17 de novembro de 2011

44ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Judy - O Fim do Arco- Íris

Claudia Netto canta e interpreta Judy Garland em tom evocativo
O período da vida da atriz e cantora Judy Garland que o autor de Judy - O Fim do Arco-Íris, Peter Quilter trouxe ao palco foi o da sua decadência física e artística. A estrelinha juvenil de o Mágico de Oz, desde os 13 anos submetida a estimulantes, a princípio por seus pais, depois pelos estúdios, para render o máximo aos bolsos de uns e às bilheterias dos outros, carregou ao longo de seus 47 anos (morreu em 1969) o estigma deste sucesso inicial, e a certeza de que foi usada como caixa registradora. É do fim, quando as anfetaminas e o álcool já não eram suficientes muletas para o medo de enfrentar a vida e o palco, que Quilter trata nesta biografia. Judy, sem muito futuro existencial e profissional, se apresenta na boate Talk Of The Town, em Londres, dividindo uma suíte de hotel, que não tem como pagar,  com seu jovem empresário e  seu veterano pianista. Os conflitos que surgem pelo declínio que as crises nervosas e as drogas provocam, revelam um quadro de inescapável ocaso. Os personagens reais dos dois homens que ficaram lado da cantora até a sua morte são meros coadjuvantes desse retrato sublinhado demais nas tintas e dosado de menos na dramaturgia. Acessórios para dissimular o formato de monólogo, afinal Judy é, essencialmente, trampolim para o salto de intérpretes com depurados recursos, o empresário e o pianista evidenciam, pelo esquematismo e o melodramático de seus desenhos, as fragilidades do texto. A dupla Claudio Botelho (tradução, adaptação e direção musical) e Charles Möller (direção), mais uma vez, impõe o seu selo de qualidade. Nesta montagem, se repetem o cuidado de produção, os arranjos e orquestrações (de Marcelo Castro) e a sofisticada sonoridade da orquestra. Mas os dois diretores, desta vez, aplicaram mais o seu know how tão bem cultivado por mais de duas décadas, do que criaram um musical com sotaque pessoal, como já fizeram em outros produções. Sabem, no entanto, tirar partido dos efeitos originais, como da cena em que, pela primeira vez, o cenário (de Rogério Falcão) transforma-se, por efeito cenotécnico, da suíte em palco de show. E ao longo do espetáculo, esses toques Botelho-Möeller se fazem presentes, como na gravação da voz embargada de Judy Garland ao cantar Over the Rainbow. Tanto Gracindo Junior quanto Igor Rickli têm desempenhos corretos diante das poucas oportunidades que seus personagens oferecem. Afinal, Judy - O Fim do Arco-Íris foi concebido para atrizes, e somente para elas. E Claudia Netto era uma dessas atrizes. (Mais um acerto da dupla Botelho/Möeller na sempre arguta escalação dos elencos). Não se trata de incorporar Judy Garland através de sua imagem no cinema e nos registros de seus espetáculos, mas de assumir a tensão permanente e o embate emocional da cantora como produto desgastado ao longo de sua manufatura. Claudia não abandona a gesticulação e muito menos a tonalidade vocal de Judy Garland, mas o faz como sugestão interpretativa, como elemento para compor perfil dramático, nunca melodramático. A atriz demonstra em tour de force técnico, com fôlego e  elaborada composição, o quanto agarrou com força e equilíbrio o desafio de evitar a transcrição literal. Claudia Netto canta Judy Garland como uma evocação, sem mimetismos gestuais ou cópias vocais, traçando no palco do Teatro do Fashion Mall, uma figura, ao mesmo tempo frágil e intensa, nervosa e desbocada, que incorpora, vivamente, para além do bom visagismo (de Beto Carramanhos) e da direção de movimento (de Alonso Barros). Nas 11 canções que interpreta, revela segurança em todas elas, mas em especial em The Man That Got Away, quando alcança um momento de excepcionalidade, seguida pela carga emocional que empresta à brasileira Insensatez (How Insensitive). Um trabalho adulto de uma atriz consagrada.


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