Crítica/ Vermelho
O autor americano John Logan figura em Vermelho, cartaz no Teatro Ginástico, a
fricção artística e pessoal de Mark Rothko quando o pintor, no final dos
anos 50, se defronta com a juventude de seu assistente e o avanço de novos
momentos de criação. O texto se estrutura com o rigor de diálogos afinados e
situações que contrapõem observações sobre a crise de Rothko frente a seu tempo,
dosando com toques emocionais discussões sobre
arte e veracidade da existência. O
autor joga com a dualidade arte-vida, equilibrando, nem sempre comedidamente, os
dois planos. Na trama realista, a presença do jovem com história individual extremada
e surpreendente capacidade de argumentação no enfrentamento com o mestre parece servir mais a uma acomodação
ao arcabouço dramatúrgico do que aos parâmetros do estilo. Mas ultrapassado
tais limites, Logan conduz com dinâmica dramática o debate, externo e interno,
de alguém que pressente como agem sobre si e sua obra as mudanças do tempo,
irrecuperável movimento em que o presente ameaçador conduz a manter-se na
fixidez do passado. A cor, em tons e camadas, densidade e luminosidade, e o
olhar, em captura e significados, recepção e dispersão, envolvem em sensíveis comentários
o duelo verbal entre o pintor e o assistente. Em ótima tradução de Rachel
Ripani, Vermelho tem montagem
assinada por Jorge Takla, que seguiu diligente cartilha e percorreu seguro espaço
para não romper os restritos limites do bem executado. O cuidadoso traço do
cenário, a iluminação com atmosfera, e até mesmo a trilha sonora um tanto evidente, todos os elementos se conjugam
harmoniosamente. O diretor, assim como autor, parece não querer ir mais além do
riscado, mantendo-se na linha, dominante, do bom acabamento. A melhor cena é
aquela em que Takla lança os atores na
pintura delirantemente vermelha, colorindo a explosão de força artística aos desesperados
gestos de ligação com a vida. Antonio Fagundes demonstra a sua maturidade de
intérprete, mais pela experiência de carreira do que atuação nuançada. O ator
sustenta Mark Rothko numa composição bastante demarcada, o que padroniza o desenvolvimento do
personagem rumo estável. Bruno Fagundes enfrenta com timidez, de início, e com
crescente soltura os nem sempre verossímeis contra-argumentos do jovem.
Crítica/ Cruel
A mudança do título original, Os Credores, para Cruel, com o qual o adaptador e diretor Elias Andreato revisa o
texto do sueco August Strindberg, diz muito do que pretende a encenação em
cartaz no Teatro do Leblon. A narrativa de Strindberg, escrita nas décadas
finais do século XIX, de características expressionistas e de vincado contorno
realista, tem ressonância na linguagem naturalista e melodramática dos relatos
de mediatização popular. De certo modo, Cruel
intenta essa aproximação através de indícios, como no novelesco que se nota na montagem. Andreato busca interpor tempos
narrativos: o histórico da convenção
e os códigos de uma certa linguagem folhetinesca. A adaptação explora, na
superfície, relações em que a construção de uma vingança deixa à mostra o desequilíbrio
emocional de um triângulo desestabilizado. Com diálogos exploratórios de cada
passo do processo de desintegração, Strindberg é impiedoso com cada vértice da
triangulação, numa tessitura que amarra os pontos de interseção. É na contra luz
que os atos dos personagens ganham realidade, e esta é a razão pela qual Os Credores confirma sua permanência
como texto dramático. Ao se afastar desta linha, o descompasso e o anacronismo se impõem às matrizes do
drama, e ao ser encenado nos dias
atuais propõe-se como exercício estilístico, ajustado ao domínio técnico
dos atores. Exatamente ao contrário do que desenhou o diretor desta versão. Sem
tocar em camadas menos planas e sem imprimir ressignificações à trama, Cruel se projeta numa linearidade de
inexpressividade branca. O elenco não estabelece integração interpretativa. Os
três atores têm dificuldade de contracena que individualize os personagens, deixando-os
à deriva. Erik Marmo confunde contração corporal com uniformidade vocal. Maria
Manoella não alcança a ambiguidade de sentimentos da personagem. Reynaldo
Gianecchini desarma, com atuação que sugere recursos de melodrama, o mistério e
a ardileza que movem o ex-marido.
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