sexta-feira, 24 de maio de 2013

19ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Vermelho
 
As cores do olhar no confronto com a arte
O autor americano John Logan figura em Vermelho, cartaz no Teatro Ginástico, a fricção artística e pessoal de  Mark Rothko quando o pintor, no final dos anos 50, se defronta com a juventude de seu assistente e o avanço de novos momentos de criação. O texto se estrutura com o rigor de diálogos afinados e situações que contrapõem observações sobre a crise de Rothko frente a seu tempo, dosando com toques emocionais discussões sobre arte e veracidade da existência. O autor joga com a dualidade arte-vida, equilibrando, nem sempre comedidamente, os dois planos. Na trama realista, a presença do jovem com história individual extremada e surpreendente capacidade de argumentação no enfrentamento com o mestre parece servir mais a uma acomodação ao arcabouço dramatúrgico do que aos parâmetros do estilo. Mas ultrapassado tais limites, Logan conduz com dinâmica dramática o debate, externo e interno, de alguém que pressente como agem sobre si e sua obra as mudanças do tempo, irrecuperável movimento em que o presente ameaçador conduz a manter-se na fixidez do passado. A cor, em tons e camadas, densidade e luminosidade, e o olhar, em captura e significados, recepção e dispersão, envolvem em sensíveis comentários o duelo verbal entre o pintor e o assistente. Em ótima tradução de Rachel Ripani, Vermelho tem montagem assinada por Jorge Takla, que seguiu diligente cartilha e percorreu seguro espaço para não romper os restritos limites do bem executado. O cuidadoso traço do cenário, a iluminação com atmosfera, e até mesmo a trilha sonora um tanto evidente, todos os elementos se conjugam harmoniosamente. O diretor, assim como autor, parece não querer ir mais além do riscado, mantendo-se na linha, dominante, do bom acabamento. A melhor cena é aquela em que Takla  lança os atores na pintura delirantemente vermelha, colorindo a explosão de força artística aos desesperados gestos de ligação com a vida. Antonio Fagundes demonstra a sua maturidade de intérprete, mais pela experiência de carreira do que atuação nuançada. O ator sustenta Mark Rothko numa composição bastante demarcada, o que padroniza o desenvolvimento do personagem rumo estável. Bruno Fagundes enfrenta com timidez, de início, e com crescente soltura os nem sempre verossímeis contra-argumentos do jovem.

Crítica/ Cruel
 
Luz branca sobre um triângulo sem interseções
A mudança do título original, Os Credores, para Cruel, com o qual o adaptador e diretor Elias Andreato revisa o texto do sueco August Strindberg, diz muito do que pretende a encenação em cartaz no Teatro do Leblon. A narrativa de Strindberg, escrita nas décadas finais do século XIX, de características expressionistas e de vincado contorno realista, tem ressonância na linguagem naturalista e melodramática dos relatos de mediatização popular. De certo modo, Cruel intenta essa aproximação através de indícios, como no novelesco que se nota na montagem. Andreato busca interpor tempos narrativos: o histórico da convenção e os códigos de uma certa linguagem folhetinesca. A adaptação explora, na superfície, relações em que a construção de uma vingança deixa à mostra o desequilíbrio emocional de um triângulo desestabilizado. Com diálogos exploratórios de cada passo do processo de desintegração, Strindberg é impiedoso com cada vértice da triangulação, numa tessitura que amarra os pontos de interseção. É na contra luz que os atos dos personagens ganham realidade, e esta é a razão pela qual Os Credores confirma sua permanência como texto dramático. Ao se afastar desta linha, o descompasso e o anacronismo se impõem às matrizes do drama, e ao ser encenado nos dias atuais propõe-se como exercício estilístico, ajustado ao domínio técnico dos atores. Exatamente ao contrário do que desenhou o diretor desta versão. Sem tocar em camadas menos planas e sem imprimir ressignificações à trama, Cruel se projeta numa linearidade de inexpressividade branca. O elenco não estabelece integração interpretativa. Os três atores têm dificuldade de contracena que individualize os personagens, deixando-os à deriva. Erik Marmo confunde contração corporal com uniformidade vocal. Maria Manoella não alcança a ambiguidade de sentimentos da personagem. Reynaldo Gianecchini desarma, com atuação que sugere recursos de melodrama, o mistério e a ardileza que movem o ex-marido.    

                                            macksenr@gmail.com