O Que Se Pode Ver até Domingo
Crítica/ Chopin & Sand: Romance Sem Palavras
Recital dramático para ouvir excelente música |
Walter Daguerre, autor de Chopin & Sand, em cartaz no Teatro do Leblon, demonstra, uma vez mais em sua carreira de dramaturgo, sensibildade para roteirizar temas para os quais é solicitado a escrever. Em outros trabalhos, já revelou esta capacidade de atender à encomendas, sem que com isto a extensão de sua dramaturgia seja prejudicada. Neste texto, Daguerre constrói recital dramático, em que a relação do compositor polonês com a escritora francesa é mostrada como choque de personalidades e estilhaços do processo de criação de ambos. Envolvidos pela música de Chopin, o casal perpassa a convivência como projeões de monólogos interiores. E o autor não economiza detalhes deste romance duradouro, já que percorreu o longo e tumultuado relacionamento, expondo as marcas deixadasna em Chopin e George Sand (pseudônimo literário de Aurore Lucile Dupin). O excesso de detalhes é responsável pela duração algo estendida da montagem. A diretora Jacqueline Laurence criou atmosfera de recital que, vagarosa e progressivamente, vai conquistando a platéia com o costurado diálogo entre música e dramática, numa narrativa crescente que se deixa levar em fluida corrente. Cenário e figurino de Ronald Teixeira adequados; iluminação de Renato Machado bem desenhada; participação no piano de Linda Bustani em alto nível de execução. Françoise Fourton e Marcelo Nogueira no elenco, se desemcumbem com cuidado de seus papéis, conjugando o espírito de um espetáculo de contornos bem convencionais, com o prazer de ouvir excelente música.
Crítica/ Ana e o Tenente
Dueto de desgarrados num espaço de melancolia |
O texto de Rafael Camargo, que está em cena no Teatro do Jockey, antes de ser o confronto existencial entre um casal num parque de diversões decadente, parece um desabafo, ou um jogo de contrários de inspiração beckettiana, que intenta refletir um certa perplexidade. O dueto de desgarrados, confinados numa espaço de melancólica diversão (talvez, de lembranças infantilizadas), está em fim de linha, estabelecendo conversa de surdos, em que cada um representa a sua própria disfunção vivencial. O casal se pergunta, cada um na medida das suas dúvidas ou da falta delas, o seu lugar no mundo, os seus medos no desvendamento dos afetos, e na dificuldade de abandonar aquilo que parece já ter terminado. A abrangência pretendida por Camargo, é apenas parcialmente alcançada. Há um ar um tanto filosófico e evidente negação do realismo que impõem um estranhamento narrativo. A contradição está em que o autor recorre a ambientação dramática referenciada, exatamente, por elementos realistas. O diretor Joelson Medeiros acentua esse estranhamento, projetando montagem com pretensões a utilizar metaliguagem cênica, pairando sobre poética de imagens corriqueiras e antirealismo sem fundamento. Isabel Pacheco, ela com menos recursos, e Sérgio Medeiros, ele com maior uniformidade interpretative, procuram dar vida (e, em alguns momentos, até conseguem) a personagens que se existem somente como abstrações.
Crítica/ Beatles Num Céu de Diamantes
Coro vibrante na encenação do repertório do Beatles |
Há três anos da estréia e seis temporadas depois, o bem sucedido musical Beatles Num Céu de Diamantes está de volta no Teatro Clara Nunes. A seleção de composições dos Beatles, numa primeira visão, poderia parecer um recital-coletânea, em que as canções se sucederiam, aglutinadas por temas ("o sonho, a fuga, a descoberta, os encontros, o amadurecimento, um sonho dentro do sonho, a volta"). A sequência das músicas, todas cantadas em inglês, apontava para a dúvida de que não tivessem a essência dramática que pudesse torná-las encenáveis. Mas qualquer predisposição para rotular a montagem de Charles Möeller acaba por ser frustrada por espetáculo que encontra na sua própria estrutura a relação cênica que o transforma num musical atraente. Nada de texto que interligue as músicas, muito menos situações que as provoquem ou as introduzam, mas somente orquestração de movimento e voz que desenham cena encorpada e envolvente. O mecanismo que faz com que esse musical funcione com tanta vibração, sensibilidade e impacto comunicativo, se deve muito a excelência técnica da dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho. Nada parece estar a mais. Desde a seleção das músicas ao elenco adequado, as escolhas se baseiam no depuramento técnico de todos os seus integrantes. A direção musical de Cláudio Botelho, não só valoriza o material musical, como encontra sonoridade que amplia as possibilidades de audição de canções bastante conhecidas. Os arranjos musicais de Della Fischer, e os vocais de Jules Vandystad são preciosistas no detalhamento e na exploração de sutilezas sonoras nem sempre pressentidas por ouvintes menos especializados. O uso de poucos elementos cenográficos, a iluminação ágil e os músicos completam a segura equipe. Não há como destacar, individualmente, os atores. O elenco aproveita cada uma das oportunidades de "solo", e se harmoniza como um coro de intérpretes plenamente integrados ao espírito do musical, em intervenções, algumas surpreendentes, e com várias demonstrações virtuosísticas.
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