Crítica/ Pequenas
Tragédias
De tragédias clássicas, Alexander Pushkin fez
teatro de textos curtos, apropriando-se de personagens como Don Juan, Fausto e
Mozart para dramatizar o literário. Quatro das peças breves do autor russo – O Convidado de Pedra, Conversa Entre o Livreiro e o Poeta, Mozart e Salieri e Cena de Fausto – estão em cartaz no Porão da Laura Alvim, em versão
artesanal de Fabiano de Freitas. Pushkin, essencialmente romancista e poeta,
não por acaso foi buscar na literatura os elementos para a sua dramaturgia de
condensada influência na palavra escrita. Seu teatro, que traz forte conotação
do literário, se ressente desta interferência ao ponto de se tornar mais audível do que físico. As cenas são
tertúlias em que a voz é mais palavra do que ação, em que o embate dos
personagens se realiza no plano verbal. Maior dificuldade de encenar Pushkin, o
difícil encaixe da letra se transformar em cena, é por outro lado mérito para
aqueles que decidem montar seus textos. Revelá-los e enfrentar as desafiantes
condições para leva-los ao palco, são qualidades com que se defronta quem
deseja experimentar as possibilidades do teatro. A equipe reunida para esta
produção tem a seu favor o impulso de trazer essas narrativas à plateia atual, ainda
que as tenha explorado de forma convencional. Como o espaço do Porão é exíguo,
a proximidade ao público desvenda, expondo sem intermediações, as eventuais
fraturas da concepção, deixando à vista interpretações pouco contidas,
iluminação por demais interveniente, e movimentação dos atores sem variações. Com
as limitações espaciais e expansões conceituais, a montagem de Fabiano de
Freitas intenta projetar o que cada um dos pequenos textos trazem como
substrato dramático. Vai além das medidas razoáveis, mas, ainda que com
parcialidade, transmite o espírito das histórias. O casal de atores – Ana
Carbatti e Renato Carrera -, em que pese a sobrecarga artificialmente
construída nos diversos papéis em que se transfigura, procura com empenho
tornar modular o que apenas consegue fazer linear.
Crítica/ Silêncios Claros
Por
mais que a obra literária de Clarice Lispector possa ser, à primeira vista,
pouco maleável ao palco, a constância com que seus contos e romances chegam ao
teatro, demonstra a potencialidade expressiva de sua literatura em outros
meios. Mais uma vez, Clarice inspira uma atriz a reunir contos – o Grande Passeio, Uma Galinha, A Fuga e Uma Tarde Plena – para em monólogo traduzir
a rascante delicadeza na observação dos pequenos flagrantes da crueldade da aventura
humana. É o que Ester Jablonski encena no Parque da Ruínas em quatro momentos
de mulheres que olham para o abandono e morte, para o prosaico e cotidiano,
para as lembrança e esquecimento. O espetáculo dirigido por Fernando Philbert é
conduzido pela sensibilidade da atriz, criadora em parceria com Ítalo Rossi, do
projeto. O diretor mostra-se como condutor da personalidade cênica da atriz:
suave, discreta, introspectiva. A presença de Philbert se revela mais como organizador do que propriamente como regente. Ester Jablonski perpassa os
contos com o cuidado de não provocar qualquer ruptura na busca da voz interior do
bordado de Clarice. A atriz mantém integridade interpretativa em que não cabem variações
ou ênfases, sombras ou iluminações, pausas ou arroubos. A atuação é conduzida
por interioridade que, se não alcança a intensidade da origem literária, cuida
de ser fiel à dimensão sensível de Ester.
macksenr@gmail.com