Crítica/ [DES]CONHECIDOS
O delicado desequilíbrio amoroso |
O que se quer refletir nesta peça camerística,
escrita e dirigida por Igor Angelkorte, em cartaz no Teatro Café Pequeno, é tão
evidente quanto a interferência urgente das atuais formas múltiplas de comunicação,
e tão impalpáveis quanto as possíveis construções das afetividades. Casal marca
encontro em um bar através das redes sociais, e se vê frente a frente,
desencontrados de suas identidades desconhecidas. Despertada a atração sexual,
a partir da qual se desarmam os mecanismos do processo amoroso, impulsionados pela
urgência de expressar sentimentos. A plateia restrita a três dezenas de
espectadores compartilha o confinamento emocional do que parece ser, a
princípio, a extensão, via internet, de descompromissado contato. O adensamento
dos contraditórios movimentos das pulsões, do desejo e do amor, descontroem as
aproximações digitais fortuitas para revelar a permanência dos conflitos das
volatéis maneiras de amar. A narrativa de Angelkorte lembra, pela impermanência
dos sentimentos, o casal do filme-peça de Arnaldo Jabor, Eu te Amo, ao explorar os limites afetivos até o momento da ruptura.
As cenas iniciais, que têm um aspecto mais figurativo,
antecipam uma envolvência em que os diálogos são intensamente reais e simples, e o jogo dramático bem traçado. A ingenuidade na procura
da intervenção da plateia e as referências excessivas à comunicação digital se
tornam detalhes em meio à exposição do delicado desequilíbrio das relações dos
nossos dias. A montagem, que traz a plateia para a cena, o que provoca intimidade quase física, contribui para estabelecer
atmosfera tensa. Os atores – Chandelly Braz e Igor Angelkorte – projetam com
fina sintonia os preâmbulos e o desfecho de vibrante discurso amoroso. Tanto
Chandelly (uma bonita figura) quanto Angelkorte (uma presença bem marcada) demonstram
naturalidade e espontaneidade que, antes de se ligar a interpretações naturalistas
e a facilidades de atuações fotográficas, se originam na recriação de vivências
de geração em pleno estado de ebulição.
Crítica/ Beatriz
Beatriz,
em cartaz na Casa de Cultura
Laura Alvim, como antes a Cia. Atores de Laura havia feito com O Filho Eterno, adaptou obra literário
de Cristóvão Tezza para teatro. Se na montagem anterior, a adaptação de Bruno
Lara Resende foi habilmente acondicionada no invólucro de um monólogo, na atual,
os problemas na transposição se manifestam pelo caráter quase confessional como
é tratado o relacionamento do casal. A maneira descritiva como falam daquilo que
lhes acontece ou o que rege suas atitudes, ressoam como vozes interiores que
prescindem de diálogos. A adaptação não encontra a transcrição para a
interioridade da narrativa original, traduzindo com realismo o que circula entre o literário e o intimismo. Tanto o
adaptador como o diretor Daniel Herz insistem em dar contornos de realidade ao
que transita em planos mais sensoriais,
o que torna a versão cênica de Beatriz,
algo que se distancia da palavra construída como literatura sem transformá-la
em ação teatral. A cenografia de
Aurora dos Campos exibe esse desacordo nos ambientes despidos (da pobre mesa da
conferência ao despojamento de uma sala) e no sugestivo corrimão da escada. A
iluminação de Aurélio de Simoni abandona a possibilidade de luz mais onírica. A montagem de Herz não traz concretude à narrativa, e não atinge o
substrato do texto de Tezza. Ana Paula Secco e Paulo Hamilton, apesar de alinhar suas interpretações com
as falas expositivas e voltadas diretamente para a plateia, não abandonam a
lembrança de que há que projetar a contracena nas atuações.
Crítica/ Do
Tamanho do Mundo
Neste primeiro texto para teatro de Paula Braun
há uma clara demonstração da necessidade de ultrapassar certas convenções e
códigos para diluir a inexperiência. Há sempre algo de insólito e de estranho
impulsionando as atitudes dos personagens, prontos a embarcar em situações
diante das quais não procuram descobrir razões ou mesmo sentir-se intrigados.
Acordar e não conseguir caminhar é tão banal quanto reclamar da chatice do
trabalho e assar tortas em escala industrial em pleno período do carnaval. O
que parece fora do lugar, está realmente fora do lugar, afinal a autora tem a
ambição de alargar as bizarrices de comportamentos que tenham o tamanho do
mundo. Bem mais pequena do que a pretensão, a montagem em cartaz no Espaço Tom
Jobim está longe de emprestar a atitudes anticonvencionais algum significado
absurdo (como conceito de dramaturgia), crítico (passa ao largo do humor
irônico), ou inovador (está mais próxima de uma mal sucedida comédia de
costumes). A direção de Jefferson Miranda agrava os descompassos do texto, confundindo estranheza com inconsistência dramaturgica, choque que se repete no
cenário que parece ter se inspirado nos ambientes dos filmes de Jacques Tati,
mas sem razão para tal semelhança. O figurino é tão delirante quanto a trama.
Basta citar a figura grotesca do diabo. Os exageros se estendem ao elenco, que
pouco pode fazer diante de personagens despropositados e insustentáveis.
macksenr@gmail.com