Crítica/ Horses
Hotel
Fotograma para fixar vozes, corpos e desejos |
A geografia humana, musical e literária, que
localiza o teatral num espaço existencial eclodido na década de 80, vai à
procura em Horses Hotel desta trilogia
referencial para encontrar seu lugar dramatúrgico-cênico. A ambientação do
texto de Alex Cassal, em cartaz no Oi Futuro Flamengo, se desenha num momento
em que a cultura pop procura gritar inconformismos, berrando a liberdade
individual das recusas, atordoando com a aspereza do rock para despir-se de costumes para vestir o punk. É deste tempo e da juventude que se alimentou da seiva que
esse contorno oferece que Cassal construiu a narrativa, através da relação de
três personagens (ela, uma garota que veio do interior; eles, arrebatados por experimentações
sexuais), da onipresença da morte (a Aids se fazia avassaladora na época) e de citações
a poetas e inspirações de escritores (a geração beat se confunde com situações
que nos remetem a alguns autores). Ao manipular essas influências como um coquetel
efervescente, converge para uma área de estridência que se manifesta na captura
de reproduzir vozes, corpos e desejos. No contraponto desse registro quase
temporal, propõe-se, tímida e ligeiramente, a questão da arte com experiência
vital. Horses Hotel acaba por
redundar em um fotograma, mais do que no movimento de pulsão dramática, que
conduza para além de imagens e palavras
expositivas. O próprio texto denuncia a carência de fúria interna, quando tenta
estabelecer contato com a plateia de maneira tão banal, supondo estar
confrontando o espectador com nível mais
interiorizado de reação. A direção é assinada em conjunto pelo autor e Clara
Kutner, o que talvez possa explicar a queda da dinâmica cênica, em especial
quando a narrativa cai em vácuos. Não está bem equacionada a rotatividade das
cenas, que têm quebras de intensidade, como aquelas transformadas em pequenos
monólogos ou de exibição musical. O trio de atores – Ana Kutner, Renato
Linhares e Emmanuel Aragão – se mostra completamente disponível para interpretar o universo retratado, e o fazem com adesão
e dimensionada garra.
Crítica/ O Nó do
Coração
Caso de dependências em sessão de terapia familiar |
Peça inglesa de David Eldrige que inaugura o
confortável Teatro Eva Herz segue sem tropeços a cartilha de playwriting do realismo psicológico anglo-saxão.
Lá estão bem colocados os personagens, neste caso, mãe e duas filhas que
enfrentam problemas decorrentes de droga pesada na família. Proposto um tema de
atualidade com tratamento didático, em que se demonstra a possibilidade de
superação. Evidenciados os traços de comportamento que definem o caráter das
irmãs e a neurose materna detalhadamente apontados. A evolução narrativa
obedece linha pré-estabelecida: apresentação, desenvolvimento e clímax. Tudo no
lugar certo. Essa arrumação, no entanto, não esconde a pouca originalidade como
autor trata de sua bem cuidada e intencionada narrativa, diante da qual parece
não ter se desviado, minimamente, da previsão de como conduzi-la. Os conflitos
familiares mostrados em decorrência do processo de decadência pelo consumo de
drogas de uma das filhas, ex-apresentadora de programa infantil de televisão, têm
seu epicentro na forma como a personagem percorre os estágios da saída da
dependência. O diretor Guilherme Leme criou cenografia sem atmosfera,
eventualmente alcançada pela iluminação de Tomás Ribas, em que as mudanças de
tempo são preenchidas por trilha sonora impositiva e vazia de significação
dramática. Leme não ultrapassa o limite demonstrativo das boas intenções do
autor em expor as dificuldades emocionais para revelar um caso clínico a ser discutido numa sessão terapêutica. As cenas de
internação hospitalar e os certos momentos familiares (como o papel da irmã e a
imagem do pai morto), pontos fracos do texto, deixam à mostra as hesitações do
diretor. O elenco tem no núcleo central, Guida Vianna como a mãe sobrecarregada
de dramaticidade, Monique Franco em busca de convencer como a atormentada
dependente, e Camila Nhary, como a irmã invejosa.
Crítica/ Por Que
Será Que As Amamos Tanto...?
Bate-papo argentino em torno de piadas de botequim |
Com uma historieta que existe apenas para
justificar final ridículo, o texto do argentino Daniel Datola é tão-somente um
desfiar de piadinhas sobre o relacionamento homens e mulheres. Numa conversa de
botequim, na tradição do eterno
masculino, dois amigos falam durante longos 60 minutos de lugares comuns
sobre comportamento feminino, de observações que se avizinham da conversa de bêbados com algumas
piscadelas ao preconceito em relação a ambos os gêneros. Tuca Andrade, que
dirigiu o espetáculo em cartaz no Teatro Cândido Mendes, procura dar agilidade
à série de piadas, já que fica difícil com a falta de fixação de dramaturgia
menos volátil estabelecer alguma contracena, e desta maneira aproveitar a
presença de dois atores – Wesley Aguiar mais próximo do humor do que Marco
Miranda -, e não decidir por fazer deste Por
que Será Que as Amamos Tanto...? mais um dos muitos stand-ups espalhados pelos palcos cariocas.
Crítica/ As
Coisas Que Fizemos E Não Fizemos
Matheus Souza, autor, diretor e ator dessa
montagem em cartaz no Espaço Sesc, não apenas pelo acúmulo de funções, mas pela
voracidade com que exerce cada um desses papéis, não deixa dúvidas quanto à sua
juventude. Talvez este não seja o seu primeiro texto encenado, desconfia-se que
seja o mais ambicioso na sua gana de ocupar um palco. Escrito por alguém
recém-saído da adolescência, o título pode revelar muito do que o texto não
contém e que a pouca idade e os games podem levar a imaginar. Uma badalhoca ajuda
a transformar a vida, permitindo que probleminhas amorosos sejam revistos ao
longo de várias idas e vindas ao passado e de discussões entre a operadora e o
usuário. O pacote é embalado por canções medíocres. Sem medida para o que
escreveu e sem limites para o tempo que gasta para colocar o texto em cena,
Matheus Souza também não tem controle para sua atuação hiperativa. Lua Blanco e
Giselle Batista são as atrizes-cantoras.
macksenr@gmail.com