Ivan Sugahara
em Duas Direções
Crítica/ Sarau
das Putas
Impressões ligeiras sobre "a vida fácil" |
Pela origem (uma residência artística) e título (
um sarau), a montagem em cartaz no Teatro Poeira já demonstra a extensão de
suas ambições. O tema da prostituição foi tratado como almanaque de lugares-comuns
sobre aquela que um dia foi chamada de “vida fácil”. Podem ser relacionados
entre tantos reunidos nesta encenação, os das velhas prostitutas da belle époque francesa, os da defesa do
prazer como valor intrínseco da profissão, os das fantasias masculinas mediando
a relação com as mulheres, além de imagens e palavras que levam à nudez e à
vulgaridade. Nesta montagem, dispensam-se comentários ou observações, substituídos
pelas letras de músicas que concluem o que acabou de ser dramatizado. Aparentemente, os textos nasceram de impressões das
atrizes sobre as prostitutas, e no caso de uma delas, há até a referência à
bisavó que exerceu a profissão. Verdade ou ficção, o material reunido tem pouco
expressividade dramática. Escritas pelo diretor Ivan Sugahara, Renata Mizrahi e
Vitor Barbarisi, as cenas foram estruturadas sem interligação, restando um
fiapo de narrativa e o ensaio de um percurso com algum clima, como na
sensibilização do público de olhos vendados. São dois atos alongados, que
parecem condicionar sua duração à necessidade de acomodar todo o elenco. O
primeiro ato, repleto de chavões que o imaginário registra das “mulheres da
vida”, é, de certo modo, atenuado no segundo, com alguma variante na
tipificação como são tratadas as personagens. Aqui e ali, pode-se sentir que um
texto teve tratamento mais elaborado, mas são raros e diluídos em meio a tantos
outros convencionais. Uma boa cena é a da cadeirante, que estabelece potente
imagem em um momento, e reaparece em outro, num flash de humor cruel. Sugahara
persegue o clima de sarau com as músicas encerrando os quadros, mas como as
atrizes têm reduzida capacidade para o canto, as mudanças das intérpretes e das histórias ficam
atrofiadas no roteiro sequencial. Das treze atrizes, a maioria ainda em processo
de formação, se destacam Laila Garin, por presença mais firme, Laura Limp, pela
maneira como conjuga beleza e ambiguidade, e Carolina Ferman por transitar pela
fantasia e hipocrisia.
Crítica/ Tarja
Preta
Conversa de bêbados em torno de rótulos |
Adriana Falcão imprime ritmo descritivo à palavra, que ganharia viço em
cena se melhor escolhida e adaptada. Em Tarja
Preta , em cartaz no Teatro do Leblon, a cronista desenvolve situação que
contrapõe dependente de álcool e outras drogas e medicamentos a seu cérebro,
algo crítico, mas bombardeado pelos efeitos deste consumo excessivo. Bêbada,
mantendo-se em constante estado de suspensão, com o cérebro-alter-ego
insistindo em chamar-lhe à realidade, sobrevive mal a separação amorosa, que a lança a zonas alcoólicas de
rejeição e a rótulos escuros de baixa estima. Tarja Preta se cristaliza neste quadro e avança pouco no espaço mais
amplo do humor ativado por costumes, cacoetes e comportamentos capturados na
atualidade. É difícil sustentar o embate da mulher com seu cérebro e mantê-lo
interessante no palco com estímulos tão restritos. O diálogo se assemelha a conversa de bêbado, e a evolução
narrativa emperra no raso impulso da trama. O diretor Ivan Sugahara tenta
colorir o quadro monocromático, inventando pantomima que agite a fixidez da
tênue batalha. A longa cena inicial dos personagens trocando passos, exibindo alto
grau etílico, usando de gesticulação clownesca
para encontrar o humor inexistente, é um esforço da direção para dar algum
sopro ao modesto texto. O esforço, no entanto, se perde pela falta de melhor
material que o leve adiante. Os atores, apesar da corrida para agarrar qualquer
trilha de humor, esgotam seus recursos pela ausência de fôlego do que lhes é
dado como base para interpretação. Érico Brás se apóia em linha circense, como
na cena de vestir o calção. Letícia Isnard, combina preparo corporal e presteza
nas falas, insuflando alguma vitalidade e expandindo, com esperteza
interpretativa, a relevância de um simples tipo.