São Paulo
Crítica/ O Rei
Leão
Extensão do desenho animado da Disney, o musical,
igualmente saído dos estúdios do mago do divertimento, quase completa a cadeia
produtiva, que deve ser completada, em breve, por alguma área de parque
temático do conglomerado. Sob esta ampla estratégia marqueteira é que deve ser
visto O Rei Leão, que chegou ao Teatro Renault (ex-Abril) correspondendo,
plenamente, ao planejamento de atender aos bons sentimentos que precisam ser mostrados
às crianças e a adultos infantilizados. Os personagens são animais de savanas
africanas nesta fábula do leãozinho que, instigado pelo tio usurpador, foge
assustado com a culpa que o parente atribui a ele pelo assassinato do pai.
Vagamente inspirado em trama clássica, a
transposição para o mundo animal e para o musical tornam esses invólucros atraentes e degustáveis a plateias
com códigos narrativos e de estilo que lhes são familiares. Como o objetivo é
atender a tais condições, O Rei Leão se
reveste de elementos que atraiam e sensibilizem, além de entreter, públicos de
todas as idades, apresentando-se como um show
capaz de embalar os sentidos, cortejando-os. E em parte consegue. O espaço
cênico é ocupado por figuras visualmente feéricas. São máscaras e pernas de
pau, bonecos presos aos corpos e panos que adquirem definidas formas, numa
sucessão de efeitos que explodem em girafas, elefante, hienas, leões e tigres,
criando movimentação que pisca, pela multiplicidade de imagens, de maneira encantatória para o espectador. Sem
músicas muito marcantes e coreografia especialmente inventiva, o musical se
esgota nesta exposição de ótimos figurinos e no preciso desenho de produção e
marketing. O objetivo da Disney, portanto, está cumprido. Tal como no resto do
mundo, onde foi encenado, também em São Paulo, O Rei Leão, que estreou há três semanas, tem mantidas lotadas sete
sessões semanais num teatro de 1533 lugares com poltronas a preços que atingem
até os R$ 270 .
Crítica/ Facas
nas Galinhas
O autor é o escocês David Harrover e este seu
texto, em cartaz no Tucarena, conseguiu ultrapassar os limites geográficos de
origem para se espalhar em várias montagens ao redor do mundo. Essa
disseminação talvez se explique pelo caráter fabular da narrativa (lembra história
medieval) e a simplicidade da trama, que contrapõe mulher, o marido e moleiro
num jogo de revelações. O movimento da roda do moinho acompanha o trajeto desta
mulher que, ao levar os grãos para a moenda, recebe lições de vida do moleiro solitário, considerado feiticeiro e
assassino pelos aldeões. A habilidade com que o autor constrói esse percurso
dramático não é suficiente para que esconder as boas intenções e a pueril poesia que assomam a vida da camponesa. A
montagem de Francisco Medeiros é bastante conservadora, mantendo-se nos
estreitos limites do bem acabado. O cenário de Marco Lima com a sua circularidade
permite que a ação permeie diversos ambientes, reforçando o paralelismo simbólico
da roda do moinho e da transformação da personagem. O efeito plástico da queda
da farinha cria cortina esvoaçante de partículas brancas, e os objetos
suspensos marcam, sonoramente, os quadros. Mas pouco mais desses detalhes
visuais deixam entrever algo que escape da correção. O trio de atores – Eloísa
Elena, Cláudio Queiroz e Thiago Andreuccetti – corresponde ao convencionalismo
bem comportado que é o carimbo do texto e da encenação.
Crítica/ Maria Miss
Do conto Esses Lopes, do livro Tutameia, de Guimarães Rosa, a atriz
Tania Castello pressentiu a possibilidade de ganhar autonomia no teatro. Por
anos acalentou a idéia de adaptá-lo ao palco, o que resultou em Maria Miss, em cartaz no Sesc Ipiranga. O
material literário se mostrou sensível ao novo meio expressivo, e a
transposição da história da moça vendida pelos pais a um viajante e submetida a
seguidos maus-tratos, encontra ressonância em cena. Evill Rebouças que adaptou
o conto, consegue fluência dramática sem perder as características de linguagem
e de ambientação propostas pela escrita de Rosa. A diretora mineira Yara Novaes
conduz com toques regionais as artimanhas de Maria para vingar-se daqueles que
a negociaram, emprestando à encenação ritmo ágil e vibrante coreografia que não
permitem que se esgarce o interesse. Tania Castello demonstra em cena que seu
empenho em levar o conto ao teatro corresponde, na mesma intensidade, à adesão
com que interpreta a mulher negociada. Cacá Amaral e Daniel Alvim se desdobram como
vários membros da família Lopes.
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