Mineiros no
CCBB
Crítica/ Prazer
Sem filtros para investigar os caminhos da cena |
A Cia. Luna Lunera, de Belo Horizonte, volta ao
Rio para apresentar no Teatro I, Prazer,
que segundo o grupo é inspirado em Uma
Aprendizagem ou Livro dos Prazeres. Já na apropriação da obra literária, o
coletivo mineiro desequilibra os fundamentos da encenação, transpondo a
narrativa de Clarice Lispector como pretexto deflagrador, foco sobre aquilo que
a escritora ressalta como impulso. A personagem de Clarice é movida na direção
ao quimérico prazer por condicionantes, não importa o quanto a vida se mostre
insatisfatória e angustiante, e até mesmo cruel. Na adaptação do Luna, desprezam-se
os condicionante para preenchê-los pela superficialidade de trama que arranha o
aconselhamento e o vazio de situações
que evocam um mau texto. A dramaturgia, além de tecnicamente inconsistente, é
atabalhoada e confusa. A montagem, por outro lado, evidencia a multiplicidade
de tentativas e propostas de construção de cena que parece se desestruturar,
involuntariamente, em seus próprios termos. A superposição de elementos,
gerados na elaboração da dramaturgia e da montagem, desmascara as dificuldades
da realização, denunciando informações mal digeridas e insólitas interpretações
de influências técnicas. O balé inicial, em que o elenco escreve no quadro
negro do cenário frases de divergente e fortuitos sentidos, prepara para o
suposto movimento em direção à consciência do prazer, como se tal gesto pudesse
ser encontrado pela racionalidade. Ambiguidade (ator vestido com saia feminina
é contrastante?), dispersão (vozes que falam outra língua, dinamarquês,
provavelmente), ruído (ouvem-se tantas sonoridades, que produz-se apenas
barulho), acúmulo (o grafismo sobrecarrega ainda mais o traço expressivo), e
impasse (o processo criativo se confunde com o descontrole dos meios), Prazer explicita na pesada coleção de meios,
a contradição entre o real desejo de investigar a cena e a equivocada e
desestruturante filtragem de como o fazer.
Crítica/ Dias
Felizes: Suíte em Nove Movimentos
Sons de Beckett em diálogo da palavra com a música |
A atriz e diretora mineira Rita Clemente vai ao
encontro de Winnie, a personagem de Samuel Beckett em Dias Felizes para trazê-la ao universo do concerto musical. A palavra que mantém a
existência da mulher, soterrada pelos despojos crescentes do dia-a-dia, se faz
música para que crueza assuma outra sonoridade. A ironia niilista da mulher que
dialoga com sua própria impossibilidade de sobreviver ao cotidiano que a
engole, está presente na montagem dirigida por Rita, em cartaz no Teatro III.
Mas o enquadramento proposto, modula com a impositiva musicalidade a extensão
da palavra beckettiana. Não para negá-la, ou facilitá-la. Muito menos, para subvertê-la,
mas somente para emprestar-lhe tratamento pouco convencional. Os nove
movimentos musicais do título estabelecem pausas tonais à crescente dissociação
de Winnie, sem pretender musicalizar a
palavra. A autonomia da voz de Beckett se preserva, senão na sua integridade oral,
pelo menos em sua ressonância dramática.
Em 55 minutos, música e palavra se fundem como sons, polifonia que se unifica
pelo formato de recital em nove movimentos, dois atores e um instrumentista. A
característica recitalista se demonstra também pelo figurino cenográfico que veste
a atriz, tanto na aprisionada roupa da imobilidade, quanto na lembrança de
modelo exuberante das grandes divas. Essa
estrutura, muito bem construída como partitura de palco, pode, no entanto,
causar certa estranheza para aqueles que desconheçam o texto de Beckett. Versão
fragmentada na sua completude, Dias
Felizes aponta e ressalta o apelo à sensibilização da interpenetração de
linguagens. Rita Clemente interpreta com alternâncias de intensidades, do humor
dramático ao do cabaré à francesa, o papel de atriz-cantora de atuação rigorosa
e voz límpida, atingindo as notas cômicas e trágicas da declinante Winnie.
macksenr@gmail.com